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7 de ago. de 2011

O mais longo domingo

A Torre Eiffel vibra como um celular insistente, o trânsito dos dias úteis na place de la Concorde ruge e buzina, os cafés ficam cheios e ruidosos... Todas as semanas do ano rezo pelo domingo. E, quando ele chega aqui em Paris, onde moro, rezo por agosto.
Passei a adorar os domingos, esse dia de descanso espremido entre o trabalho e a liberdade. As portas vermelhas do nosso prédio se fecham e o silêncio cai sobre o dia. Café, Bach, o jornal, o brunch, um passeio no parque – o que poderia ser melhor?

No primeiro verão que passei aqui, em 2004, descobri o segredo de Paris em agosto. No primeiro dia do mês, quando os franceses partiram em massa da capital para curtir suas férias anuais, a cidade fechou as portas. O café do outro lado da rua cobriu as vitrines, assim como a boulangerie colada a ele. Os automóveis sumiram, levando as buzinas e deixando vários metros de espaço vazio. Nos cafés que ficaram abertos, e foram muitos, era fácil encontrar uma mesa disponível em um canto tranquilo. Uma sensação de serenidade se instalou na capital francesa. 
Desde então, quando alguém pergunta onde eu e Beth, minha mulher, vamos passar as férias de agosto, sempre respondemos: “Em casa.”

E por que não? Agosto em Paris é o domingo mais longo de todos. “Nesse mês, o trabalho se torna prazeroso”, diz Filipe Nuno, barman do restaurante La Bocca, na rue Montmartre. Matthieu Forges, garçom do Bistrot Vivienne, na vizinha rue des Petits-Champs, tem a mesma sensação. “Os franceses vivem com pressa”, diz Forges. “Mas em agosto chegam os turistas, que são mais calmos. Prefiro assim.”
“Cinquenta por cento dos parisienses viajam”, diz Romdhane Ben Amar, da mercearia Opera Market, “mas chegam 30% de turistas a mais!”
Isso ainda deixa um saldo de tranquilidade de 20%, que é bem visível. E é claro que ninguém precisa ir aonde os outros turistas vão. Há bancos à beira do rio e sempre se consegue comprar guloseimas para um piquenique em uma boulangerie e passar uma hora comendo em paz junto ao Sena. Os momentos turísticos que recordo com mais prazer são os que passei devaneando em algum lugar bonito.

Uma das atividades de que mais gosto é ver as crianças navegando em barquinhos de madeira nos lagos dos jardins das Tulherias. Na minha primeira viagem para cá, em 1974, fiquei olhando os barcos e pensando no meu filho, na época com 5 anos. Hoje ele tem dois filhos. Tudo mudou, e, ao mesmo tempo, nada mudou.
Frequento “museus de domingo”. Neles há pátios ou jardins onde consigo fugir da multidão e me deleitar com um pouco de verde. Um dos meus favoritos: o Musée Rodin, no 7o arrondissement, situado em uma imponente e antiga mansão. Para mim, o destaque é o jardim das esculturas, com as grandiosas estátuas de Rodin, como O pensador, Porta do inferno e o Monumento aos burgueses de Calais.

Em agosto do ano retrasado, descobri outro museu. O Musée National du Moyen-Age, mais conhecido como Cluny, expõe obras de arte e artefatos da Idade Média numa abadia do século 15, junto a um pequeno parque localizado em frente à entrada principal da Sorbonne. Dou o Selo de Aprovação Dominical aos jardins em terraços fechados, inspirados pelo acervo medieval do museu. Há o Jardim do Amor, o Jardim Celestial e até uma Floresta do Unicórnio.
No finzinho de julho, as liquidações semestrais de Paris ainda estão em andamento. Prefiro ficar longe das lojas. Quando faço compras, opto por um mercado das pulgas, ou feira de usados, que está mais para diversão sem obrigações do que para caça e coleta onerosas. Embora haja vários desses mercados em Paris – Beth e eu costumamos frequentar o de Vanves –, David Mallett, cabeleireiro de celebridades, prefere o da Porte de Clignancourt, na zona norte da cidade. “Só vou a esse”, diz o expatriado australiano, que já vasculhou as barracas para decorar o salão de beleza e o apartamento.

Há dois anos, tendo como tarefa a compra de um presente de casamento, decidi aceitar o conselho de Mallett. Parti para as compras, torcendo para que aquilo também acabasse sendo uma aventura turística.
A boa notícia, além de não ter comprado o guarda-roupa de 70 mil euros nem as estátuas de cães de ferro fundido de 3.800 euros, é que Clignancourt é um colorido espetáculo dominical – e, em agosto, muito menos cheio do que eu temia. Dentro da área de antiguidades, comecei a me sentir um viajante do tempo. Quem saía de casa levando essa elegante pasta de couro? Quem brincava com aquele ursinho de pelúcia, comia com aquele garfo de prata, se olhava naquele espelho redondo dourado? As barraquinhas se estendiam por caminhos sinuosos.
É estranho, mas Clignancourt me fez lembrar de outro dos meus lugares dominicais favoritos: o cemitério de Père Lachaise, uma viagem ao passado por trilhas onduladas. Compro um mapa de dois euros no portão e perambulo pelas alamedas manchadas de sol do Père Lachaise em busca de outros tipos de antiguidades evocativas – Honoré de Balzac, Frédéric Chopin, Eugène Delacroix, Georges Bizet...

Naquele dia não achei o que procurava em Clignancourt, mas encontrei uma nova parte da velha Paris à qual voltarei com frequência.
Pouco depois de meados do mês, Beth e eu embarcamos com nossa amiga Dolly West em um cruzeiro pelos rios Sena e Marne para almoçar numa das poucas guinguettes francesas autênticas que ainda restam. Do início do século 19 até a década de 1950, esses lugares para comer, beber e dançar atraíam parisienses pés de valsa de todos os tipos, e se tornaram o tema predileto de pintores como Pierre-Auguste Renoir, cujo Bal du Moulin de la Galette nos mostra exatamente como eram.

Encontramos Dolly às oito e meia da manhã na Port de l’Arsenal. A maioria dos que fazem a viagem é francesa, e, para os que estavam no nosso cruzeiro, aquela era claramente uma viagem sentimental. Eles cantarolavam as músicas antigas reproduzidas pelos alto-falantes do barco, enquanto passávamos por salgueiros-chorões e casinhas de madeira dignas de contos de fadas.
Na cidade de Joinville-le-Pont, nosso destino, a famosa guinguette Chez Gégène, com as toalhas festivas de xadrez vermelho e branco e a imensa pista de dança, evoca aquele acorde perfeito da concertina em que a nostalgia encontra a sensualidade. As opções de pratos – figos com foie gras, pato com três pimentas – eram substanciosas e o vinho, revigorante, mas o ponto alto foi a chegada dos dançarinos. As mulheres faiscavam com blusas de lantejoulas, saias de babados e sapatos com presilha no tornozelo; os homens vestiam terno e gravata, o cabelo tão lustroso quanto o sorriso de Valentino. Queríamos vê-los girar e revolutear, mas o barco teve de partir antes que a dança começasse.

Chegamos de volta a Paris antes da hora; por isso o comandante nos levou num passeio-surpresa pelo Sena. Na margem esquerda, um saxofonista de chapéu-palheta tocava jazz, enquanto do outro lado do rio tremulavam as faixas azuis da operação anual Paris Plages. “Plage” é praia em francês, e todo verão, entre fins de julho e fins de agosto, a cidade reconfigura vários quilômetros à beira do rio como uma côte d’Azur fechada para as crianças da cidade. Considero essas praias temporárias – que têm de tudo, palmeiras, piscina, quadras de petanca, cafés e, naturalmente, areia – uma visita obrigatória para quem estiver em Paris em agosto. Elas me impressionam como mais uma expressão do pendor desta cidade pela aparência – não só pela beleza, mas pelo tipo de encantamento que faz de Paris a Cidade Luz.
Na quarta semana de agosto, a cidade começara a se encher de novo – não apinhada, porém mais populosa. Pensei numa excursão perfeita para o fim de agosto. Embarquei no ônibus para Neuilly-sur-Seine. Amigos franceses vinham promovendo o ônibus como a melhor maneira de circular por Paris. Foi mesmo muito agradável, e fácil, depois que comprei um livro com os itinerários. Desci no Parc de Bagatelle e andei até o jardim botânico. No início do verão, um amigo nos seduzira com histórias de uma acirrada competição de rosas realizada todo mês de junho no Bagatelle.

O rosário é um museu ao ar livre da arte de cultivar rosas. “Na história das rosas, os franceses estão muito à frente dos outros”, disse meu amigo. “Tudo começou com Josefina.” A beleza ali bastava para mim. Como as estátuas de Rodin, as roseiras de espécies famosas são expostas com plaquinhas: Mme Royet, 1914; Albertine, 1921; Valenciennes, 1957. Escolho um tipo chamado Danse des Sylphes, de 1959 – e me curvo cuidadosamente para cheirar as últimas rosas do verão.
Certa manhã, notei que o café do outro lado da rua reabrira. E também a boulangerie ao lado; trabalhadores carregando pastas entravam para comprar croissants para viagem.
Pastas.

Fiquei alguns dias mofando em meu apartamento. Então, soube de um concerto que aconteceria na Église Sainte-Marie-Madeleine, templo neoclássico encomendado por Napoleão em louvor a seu exército e transformado em local de culto católico – e foi assim que meu domingo mais longo acabou na igreja. O som das Quatro estações de Vivaldi acariciava docemente os anjos alvos e se instalava com suavidade nas cúpulas azuladas. Fechei os olhos e absorvi tudo aquilo.
Num lugar daqueles, numa cidade daquelas, como lamentar a conclusão de algo? Como me arrepender de abrir nossas portas vermelhas para uma segunda-feira do fim de agosto, um novo setembro, um outono novinho em folha?
Dicas de viagem
Hospedagem Por 59 euros a noite, o eco-hotel Solar oferece acomodações simples perto de Montparnasse: 22 rue Boulard, estação Denfert-Rochereau, tel.: +33 1 43 21 08 20, www.solarhotel.fr.
O Canal de la Villette tem a Paris Plage na soleira da porta. Quartos duplos custam 140 euros por noite: 68 quai de la Seine, estação Riquet, tel.: +33 1 44 65 01 01,www.hiexpress.com/paris-canal.
Jantar Em www.thefork.com, faça reservas e encontre ofertas especiais, como “dois por um”, em um restaurante com estrelas do guia Michelin.
O St James & Albany Hotel Spa, em frente às Tulherias, oferece almoço ou jantar com cardápio único em seu pátio elegante a partir de 20,50 euros: 202 rue de Rivoli, estação Tuileries,
tel.: +33 1 44 58 43 44, www.saintjamesalbany.com.
Saboreie o almoço do Le Jardin du Petit-Palais, num terraço com colunata de mármore que dá para um jardim de inverno: avenue Winston Churchill, estação Champs-Elysées Clémenceau, site www.petitpalais.paris.fr.

Tome chá com bolo no pátio do Musée de la vie romantique: 16 rue Chaptal, estação Pigalle, tel.: +33 1 55 31 95 67, www.vie-romantique.paris.fr.
Lennox Morrison