Ele a conheceu em uma linda manhã de setembro. Ela já havia estado no ateliê, mas ele então era apenas um lindo pedaço de tafetá branco. Na segunda vez que se viram algo nele já sugeria o que ele seria, a forma que teria.
Quando a costureira deslizou-o pelo corpo dela ele sentiu o calor que emanava da pele sedosa. Ela, sentindo talvez o quanto este primeiro contato era importante para ele, deslizou as mãos suavemente pelo tecido macio. “Vai ficar bom, não vai?'” Claro que vou, ele quis responder. “Claro, minha querida” repondeu a costureira.
Quando ela se foi ele sentiu-se sozinho e abandonado. Deixaram-no na caixa, apagaram as luzes, era noite. E ele sonhou com ela, com o toque de sua pele quente e macia, o contato dos seus dedos longos.
Quando se viram pela terceira vez ele estava ainda mais ansioso: agora ele já tinha forma, tinha lindos bordados, trabalharam nele por muitos dias, furaram-no e alisaram-no tanto que chegara a doer. Mas valia cada sensação ruim, afinal ele era dela, e por ela faria tudo.
Ao vesti-lo ela ficou feliz, radiante de tão feliz! “Ah, que lindo!” Ele sentiu-se realizado. “Aperta mais um pouquinho aqui?” ela pedia…
E os dias foram se sucedendo… até que uma tarde vieram buscá-lo com um cuidado maior. Última prova, ele ouviu. Seu coração disparou: como assim? última? Nunca mais? Quis gritar, pedir a ela que não o deixasse, que viesse mais vezes, que não o abandonasse…quis gritar que morreria sem o toque da pele dela.
Ela o vestiu, ou melhor, vestiram-na com ele. Ela estava nervosa, será que sentia a última vez? “Tem certeza que não precisa apertar?” parecia pedir por mais um encontro. Ela sentia o mesmo que ele!!! Será que não viam? “Não, está certinho. Apenas não emagreça ainda mais”. E ele teve certeza que ela sofria por ser a última prova, a derradeira vez dos dois.
Então o pegaram e o puseram em uma linda caixa. Fecharam. Ele foi levado. Sentiu-se chacoalhar, depois sentiu-se acomodar. Abriram a caixa: era ela! Ela o levara consigo! Ah, como ele estava feliz! Feliz!
Então, dois dias depois ela apareceu. Ainda mais linda do nunca, a pele macia com cores e brilhos novos, os lábios pintados e os cabelos arrumados. Uma mulher mais velha, parecida com ela, o pegou e o vestiu nela. Ah, ela nunca estivera tão linda…
Entraram juntos em um carro. Depois desceram. Um homem a ajudou a sair, o mesmo que a ajudara a entrar. Cuidadoso: “Olha o vestido, filha!” Sim, todo o cuidado com ele, gostavam dele… que felicidade! Então o homem a segurou pelo braço e caminhou com ela por um enorme corredor ladeado por muitas pessoas que ele nunca vira. E que nunca o viram: “Que lindo!”, “Que vestido maravilhoso!”. Ele estava feliz.
Então pararam, um outro homem sorriu para ela, alguém disse muitas paolavras, nenhuma sobre ele. E o homem que sorriu para ela caminhou com ela de volta pelo mesmo corredor imenso. Entraram no carro, ele a beijou. Quem era ele?
Então houve uma festa. Todos diziam que ele, o vestido, era lindo. Algumas pessoas até o alisaram, tocaram. Ele se encolhia, com receio de ficar sujo e desgostar à ela.
Depois foram embora, a noite já ia alta. Chegaram a um quarto estranho. E o moço sorridente a segurou nos braços. Que bom, o vestido pensou… ela está cansada, eu acho… E o moço sorridente a levou até a cama no meio do quarto. Começou a desabotoar o vestido, entre beijos. Ele, o vestido, estremeceu ao sentir-se afastado da pele dela. Foi tirado e colocado em uma poltrona. As luzes apagaram.
Na manhã seguinte ela acordou tarde. Olhou para ele com amor, o mesmo amor de antes, talvez mais. Pegou-o, encostou nele o rosto. Uma lágrima rolou, uma lágrima de amor. Ele, o vestido, também chorou. Tivera tanto medo de perdê-la, mas ela estava de novo com a atenção nele.
Caminhou com ele até um enorme armário e lá o pendurou. Fechou as portas, e ele ficou sozinho, no escuro. Roupas estranhas o olhavam do outro lado do armário.
Nunca mais ela o vestiu. Os anos passaram, e ele sempre esperou. De vez em quando ela o tirava de lá, de seu lugar de solidão. Olhava, com afeto até, mas jamais ele sentiu sua pele outra vez. Só os dedos frios e longos.
De tanta solidão ele perdeu a cor tão bonita. Nunca mais ela o vestira… e ele sempre a esperar…