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16 de fev. de 2012

Literatura, Pão e Poesia



“Minha poesia é bipolar, ora com um sorriso no rosto, ora com uma pedra na mão!”

Aline Scarso

Sérgio Vaz é um escritor representante do movimento conhecido como literatura periférica, que trata do cotidiano da periferia das grandes cidades a partir da percepção de quem nela vive. Auto-denominado poeta vira-lata, Vaz escreve desde os 15 anos, e também é pioneiro na criação de saraus de literatura e poesia, como o Sarau da Cooperifa, que ocorre todas as quartas-feiras no Jardim Guarujá, zona sul da capital. A idéia do Sarau, que existe há 10 anos, é estimular os que estão à margem a utilizarem a arte para discutir e denunciar sua realidade.

LITERATURA, PÃO E POESIA

Sérgio Vaz – É uma [expressão da minha] relação cotidiana com o meu bairro e com as pessoas que eu convivo. [A idéia é] levar um pouco de literatura, falando dessas pessoas, que eu conheço muito bem. É um livro da Global Editora, que faz parte da coleção Literatura Periférica. A idéia sempre foi escrever sobre meu cotidiano. Eu me considero um cronista do meu bairro. Então escrevo sobre o lugar onde vivo. Não acho que eu seja um escritor universal, escrevo sobre o que eu vejo na minha realidade.

GÊNERO

É, esse livro é uma mistureba. São algumas coisas que eu escrevi em alguns jornais, algumas revistas, têm crônicas, poesias inéditas, contos. Eu quis arriscar um pouco nessa área de crônicas, contos. É um livro mais ousado. Para mim, ele é muito ousado.

PRIMEIRA PROSA

É, exatamente. É meu primeiro livro de prosa, de crônica, por isso estou com muita expectativa e temeroso para saber o retorno.

LITERATURA MARGINAL

Eu acho que hoje o difícil é você escrever um livro. Com essa nova tecnologia [de impressão], você pode fazer menos livros numa gráfica. O difícil mesmo é a distribuição, a circulação. E é difícil quem leia também. Esse país não é um país de leitores e não só na periferia, mas na classe média e na classe alta. É um país que não lê. O grande desafio da Cooperifa é fazer a formação de público para a leitura.

A INTERNET E O LEITOR

A tecnologia hoje é uma grande ferramenta para nós que somos da periferia. Eu, por exemplo, tenho meu blog, Twitter, Facebook. Então consigo me comunicar sem depender da mídia. Atinjo meu público independente disso.
Sérgio Vaz poeta e agitador cultural

REVOLUÇÃO MARGINAL

Na literatura periférica, a primeira coisa que eu acho bacana é o pertencimento. Existe a literatura grega que é feita pelos gregos, a literatura romana que é feita pelos romanos, e existe a literatura periférica que é feita pelas pessoas que moram na periferia. E quando eu falo em formação do público, o primeiro livro que muita gente que mora na periferia vai ler será justamente esse livro que eu estou escrevendo ou o que outro cara da periferia escreveu. Então é uma transformação impactante na vida da pessoa porque não é o governo que está fazendo a pessoa ler, mas é uma pessoa do bairro dele, que está levando o livro na casa dele. E às vezes pode ser a entrada para a leitura de outros livros, dos grandes clássicos. Há uma importância grande nisso.

O FUTURO

Falta muito. Não será a literatura que vai salvar a periferia, mas o poder público atuante. A arte tem o poder de transformação pessoal, que pode fazer com que essas pessoas cobrem do poder público aquilo que é devido, aquilo que é pago em imposto, para que esse imposto retorne em benefícios. Não sou tolo de achar que a literatura pode salvar alguém nesse ponto. Eu acho que a literatura, a música, a arte de forma geral, ela transforma as pessoas em cidadãos. E são esses cidadãos que cobram do governo a postura para que ele faça com que a gente tenha esse benefício.

LEI DE RENÚNCIA FISCAL

Eu acho que se muda alguma coisa para não se mudar coisa alguma. Na verdade, vão ser sempre os mesmos que vão receber esse dinheiro. Se uma empresa tem renúncia fiscal e aprova um projeto, mas se eu não for conhecido, ela não vai ter o retorno que quer. Então acaba aprovando os projetos dos mesmos, dos grandões. Eu acho que com o projeto aprovado, você poderia chegar em qualquer empresa. Aí sim acho que seria democrático. Agora, você tem um projeto aprovado por uma lei, só que isso não vai fazer com a empresa patrocine, não quer dizer nada. Uma pessoa conhecida como Maria Bethânia ou grandes cineastas, quando chegam [para requererem o patrocínio], conseguem mais fácil.

ARTE & MERCADORIA

É isso mesmo. O artista é esse. O artista tem que ser o cara que é incomodado, indignado. Ele tem que protestar. A arte não embala os adormecidos, ela desperta. Agora, se o artista não despertar, como ele vai despertar a pessoa que vê sua arte? Eu acho que as pessoas têm que protestar mesmo, tem que exigir do governo e do Estado a democracia na liberação das verbas.

LITERATURA VIRA-LATA

(Risos) Porque justamente eu passei o pior, né? Eu vejo sempre essas nomenclaturas, esses nomes pomposos da academia... e a idéia era desconstruir [isso] mesmo. O vira-lata é o cara que cata o lixo, que vira a lata né? (Risos).


ONDE ENCONTRAR

Bom, meu livro vai estar nas livrarias e na minha mochila. Podem encontrar também no Sarau da Cooperifa. O Sarau acontece toda a quarta-feira, ininterruptamente, a partir das 20h45, no bar do Zé Batidão (rua Bartolomeu dos Santos, 797, Jardim Guarujá, zona sul de São Paulo).
Fonte: Brasil de Fato - Caricatura: João de Deus NettoPicinezBlog - Foto: desconhecido 
Dickens foi a primeira celebridade global

O escritor inglês influenciou Dostoiévski e Kafka, era amado pelo alemão Karl Marx, se tornou tão conhecido quanto Shakespeare e Jane Austen e vivia de sua literatura.

Por Euler de França Belém

Depois de William Shakespeare, Charles Dickens, nascido há 200 anos, talvez seja o escritor mais importante da Inglaterra. Seu biógrafo mais recente, Peter Ackroyd, autor do cartapácio “Dickens — O Observador Solitário” (livro inédito no Brasil), garante que o escritor foi a primeira celebridade global. O crítico norte-americano Harold Bloom, no livro “Gênio — Os 100 Autores Mais Criativos da História da Literatura”, pensa parecido: “Na Era da Informação, Dickens perde apenas para Shakespeare e Jane Austen, na condição de únicos escritores patentemente capazes de sobreviver ao domínio dos novos meios de comunicação. Em todo o mundo, Dickens perde apenas para Shakespeare, na qualidade de autor universal”. Mas o primeiro a se tornar universal, paradoxalmente, não foi Shakespeare ou Austen, esta redescoberta via cinema, e sim Dickens, na versão de Ackroyd. O autor influenciou, entre outros, Dostoiévski e Kafka, que o idolatrava. Curiosamente, Bloom bebe nas interpretações pioneiras de Edmund Wilson, autor do seminal ensaio “Dickens: os dois Scro­oges”, de 60 páginas, mas não o cita. O texto está no livro “11 Ensaios — Literatura, Política, História” (Companhia das Letras, com excelente tradução de José Paulo Paes). Escrito em 1939, o artigo promoveu um verdadeiro resgate do autor de “As Aventuras do Sr. Pickwick” como escritor sério, não apenas um criador de histórias típicas de entretenimento. A Inglaterra comemora os 200 anos do nascimento do criador de “David Copperfield” com exposição e lançamento de livros. Os jornais europeus, como “The Guar­dian” e “El País”, publicaram uma série de reportagens e análises sobre a vida e a obra do homem que encantou gerações com “Oliver Twist”. Uso como base textos do “El País”, citando eventualmente Blo­om e Wilson.

Karl Marx adorava ler as obras de Dickens e escreveu que o autor de “Grandes Esperanças” “havia proclamado mais verdades de fundo social e político que todos os discursos de profissionais da política, agitadores e moralistas juntos”. Wilson notou que a paixão de Dickens pelos deserdados tem origem na sua infância. O pai, um gastador inveterado, foi preso por causa de dívidas e Dickens teve de trabalhar numa fábrica de graxa. O menino de 12 sentia-se humilhado e desesperado. A crise pessoal foi transplantada à sua literatura, repleta de dor e alegria. Seu primeiro biógrafo, John Forster, autor de “The Live of Charles Dickens”, escreveu que “David Copperfield” é “filho” do trabalho do menino operário. O “problema” formou Dickens como escritor e homem. “O maior autor dramático que a Inglaterra teve desde Shakespeare”, pontuou Wilson, é filho de sua infância. O poeta Wordsworth acertou quando sugeriu que o menino é o pai do homem.
Além de escritor, Dickens foi jornalista. O sucesso de “As Aven­turas do Sr. Pickwick” permitiu que  ele se dedicasse à literatura a partir de 1836. Mas a fa­ma chegou com “Os Con­tos de Natal”, em 1843. Esteve na Itália, na França e nos Es­ta­dos Unidos, onde fez lei­tu­ras públicas e ga­nhou muito din­hei­ro.  “Ga­nhar di­n­heiro foi uma das obsessões de sua vida”, anota Guillermo Altares, do “El País”.
Em termos pessoais, Dickens era um homem complicado. Casou-se com Catherine, de quem se divorciou, e manteve um relacionamento com a atriz Nelly Ternan (no livro de Wilson, é Ellen). Teve dez filhos. Alguns se endividavam e ele tinha de pagar os credores. Tinha o hábito de fazer caminhadas noturnas e percorria, durante horas, até 30 quilômetros. Faleceu aos 58 anos, em 9 de junho de 1870. Estava esgotado, mas produzia muito. “Duzen­tos anos depois de sua morte, Charles Di­ckens segue guardando seu maior se­gredo: a essência de sua energia”, escreveu a ensaísta Verlyn Klin­kenborg, no “New York Times”.




Por Marilene Felinto

O principal escritor moçambicano diz que
é mais velho do que o seu próprio país e explica como se deu a influência do brasileiro Guimarães Rosa.

Mia Couto, nascido António Emílio Leite Couto, é um biólogo e escritor moçambicano. Chama-se Mia por causa dos gatos: “Eu era miúdo, tinha dois ou três anos e pensava que era um gato, comia com os gatos. Meus pais tinham que me puxar para o lado e me dizer que eu não era um gato. E isto ficou.”
Por que você tem tantas profissões? Medicina, por exemplo, você estudou quantos anos?
Mia Couto: Medicina eu fiz até o segundo ano; estudei três anos, repeti o segundo ano e repetiria infinitamente o segundo ano. Eu tenho tantas profissões porque não quero ter nenhuma. É uma estratégia de não ser coisa nenhuma. Porque a partir do momento que eu me entendo a mim mesmo como sendo biólogo ou sendo escritor ou sendo jornalista ou sendo outra coisa qualquer, eu acho que fecho algumas janelas para o mundo e passo a ter uma relação que depois se encaminha sempre por aí, e eu não quero. Acho que é um empobrecimento.
Teve medo de que a política engolisse o escritor?
Couto: Não, nunca sequer ocorreu-me de pensar nisso, porque enquanto a política foi uma coisa importante na minha vida, era importante porque eu me divertia, porque eu era aquilo. O processo depois de sedimentação, de diferenciação dessas duas áreas ocorreu tão naturalmente que não foi fruto de reflexão não, eu não me sentei a pensar no assunto.
Foi acontecendo e eu fui aprendendo que cada um, cada coisa tinha seu lugar. E também, eu acho que as circunstâncias de Moçambique ajudam muito, porque tu aprendes que ser escritor é uma coisa pequena, que faz muito bem ao ego. Os escritores pensam sempre que são muito importantes, que o mundo depende do que eles estão fazendo.
Aqui tu aprendes que não é tão importante, porque o universo dos que lêem é tão pequeno, o livro circula em áreas tão pequeninas que é uma espécie de aprendizagem de humildade que faz bem. Então tu tens, se queres contatar com outros, se queres ter outras áreas de comunicação, tu não podes depender do livro.
Você sempre estudou aqui? Nunca saiu? Você se diz muito influenciado pela literatura brasileira. Como foi?
Couto: Estudei aqui, e sempre vivi aqui. Eu acho que quando tomei consciência dessa contaminação pela literatura brasileira, eu já estava “doente”, no sentido bom. Acho que a minha geração e a geração anterior foram muito marcadas pela literatura brasileira. Havia uma certa redescoberta com Graciliano, com Jorge Amado, de que, afinal, a língua pode ser outra coisa.

O ambiente literário de Moçambique estava muito mais fortemente ligado ao do Brasil do que ao de Portugal. E por uma outra razão também, a censura, que era muito forte em Portugal, aqui, nesse aspecto era mias tênue. Eram vendidos aqui livros que em Portugal eram proibidos. Então, era mais fácil. Tudo, até aquela revista “O Cruzeiro”, lembra? Era uma coisa que tinha aqui uma difusão enorme. Quando chegava aqui “O Cruzeiro”, era uma espécie de janela para um outro mundo que era muito familiar, e nós nos reencontrávamos, mais do que lendo as coisas que vinham de Portugal.

E a influência de Guimarães Rosa?

Couto: Primeiro tenho que falar de Luandino Vieira, o escritor angolano, que é o primeiro contato que eu tenho com alguém que escreve um português que é arrevesado, que está misturado com a terra. E Luandino marcou-me muito. Foi o primeiro sinal da autorização de como eu queria fazer.
Eu sabia que eu queria fazer isso, mas eu precisava de uma credencial do mais velho que disse “esse caminho é abençoado”. E ele confessa que foi autorizado, também ele, por um outro, um tal João Guimarães Rosa que eu não conhecia, porque não chegavam aqui estes livros. Depois da Independência deixaram chegar livros do Brasil e é uma coisa irônica, do ponto de vista histórico.
Houve mais cruzamentos e trocas de livros no tempo colonial e fascista do que depois da Independência. Então, eu tinha este fascínio. Eu tinha que conhecer este João, este tal Rosa. E um amigo meu trouxe as “Terceiras Histórias”. E de fato foi uma paixão. Foi de novo alguém que dizia “isto pode-se fazer literariamente”. Mas, como tu dizes, eu já queria fazer isto, porque já estava contaminado primeiro por este processo que não é literário, é um processo social das pessoas que vêm de outra cultura, pegam o português, renovam aquilo, tornam a coisa plástica e fazem do português o que querem.
É um processo muito livre aqui. As pessoas misturam português e como dizia uma camponesa da Zambézia, “eu falo português corta-mato”, uma prova de atletismo que se faz através do mato, de trilhas. E pronto. Eu não faria isto se não estivesse marcado antes de Guimarães Rosa, antes de Luandino Vieira, se não estivesse marcado por isto que é um processo que não é só lingüístico, não é, nem letrado.

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