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17 de fev. de 2012

‘Transposição foi abandonada, virou ralo de dinheiro’. Entrevista com Ruben Siqueira, CPT/BA


CPT: "Transposição foi abandonada, virou ralo de dinheiro"


Canal próximo da cidade de Custódia, em Pernambuco, apresenta rachaduras e nenhum operário por perto. Ministério diz que paralisação é temporária
Canal próximo da cidade de Custódia, em Pernambuco, apresenta rachaduras e nenhum operário por perto. Ministério diz que paralisação é temporária
Dayanne Sousa

As rachaduras no concreto denunciam a paralisação de uma das obras mais propagandeadas do governo Lula e bandeira de Dilma Rousseff no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Trechos da obra de transposição do Rio São Francisco estão se degenerando. Terra Magazine procurou um dos representantes de rede que organiza ONGs e moradores nas regiões afetadas. Coordenador da Comissão Pastoral da Terra na Bahia e da articulação São Francisco Vivo, o sociólogo Ruben Siqueira vê na obra um "ralo do dinheiro público".
- A transposição do São Francisco é uma obra da indústria da seca. Há séculos se constroem grandes obras no Nordeste para resolver o problema das secas, mas na verdade estas obras são ralos do dinheiro público.
Os ativistas registraram imagens de rachaduras nos canais próximos a Custódia, em Pernambuco. Há pelo menos seis meses, diz Siqueira, ninguém trabalha mais ali. "Ao longo de vários quilômetros, não há viva alma", espanta-se.
Os canais degradados terão de ser refeitos, mas o ministério da Integração Nacional afirma em nota que a responsabilidade da reconstrução é das construtoras e que "não há risco de perda ou prejuízo para o Governo".


O custo previsto do conjunto de obras em 2010 era de R$ 5,04 bilhões, mas em agosto o ministério anunciou que o processo ficaria 36% mais caro, saltando para R$ 6,85 bilhões. Para Siqueira critica o aumento: "Isso dá a impressão pra gente de que é isso mesmo que se queria. Que é algo para se fazer e refazer e aí lá vai dinheiro".
Há ainda denúncias de atrasos nas obras de revitalização de regiões já cortadas pelo Rio. No bairro do Quidé, na baiana Juazeiro, o grupo fotografou áreas de esgoto a céu aberto. Uma das principais necessidades é a de saneamento, para evitar maior contaminação das águas do Rio. Leia a entrevista do sociólogo Ruben Siqueira.



Terra Magazine - Vocês vêm denunciando o abandono das obras no São Francisco. Qual é o estado atual?


A situação em que estão os canais e as obras confirma aquilo que nós dizíamos. A transposição do São Francisco é uma obra da indústria da seca. Há séculos se constroem grandes obras no Nordeste para resolver o problema das secas, mas na verdade estas obras são ralos do dinheiro público. São mecanismos de arrecadação de votos e de formação de alianças políticas. A transposição do São Francisco não é diferente. Ela se presta a isso também. Isso está se confirmando. Há canais que estão rachando e a obra já está 36% mais cara. A revitalização do São Francisco, da mesma forma, vai capengando. O principal é o saneamento e também está mal feito, tem obras pela metade.




Você fala em interesse das construtoras...


Havia a pressão das empreiteiras para que as obras começassem mesmo todos sabendo que logo viriam outras obras do PAC e obras da Copa. Começaram a transposição para depois ter que refazer. As empreiteiras, hoje, estão nadando em obras e em recursos fartos. Não estão preocupadas em dar sequencia ao que começaram.




Há quanto tempo começaram a notar o surgimento dessas rachaduras em canais?


Há um ano mais ou menos a gente vem tendo notícias do abandono por parte dessa rede de associações e comunidades. As rachaduras já vêm de uns seis meses. Há regiões perto de Floresta, em Pernambuco, onde o canal cedeu, desbarrancou. Tem mato crescendo em volta. A situação é ainda pior no chamado lote 10, próximo a Custódia (no mesmo Estado), no eixo leste da transposição.




Existe ainda uma demanda por fiscalização, não? Essas áreas não têm ninguém para proteger contra danos ainda maiores?

Ao longo de vários quilômetros, não há viva alma. A não ser quando há algum canteiro de obra, aí tem um fiscal. Mas nos canais mesmo não há. E a depredação não é humana. É ação da natureza mesmo: o calor, o sol, a vegetação crescendo. A impressão que dá é que esses canais foram feitos para se estragarem. Tamanha a finura do concreto. Na rachadura, a água infiltra por baixo... Isso dá a impressão pra gente de que é isso mesmo que se queria. Que é algo para se fazer e refazer e aí lá vai dinheiro.


A transposição foi uma questão polêmica desde o projeto. Mas agora, iniciadas as obras, qual seria o caminho? Aumentar a transparência e a fiscalização pública basta?

Eu acho que além do Tribunal de Contas e do Ministério Público, era necessário o movimento ambientalista estar mais ativo. Há alguma atenção maior para o problema de Belo Monte, por exemplo, mas essa questão do São Francisco já dura há muito tempo. A mídia eventualmente some. A propaganda do governo foi muito eficiente em falar dos 12 milhões de sedentos que dependiam dessa obra, mas se eles dependessem mesmo já estavam mortos. Isso é uma coisa dividida na opinião pública e essa é uma denúncia importante porque faz o povo desconfiar mais. Trata-se de propaganda sobre 12 milhões de saciados numa obra que, nós temos certeza, ainda vai rolar por muito tempo e consumir muito dinheiro público sem que uma gota d'água chegue. 
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Paralisação em obras é temporária, diz ministério

Dayanne Sousa

Em resposta às críticas de que trechos das obras do Eixo Leste da transposição do Rio São Francisco estão se deteriorando, o ministério da Integração Nacional afirma que há apenas uma "paralisação temporária de algumas áreas". O órgão nega que haja abandono, como classificam entidades que atuam nas regiões afetadas e como afirmou o sociólogo Ruben Siqueira em entrevista a Terra Magazine.
- A sensação de "abandono" decorre da paralisação temporária de algumas áreas. É uma obra extensa, com mais de 700 km e sempre em alguns trechos haverá atividade e em outros não. Uma vez retomadas as obras, essas situações serão corrigidas e a sensação desaparecerá. Nos lotes com ritmo normal, tais fatos não são vistos - afirma o texto do ministério. 


Segundo a nota, o aparecimento de rachaduras como as que apareceram em canais na região de Custódia, em Pernambuco, "foi prevista nos contratos de obras". "Tais fatos não são inusitados e as condições de clima da região favorecem esse tipo de ocorrência", diz o texto. O ministério afirma, ainda, que a responsabilidade por reconstruir ou restaurar estes canais é das construtoras e que não haverá prejuízo para os cofres públicos.
O órgão admite que o ritmo das obras, em especial no Eixo Leste, diminuiu. "Há uma flutuação natural da mão-de-obra", argumenta.
Leia o que diz a nota do ministério sobre as rachaduras em canais:


1. No caso de rachaduras e quebras, em razão do tempo que ocorre entre a concretação e o fluxo contínuo de água no canal, esse tipo de ocorrência é possível, e foi prevista nos contratos de obras. Tais fatos não são inusitados e as condições de clima da região favorecem esse tipo de ocorrência.


2. A cláusula 15ª dos contratos prevê esse tipo de ocorrência e imputa à construtora a responsabilidade saná-la quando da entrega definitiva da obra, o que ainda não ocorreu em nenhum trecho, de nenhum dos lotes. Portanto, a responsabilidade é integral da contratada. É uma questão de responsabilidade civil.


3. No caso dos trechos abertos e não concretados, idem: a responsabilidade de conclusão é das empresas contratadas. O Ministério não contratará duas vezes o mesmo serviço, nem qualquer trecho dessas obras.


4. A sensação de "abandono" decorre da paralisação temporária de algumas áreas. É uma obra extensa, com mais de 700 km e sempre em alguns trechos haverá atividade e em outros não. Uma vez retomadas as obras, essas situações serão corrigidas e a sensação desaparecerá. Nos lotes com ritmo normal, tais fatos não são vistos.


5. Importante lembrar que 58% da obra está realizada, sendo 71% das obras do eixo leste concluídas, enquanto o eixo norte já avançou 46%. Além disso, tem-se 3 anos de obras pela frente. Qualquer conclusão que não leve em conta esses fatos poderá estar incorreta. Até porque nenhum dos lotes de obras foi entregue e ainda se encontram sob a responsabilidade de seus construtores.


6. O Ministério está muito atento ao comportamento das construtoras. Como a obra está em andamento, com seus contratos vigentes, não há risco de perda ou prejuízo para o Governo. Inclusive, em 26 de outubro último, notificou o consórcio construtor do lote 10 sobre as rachaduras (Ofício n. 262/SIH/MI). A partir de janeiro as obras desse trecho estarão sendo retomadas.


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