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17 de out. de 2011

Revivendo emoções!...


Há pouco tempo fiz um comentário sobre a música "A lista", de Oswaldo Montenegro, que representa um cântico nostálgico de deseperança com o presente e a afirmação de que as pessoas eram melhores quando jovens... a partir daí, fui pensar numa música de caminho inverso, não uma música do presente com o olhar para o passado, mas sim uma música de presente olhando para o futuro... e me vi assobiando "Tempos Modernos", de Lulu Santos. 
Blog de musicaemprosa : Música em Prosa, Tempos modernos Lulu Santos 
A música, na verdade, é uma ode ao velho brocardo carpe diem que inspirava o filme  Sociedade dos Poetas Mortos (lembro como aquele filme me impactou aos 16 anos de idade): ela termina justamente dizendo que o tempo voa, escorre pelas mãos, e como não há tempo que volte, devemos viver tudo que há pra viver... que me fez lembrar outra parceria de Lulu com  Nelson Motta: Nada do que foi será, de novo do jeito que já foi um dia.  Então, é preciso fazer a hora. Só que o fazer a hora é distinto do "Pra não dizer que não falei de flores", de Geraldo Vandré, que incitava, no final da década de 60, a desafiar os canhões da ditadura: a mensagem aqui é bem mais leve, "vamos nos permitir..." isso é, vamos aproveitar tudo o que a vida vem de bom.
A letra é um retrato dos anos 80 que se iniciava. Começava uma transição para a democracia, que permitia uma letra mais leve, direta, sem tantos circunlóquios, metáforas e mensagens subliminares típicas dos anos 60 e 70.
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A vida deve ser aproveitada justamente porque o futuro é mais claro e feliz do que o presente, a esperança no futuro melhor vencerá a hipocrisia que "insiste em nos rodear". A sensação sinestésica é de luz, alegria, pessoas sorrindo...  o alto-astral da música remete justamente ao direito de ser feliz, ao direito de ter prazer, enfim, à satisfação, e para isso, ele enxerga um novo começo de era, de pessoas finas, elegantes, sinceras (em contraste com a hipocrisia que impera), e com disposição para dizer mais sim do que não (lembrando que na época o Brasil vivia o ocaso da ditadura militar), e simplesmente amar.
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A música, que é uma manifestação otimista, leve, de esperança no futuro e no amor, uma crença que a juventude poderá fazer do mundo um lugar melhor. E é quase uma intimação a viver com intensidade... e por isso continua sendo cantada até hoje. Perguntado, num jornal de Natal, se a letra ainda seria atual, Lulu respondeu:
Quem pode dizer melhor é quem a usa, quem a canta em côro em todos os espetáculos que faço.

A letra: 

Eu vejo a vida melhor no futuro
Eu vejo isso por cima de um muro de hipocrisia
Que insiste em nos rodear
Eu vejo a vida mais clara e farta
Repleta de toda satisfação
Que se tem direito
Do firmamento ao chão
Eu quero crer no amor numa boa
Que isto valha pra qualquer pessoa
Que realizar
A força que tem uma paixão
Eu vejo um novo começo de era
De gente fina, elegante e sincera
Com habilidade
Pra dizer mais sim do que não, não não
Hoje o tempo voa, amor
Escorre pelas mãos
Mesmo sem se sentir
Que não há tempo que volte, amor
Vamos viver tudo o que há pra viver
Vamos nos permitir
Se é por falta de



Estava ouvindo o dicso de João Gilberto ao vivo, e me deparei com uma canção cuja letra escapa um pouco ao estilo de João: "Se é por falta de adeus"... me surpreendi quando percebi que se tratava de uma música de Tom Jobim, feita em 1955 (então, um novato Tom Jobim), com uma cantora cujo nome de batismo era Adileia da Silva Rocha, mas conhecida nacionalmente como Dolores Duran.

Blog de musicaemprosa : Música em Prosa, Se é por falta de adeus
Dolores Duran

Segundo o Dicionário Houaiss Ilustrado da Música Brasileira, "Se é por falta de adeus" foi a primeira letra de Dolores Duran, que se notabilizou como grande cantora de sambas-canções (na verdade, o samba-canção é o bolero brasileiro).
Ruy Castro, na sua obra de referência sobre a bossa nova, conta que Dolores Duran (assim como Maysa e Sylvinha Telles) se meteu em grandes encrencas, sofreu por amor mais do que devia, e bebia como se a reserva de álcoool do planeta fosse acabar no dia seguinte e morreu muito jovem.
Blog de musicaemprosa : Música em Prosa, Se é por falta de adeus
Nessa linha, "se é por falta de adeus"  é uma letra de Dolores para uma bela melodia de Jobim, na qual, segundo Ruy Castro, era a primeira gota no "mar de lágrimas que ela iria derramar nas músicas seguintes"
Se é por falta de adeus é uma música de quem desiste. Não por falta de amor, mas por desamor do outro. O personagem percebe todos os sinais externos da ausência de amor, sobretudo aquilo que os olhos, que "vivem dizendo o que você teima em querer esconder". O mundo, a tarde, a vida, tudo parece chorar com a constatação do fim do amor. 
O eu-lírico se recusa a viver uma ilusão e pede, quase suplica para o outro partir, pois não aguenta mais o sofrimento na presença do ser amado sem amor. Curioso que a palavra "amor" não está na letra, certamente porque a música é a constatação e o triste conformismo com o desamor percebido e com o qual não se quer mais conviver.
Música triste, como foi a vida amorosa de Dolores Duran, que morreu na madrugada de 23 de outubro de 1959, após realizar uma apresentação na boate Little Club. A cantora chegou em casa às sete da manhã do dia 24. Beijou muito a filha adotiva, já com 3 anos. Em seguida, passou os últimos cuidados à empregada Rita: "Não me acorde. Estou cansada. Vou dormir até morrer", disse brincando. No quarto, sofreu um infarto fulminante e, aos 29 anos, deu adeus à vida...    

A letra: 
Se é por falta de adeus
Vá se embora desde já
Se é por falta de adeus
Não precisa mais ficar
Seus olhos vivem dizendo
O que você teima em querer esconder
A tarde parece que chora
Com pena de ver
Este sonho morrer
Não precisa iludir
Nem fingir e nem chorar
Não precisa dizer
O que eu não quero escutar
Deixe meus olhos vazios
Vazios de sonhos
E dos olhos seus
Não é preciso ficar
Nem querer enganar
Só por falta de adeus

O senador do rojão (1968)

Genival Lacerda fez 80 anos em 2011. É um daqueles cantores inconfundíveis, dono de um estilo de forró escrachado, bem humorado, cheios de duplo sentido que parecem inocentes diante de algumas pseudomúsicas nas quais se abre mão de trocadilhos e tudo é explícito...

Sucessos como Severina Xique-Xique, Caldo de Mocotó, Radinho de Pilha (Ela deu o Rádio), Galeguim dos Zóio Azul, entre outros, colocam Genival Lacerda no panteão do forró.
E, pesquisando aqui em acolá, encontrei um disco de Genival Lacerda, gravado em 1968, chamado "O Senador do Rojão". Nesse disco, achei muito interessante o texto da contracapa, que segue abaixo:

Bahia: berço da cultura musical típica do Brasil. Presentes incontestáveis foram trazidos pelas "pratas negras" (mulheres de pele preta e dentes de marfim), como também, pelo couro cor de azeviche - homens de pele preta, nossos irmãos dos pântanos africanos. 
Lundus, pontos, cocos, etc. acalentaram nossos primeiros patrícios num período de quase trezentos anos.Mucamas, babás, cantarolavam e balançavam as redes de ouro branco, no ritmo de sua música nativa. O bebê dormia... e dormiu para despertar séculos após, com sua música metramorfoseada.
O batuque rude do negro transformou-se. Hoje, no século XX - baião, forróa, arrasta-pé, não passam de reminiscências exatas daquela música gostosa. O maestro, o compositor, o intéreprete, a trouxeram para outros moldes de uma outra civilização.
GENIVAL LACERDA.  O "Rei do Munganga" puro cantor desse gênero que bem transmite com excentricidade, além de ser o criador de uma série de passos e trejeitos, formando com isso um todo harmônico e agradável, é um artista ímpar na beleza de representar. Num bate-coxa, num alvoroso (o texto original tem 'alvoroço' escrito assim mesmo, com "s" em vez de "'ç") de pernas, num sestro de todo corpo, Genival objeta sua força mental no ângulo da coreografia absolutamente original. Por isso, tornou-se o espelho de quase todos os artistas do Gênero.Dançar coco, é Genival; baião, é Genival; Forró, é Genival. Dizer o que ele faz não é possível. É preciso assisti-lo. Ver e ouvir o excepcional astro, é um momento de terapia.
E é por isso mesmo que a Chantecler o contratou.Em suas mãos, a chapa musical de o rei da munganga GENIVAL LACERDA 


Blog de musicaemprosa : Música em Prosa, Genival Lacerda - O senador do Rojão (1968 - Texto da contracapa)O texto é curioso, primeiro, por fazer uma referência à Bahia, já que Genival é paraibano de Campina Grande (embora'Genival homenageie a Bahia em diversas músicas, como Bahia de todos os nomes, Alô, Bahia e Fiquei na Bahia). Segundo, por fazer uma associação do Forró com a música negra (relação que existe, mas que tem também influxos da míusica indígena, portuguesa e até holandesa), e por fazer uma quase justificativa da contratação de Genival, que somente se tornaria conhecido nacionalmente em 1975, com a música "Severina Xique-Xique". Por isso, ele, chamado de Rei da munganga (que significa gestos ou trejeitos excêntricos, uma expressão nordestina).
Um elo de tudo isso pode ser a referência ao coco, um ritmo que tem parentesco tanto com o samba-de-roda como com o forró, e que deita raízes também africanas e indígenas.  Uma pérola, quando Genival tinha apenas 27 anos...

Fonte - musicblog