Entre
1964 e 1985, o Brasil viveu sob um infame regime militar caracterizado
pela restrição à liberdade. Foram anos de chumbo, predominando a censura
e a perseguição. Centenas de militantes e políticos de esquerda foram
torturados, tiveram que fugir ou desapareceram, assassinados pela
repressão. Enquanto isso, a propaganda institucional mapeava o país com
os slogans “Ninguém segura este país” ou “Brasil, ame-o ou deixe-o”; a
dupla Don e Ravel fazia sucesso em rádios e programas de televisão com o
refrão: “Eu te amo, meu Brasil, eu te amo, ninguém segura a juventude
do Brasil”; nas escolas, cantava-se “Este é um país que vai pra
frente”; e o hino da Copa de 1970 panfletava "Noventa milhões em ação,
pra frente Brasil do meu coração". Uma completa farsa.
Ao
longo dos séculos, a cultura sempre foi arma de arremesso contra o
obscurantismo imposto por todo o tipo de ditaduras, tornando-se o
principal catalisador do iluminar de consciências. É precisamente nesta
linha de pensamento que surgiram filmes que falam da ditadura militar no
Brasil ou das cicatrizes que ficaram, criticando bravamente o sistema
repressor dessa época. São longas que transportam para as telas os
horrores praticados e vividos por muita gente. Alguns retratam eventos
e/ou personagens históricos reais; outros, de ficção, mas ao mesmo tempo
possuem um sentido histórico. Publico aqui um levantamento amplo e
fundamentado da filmografia que tematiza a ditadura militar brasileira.
Confira, assista alguns deles, reflita e, se possível, não permita que o
nosso país repita tamanha vergonha.
O DESAFIO
(1964)
de Paulo César Saraceni
Com Isabella, Oduvaldo Vianna Filho e Luiz Linhares
Melodrama
da perplexidade da pequena burguesia intelectual face à ditadura
militar instalada no Brasil em 1964, narra o romance entre a mulher de
um rico industrial e um estudante de esquerda. Provocou algumas
controvérsias, mas fracassou nas bilheterias.
A DERROTA
(1966)
de Mário Fiorani
Com Luiz Linhares, Glauce Rocha e Ítalo Rossi
Engajado
no combate ao absurdo da existência da polícia política, conta a
história de um homem preso e torturado física e psicologicamente por
causa de uma confissão que se nega a prestar. Ele inverte a situação de
vítima e tenta desesperadamente liquidar o bando que o aprisionara. Um
sólido sucesso de crítica, muito bem interpretado pelos protagonistas.
Filme de estréia do diretor.
JARDIM DE GUERRA
(1968)
de Neville d’Almeida
Com Joel Barcellos,Hugo Carvana, Dina Sfat e Glauce Rocha.
Ensaio
político sobre em jovem amargurado e sem perspectivas que se apaixona
por uma cineasta e é injustamente acusado de terrorista por uma
organização de direita que o prende, o interroga e o tortura.
A VIDA PROVISÓRIA
(1968)
de Maurício Gomes Leite
Com Paulo José, Dina Sfat e Joana Fomm
Jornalista
que vai à Brasília cobrir a entrevista de um ministro, entrega a um
membro do governo documentos comprometedores. Seguido e ferido, agoniza,
recordando as mulheres que amou. Roteiro confuso e bons atores em cena.
O BOM BURGUÊS
(1979)
de Oswaldo Caldeira
Com José Wilker, Betty Faria, Christiane Torloni, Jofre Soares, Nelson Xavier e Jardel Filho
Policial
realizado ainda durante a ditadura militar, fala sobre a luta armada no
Brasil, inspirado livremente em personagem real. Na década de 1960, um
bancário usando de artifícios contábeis desvia cerca de dois milhões de
dólares para a guerrilha que enfrenta o ditadura militar. Esse bancário
ficou conhecido na imprensa, entre os guerrilheiros e nos órgãos de
repressão, como "o bom burguês".
PAULA – A HISTÓRIA DE UMA SUBVERSIVA (1980)
de Francisco Ramalho Júnior
Com Armando Bogus, Marlene França e Helber Rangel
Um
arquiteto é informado pela ex-esposa do desaparecimento da filha. O
policial designado para as investigações anos antes efetuara a prisão do
arquiteto e de sua amante, líder estudantil que optara pela luta
armada. Banida do país, ela retornara e fora morta num confronto com a
polícia. O arquiteto faz um balanço da geração que pensara um dia mudar
os destinos do país.
PRA FRENTE, BRASIL
(1982)
de Roberto Farias
Com Reginaldo Farias, Antônio Fagundes, Natália do Valle e Elizabeth Savalla
Um
homem pacato de classe média é confundido com um ativista político,
preso e torturado. Enquanto isso, sua família procura notícias suas.
Lançado ainda com o General Figueiredo na presidência, ganhou o prêmio
de Melhor Filme no Festival de Gramado, mas erra feio ao escalar atores
marcados pela televisão.
NUNCA FOMOS TÃO FELIZES
(1984)
de Murilo Salles
Com Cláudio Marzo, Roberto Bataglin e Suzana Vieira
Rodado
no último ano do regime militar, fala de um rapaz retirado de um
colégio interno por seu pai que estava na prisão, após oito anos de
estudos. Ele investiga o mistério que o cerca, em busca de sua
identidade e descobre que o pai é um perseguido político. Tem boas
intenções, mas não entusiasma.
CORPO EM DELITO
(1989)
de Nuno César Abreu
Com Lima Duarte, Regina Dourado e Dira Paes
Um
médico legista frio e solitário, que presta serviços aos órgãos de
repressão política, forjando laudos de morte natural para massacrados
pela tortura praticada nos porões da ditadura militar, apaixona-se por
garota que trabalha numa casa noturna.
QUE BOM TE VER VIVA
(1989)
de Lúcia Murat
Com Irene Ravache
Misturando
os delírios e fantasias de uma personagem anônima com os depoimentos de
oito ex-presas políticas que viveram situações de tortura. Mostra o
preço que essas mulheres pagaram, e ainda pagam, por terem sobrevivido
lúcidas à experiência de tortura. Para diferenciar a ficção do
documentário, optou-se por gravar os depoimentos reais em vídeo, como o
enquadramento semelhante ao de retrato 3x4.
LAMARCA
(1994)
de Sérgio Rezende
Com Paulo Betti, Carla Camurati e Selton Mello
Crônica
dos últimos anos na vida do capitão do exército Carlos Lamarca. Nos
anos da ditadura, ele desertou das forças armadas e passou a fazer
oposição, tornando-se um dos mais destacados líderes da luta
clandestina. Grande atuação de Paulo Betti.
O QUE É ISSO, COMPANHEIRO?
(1997)
de Bruno Barreto
Com Alan Arkin, Fernanda Torres, Pedro Cardoso, Cláudia Abreu e Selton Mello
O
grupo terrorista MR-8 elabora um plano para seqüestrar o embaixador
americano, pensado em trocá-lo por presos políticos torturados nos
porões da ditadura. Concorreu ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.
AÇÃO ENTRE AMIGOS
(1998)
de Beto Brandt
Com Leonardo Villar, Zécarlos Machado e Cacá Amaral
Lutando
contra o regime militar brasileiro, quatro amigos são presos pelas
forças de repressão da ditadura em 1971 e torturados durante meses.
Vinte e cinco anos depois, eles se reúnem ao tomar conhecimento de que o
torturador - ao contrário do que diz a versão oficial - está vivo.
Decidem então seqüestrá-lo - e matá-lo. Todavia, ao ser capturado, o
torturador faz uma revelação surpreendente que muda toda a história.
DOIS CÓRREGOS – VERDADES SUBMERSAS NO TEMPO
(1999)
de Carlos Reichenbach
Com Carlos Alberto Riccelli, Beth Goulart e Ingra Liberato
Duas
adolescentes burguesas passam uma temporada numa fazenda e acabam
convivendo com o tio de uma delas, um homem misterioso, que está
clandestino no país, escondido.
CABRA-CEGA
(2004)
de Toni Venturi
Com Leonardo Medeiros, Débora Duboc e Jonas Bloch
Um
militante da luta armada é ferido numa emboscada da polícia e precisa
se esconder na casa de um arquiteto, simpatizante da causa. Ganhou cinco
Candangos no Festival de Brasília, entre eles, Melhor Diretor, Melhor
Ator e Melhor Roteiro.
BATISMO DE SANGUE
(2006)
de Helvécio Ratton
Com Caio Blat, Daniel de Oliveira e Cássio Gabus Mendes
No
final dos anos 1960, um convento de frades torna-se um local de
resistência à ditadura. Cinco deles apóiam um grupo guerrilheiro e ficam
na mira das autoridades policiais. Posteriormente são presos, passando
por terríveis torturas. Melhor Diretor e Melhor Fotografia no Festival
de Brasília. Grandes interpretações.
O ANO EM QUE MEUS PAIS SAIRAM DE FÉRIAS
(2006)
de Cao Hamburger
Com Michel Joelsas, Simone Spoladore, Caio Blat e Paulo Autran
Casal
de militantes deixa o filho de 12 anos com o avô para esconder-se da
repressão, prometendo voltar até o fim da Copa do Mundo de 1970. Mas o
avô morre e o garoto terá de se integrar à comunidade judaica local,
além de terminar por conhecer alguns militantes. Melhor Filme no Grande
Prêmio do Cinema Brasileiro.
ZUZU ANGEL
(2006)
de Sérgio Rezende
Com Patrícia Pillar, Daniel de Oliveira e Leandra Leal
Uma
estilista de moda que ganhou projeção internacional trava uma batalha
contra as autoridades militares em busca do corpo de seu filho. Ele
participava da luta armada, foi torturado e morto. Ótimas atuações de
Pillar e Daniel de Oliveira.
SONHOS E DESEJOS
(2006)
de Marcelo Santiago
Com Felipe Camargo, Mel Lisboa e Sérgio Morrone
Uma
estudante, um professor de literatura e um guerrilheiro ferido - que
está sempre com o rosto coberto - são militantes confinados em um
apartamento em Belo Horizonte. Eles confrontam suas opções afetivas e
políticas, envolvendo ideologia, lealdade, traição e desejo.
(Fontes:
“História Ilustrada dos Filmes Brasileiros – 1029-1988”, de Salvyano
Cavalcanti de Paiva; “Enciclopédia do Cinema Brasileiro”, de Fernão
Ramos e Luiz Felipe Miranda; e “O Discurso Cinematográfico”, de Ismail
Xavier)