Clara Nunes, 29 anos depois
A biografia "Guerreira da Utopia", sobre a trajetória da cantora, abre a temporada de homenagens à sambistaAntes de começar a ler este texto, abra esta janela e deixe que a música guie a sua leitura. Ouviu? É Clara Nunes, de quem ainda se ouvirá muito falar daqui até 2008, quando se completam 25 anos da morte da cantora identificada com o samba em geral e a Portela em particular. O pontapé inicial para as homenagens foi dado pelo livro “Guerreira da Utopia”, biografia escrita pelo jornalista Vagner Fernandes, depois de quatro anos de pesquisa.
Mas, mais do que polêmico, "Clara Nunes - Guerreira da Utopia" quer, simplesmente, reconstituir a trajetória de um dos grandes nomes da música brasileira e, talvez, proteger a memória do chamado mundo do samba.
"Se a obra da Clara foi resgatada em CD agradeçam a Marisa Monte que, em 1997, durante uma entrevista para o lançamento de um de seus álbuns, disse que Clara era um personagem importantíssimo para a música brasileira e cuja obra deveria ser resgatada", completa Vagner Fernandes.
VÁRIAS FASES DE CLARA NUNES
“Eu era fascinado pelo personagem Clara. Mas, no livro, procurei desvendar a mulher Clara Nunes que se encontrava por trás do personagem, com todas as suas virtudes e defeitos, alegrias e tristezas. Era uma mulher como qualquer outra. Enfrentava conflitos emocionais, idolatrava a maternidade, amava, sofria, sonhava”, conta Vagner Fernandes ao EGO.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista do escritor:
O que o levou a escrever sobre Clara Nunes?
A Clara sempre me fascinou. Mas a Clara que eu e outras pessoas
da minha geração conhecíamos era o personagem, com vestimentas
brancas que remetiam às roupas das filhas-de-santo da umbanda
e/ou do candomblé. Há quatro anos iniciei a pesquisa para a
redação da biografia a partir de um material com imagens raras
dela que chegou até mim. Fiquei estarrecido com a atemporalidade
de Clara, uma cantora ainda tão presente e cuja obra se mostra
para lá de atual.
Aquelas imagens remeteram à minha infância, quando meu tio (e
padrinho, um dos diretores de Harmonia da escola na época) e
minha mãe me levaram à quadra da Portela. A Clara estava lá, num
palanque, cantando. Eu fiquei hipnotizado quando vi aquela
mulher, linda, lá em cima, toda de branco, com aquela energia
cênica incrível. Estava fascinado com a cantora que eu tanto
admirava nos clipes do “Fantástico”. Todos estes fatores me
levaram a pesquisar mais e mais, a ir em busca de informações
que me direcionassem para a descoberta de quem era aquela mulher
que todos idolatravam, mas cuja história encontrava-se dispersa,
sem registro no mercado editorial.
Quais foram suas fontes de pesquisa?
Minhas fontes de pesquisa foram basicamente os personagens que
conviveram com a Clara. Não poderia ser de outra forma, já que,
como enfatizei, não há registro da trajetória da Clara no
mercado de livros. Foram quatro anos de árdua pesquisa, 300
entrevistas que totalizaram cerca de 400 horas de depoimentos.
Um personagem me levava a outro, que me apontava outro e assim
sucessivamente. Foi extraordinário este processo. Alguns livros
me ajudaram bastante como "Candeia, luz da
inspiração", de João Baptista Vargens, e "Natal, o
homem de um braço só", de Hiram Araújo.
Na sua opinião, por que demorou tanto tempo para Clara
Nunes ter uma biografia?
Acredito que pela complexidade de se reunir elementos que
pudessem reconstruir sua trajetória. Eu fui a praticamente todos
os lugares pelos quais ela passou e/ou viveu em busca de
personagens que pudessem contar e/ou reconstituir os fatos. Isso
dá trabalho e requer investimento. Neste caso, todo o processo
de pesquisa eu banquei do meu próprio bolso. Nas férias, em vez
de descansar, partia rumo aos locais nos quais poderia encontrar
episódios importantes sobre a personagem. Por outro lado, também
acho que há um conceito pré-estabelecido de que personagens
ligados ao tradicional universo do samba não despertam mais
interesse no grande público. Isso é uma inverdade, algo
completamente sem fundamentação. Em 2008, fará 30 anos que
Candeia morreu. Alguém lembra disso? Há dois anos, completou-se
uma década de morte de Roberto Ribeiro. Fizeram algo? Lançaram
uma coletânea de duetos e recentemente um DVD do programa
Ensaio. Roberto tem uma obra bela, assim como Candeia e tantos
outros, com discos importantíssimos. Clara, por exemplo, não tem
DVD mercado. E olha que há muita coisa boa, sobretudo nos
arquivos de TV. Só os clipes do “Fantástico” dariam um DVD
incrível. Há um especial da Band, de 1973, dirigido pelo Roberto
Oliveira, também maravilhoso.
Se a obra da Clara foi resgatada em CD agradeçam a Marisa Monte
que, em 1997, durante uma entrevista para o lançamento de um de
seus álbuns, disse que Clara era um personagem importantíssimo
para a música brasileira e cuja obra deveria ser resgatada. A
EMI então remasterizou todos os discos, convertendo-os em CD,
mas a tiragem limitada da coleção - apenas 5 mil CDs de cada
título - tornou o material raro. Em abril de 2008, serão
lembrados os 25 anos de morte da Clara. Espero que o livro sirva
como pontapé inicial para que outros projetos sejam postos em
prática.
Qual o traço mais marcante que ficou para você da
personalidade de Clara Nunes?
A generosidade e o fato de ela ser uma pessoa absolutamente
crente no seu ofício. Por isso, o “Guerreira da Utopia”
(título do livro). Clara acreditava nos amigos, no
amor, no seu canto como instrumento de conciliação, na sua arte
como veículo de transformação social.
Quando ela morreu, em 1983, em você tinha 10 anos. Já
era fã?
Eu era fascinado pelo personagem Clara. Era aquela imagem que nos deixava embevecidos. A mim e a minha família. Mas, no livro, procurei desvendar a mulher Clara Nunes que se encontrava por trás do personagem, com todas as suas virtudes e defeitos, alegrias e tristezas. Era uma mulher como qualquer outra. Enfrentava conflitos emocionais, idolatrava a maternidade, amava, sofria, sonhava. O meu trabalho foi pautado pela seriedade e respeito em apurar fatos. Fossem eles "doces" ou "amargos".
Além da polêmica com Beth Carvalho, pela disputa do
posto de maior cantora de samba, quais outras polêmicas você
acredita que o livro vai levantar?
Sinceramente, não vejo a história da Beth com Clara como algo
polêmico. Aquilo aconteceu e ponto. Eram duas artistas em busca
da delimitação de seus espaços. É importante enfatizar que elas
sempre se respeitaram (e muito) apesar das divergências. O livro
não tem proposta de levantar polêmicas, mas de procurar ser fiel
à história do personagem. E, claro, para ser fiel, os dissabores
também precisam ser narrados.
Vagner Fernandes, autor da biografia
de
Clara Nunes,
na quadra da Portela
Autor do livro sobre Clara Nunes
Obs.: A música Filhos de Gandhi Clara Nunes cantava em duas versões! Na minha opinião, a música tornou-se o hino da cantora baiana!
Ijexa (Filhos De Gandhi)
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