Sou um pássaro sobrevivente,
o exilado da minha sensibilidade
entre o ruído estranho
de uma estranha cidade.
Moro na praça arborizada
que o trânsito poupou.
Vejo crianças brincando a pisar nos canteiros
indigentes sentando a miséria nos bancos,
chafarizes jogando serpentinas no ar,
ouço as juras de amor dos namorados
converso com as hermas dos poetas , anacrônicas.
Os homens expulsaram as matas e as florestas
e elas correram para o alto das montanhas
até encontrar as pedras.
No terreno estrumado de cimento a pedra,
os homens plantaram as sementes de uma floresta estranha:
os arranha-céus.
E eles brotaram a cresceram prodigiosamente
numa incessante ascensão,
andaimes trepando nos ombros de andaimes
no espetáculo malabarístico da civilização.
E as árvores que correm para as encostas das montanhas
assistem atônitas e assustadas,
a subida do progresso empurrando com as mãos negras do asfalto
o rolo das estradas.
E a cidade vai escalando, a pouco e pouco as montanhas,
derramando-se pelos baixios
correndo à beira das praias,
e os homens lançando novas sementes de aço dos arranha-céus
espantam as aves e as folhas.
Sobre as fitas negras, reluzentes, das ruas esticadas
como réguas no chão
a vida da cidade circula como sangue
na sístole - diástole de imenso coração.
E cada arranha-céu é um brônquio respirando
e cada homem um glóbulo em circulação!
O espaço se encheu de outros pássaros estranhos
pássaros mecânicos que não cantam
e sobre o mormaço civilizado que pesa sobre tudo
como uma olheira cansada,
cresce a zoeira da cidade, como um jazz tocando
o prelúdio sinfônico da loucura.
Sou o pássaro sobrevivente
que mora nas árvores empoeiradas de uma praça
asfixiada pelo arranha-céu .
Entre o ruído estridente dos veículos e das buzinas
o zumbido surdo dos motores
e esse vago rumor que é a voz da cidade,
meu canto se perde...
Apesar de tudo hei de sempre existir
como as praças, as crianças, os indigentes e os namorados,
e é para eles que escrevo, e é para eles que eu canto!