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29 de jun. de 2011

O último dia de vida de um suicída

Meu último dia de Vida

Hoje é o meu último dia de vida. Acordei mais cedo e fui até o escritório para encontrar uma foto de quando eu tinha 5 anos. Era de manhã, a casa dos meus pai não tinha muros e eu me lembro de quando o rapaz que tirava fotos sobre o cavalinho chegou. Olhando para a foto, tentei lembrar-me de como era minha voz naquela época, o que eu pensava e como eu imaginava que seria aos 25 anos. Vi a sombra do meu pai no chão, e me senti grato por esta foto, por esta lembrança hoje.

Fui até a cozinha e preparei o café: panquecas, servidas com queijo branco e requeijão. Odiava desse jeito, a Vanessa era quem gostava, mas hoje era diferente. Calmamente posicionei tudo sobre uma bandeja, as panquecas, o café com leite, um pedaço de mamão e uma folha de caderno com a letra da música que cantei para ela no dia do nosso casamento. Ela acordou e eu pude ver o paraíso, seu sorriso. Meu coração acelerou, mas eu não poderia chorar, afinal de contas ela não sabia de nada. Me mantive firme e servi o café. Quando ela viu a letra e olhou pra mim ficou ainda mais difícil, então eu disse que a amava e com o coração ardendo, a única coisa que pôde sair da minha boca foi um pedido de perdão por alguns motivos que nem eu mesmo sabia bem quais eram. Eu pedi perdão por nunca ter trocado os sifões das pias do nosso apto – mesmo depois de 1 ano com ela reclamando sobre os vazamentos. Pedi perdão por, mesmo com incansáveis pedidos, nunca ter sentado ao computador com ela e ensinado-a a configurar o Itunes para que ela pudesse carregar músicas novas em seu Ipod. Ela dizia, em meio a uma meiguice que eu nunca havia visto, para eu não me preocupar, pois eu poderia fazer tudo aquilo depois. Eu não poderia. Tantas foram as brigas sem motivos, tantas foram as brigas com motivos, mas todas foram brigas desnecessárias. Eu daria meu braço direito para voltar no tempo.

Após o café, eu disse a ela que iria visitar meus pais. Eu sabia que isso seria dificil, mas inevitável. Ao entrar pela porta da casa deles e ver meu pai deitado no sofá tocando cavaquinho e minha mãe no sofá do canto, desabei. Perplexos, eles me perguntavam o que estava acontecendo e eu precisei inventar uma desculpa. Ao olhar para o meu pai meu coração doeu ainda mais. Eu tinha tanta responsabilidade para com ele, eu tinha responsabilidade de guiá-lo. Eu não tive tempo, eu negligênciei meu tempo. Então pedi perdão por ele ter vendido a única coisa que o dava prazer na vida, um fusca 1973, para que algumas dívidas minhas pudessem ser pagas há alguns anos atrás. Virei-me para minha mãe e pedi perdão pela minha ignorância e estupidez ao analisar os sintomas de um mal estar que ela estava sentindo, concluir que ela estava com a pressão baixa e aconselhá-la a colocar um pouco de sal embaixo da língua. Quando na verdade ela estava com a pressão altíssima e no dia seguinte sofreria um derrame. Era tudo o que conseguia dizer, o resto eram soluços. E então a parte mais difícil, algo que NUNCA havíamos dito um para o outro. Eu olhei-os nos olhos e disse “eu amo vocês”. As palavras rasgaram meu coração numa tentativa alucinada de compensar todo o tempo perdido, as lágrimas tentavam amenizar a dor, mas era impossível. As chances haviam sido perdidas, os dias haviam ficado para trás.

Saindo de lá, passei na casa do meu melhor amigo. Agradeci por nunca ter desistido de mim, por nunca ter se magoado, mesmo com todos os motivos do mundo. Houve uma época na minha adolescência em que, mesmo sem ninguém saber, eu sofria de Transtorno Obsessivo Compulsivo. Nem mesmo ele lembrava que tentou me ajudar e eu não deixei, não me abri. Então pedi perdão novamente e em meio a risadas retirei um sobretudo de uma sacola e o devolvi – 2 anos depois.
No caminho de volta parei no centro, andei até encontrar um senhor que vivia nas ruas. Levei-o no meu carro até um hotel e paguei um mês de estadia. Subi no quarto com ele e após seu banho sentamos e conversamos, perguntei quem ele era e como ele havia parado ali. Quantas vezes adiei tal atitude? Quantas vezes Deus me incomodou ao ver alguém vivendo nas ruas e eu estava ocupado demais pensando em trocar de carro? Um mês de estadia não mudaria a vida dele, mas mudaria a minha.
Dirigi até o Aeroclube de campinas e me matriculei no curso de piloto privado de avião. Eu não iria poder assistir a nenhuma aula, mas passei a vida toda fazendo o que eu não gostava e aquilo que eu achava que talvez pudesse gostar ficou sempre em segundo plano. Mas não hoje. Hoje somente as coisas importantes teriam espaço na minha vida. Com um sorriso estampado no rosto saí de lá segurando o comprovante de matrícula.

Antes de voltar para casa eu tinha mais um trabalho a fazer. Escolhi um lugar bonito, verde, com grama fofa e silêncio. Então permaneci em oração por algumas horas, agradecendo a Deus por todas as vezes que Ele não permitiu com que algo que eu queria MUITO se concretizasse, pois desta maneira eu tinha certeza de que minha vida não estava nas minhas mãos.

Ao voltar pra casa, com as poucas horas que me restavam, pensei no que eu gostaria de comer. Qual era meu prato preferido e como eu gostaria de comê-lo pela última vez. Após refletir por alguns minutos cheguei a conclusão de que isto não era importante. Lembrei de algo que alguém um dia me disse: “Fixemos os olhos não naquilo que se vê, mas naquilo que não se vê, pois aquilo que se vê é transitório, é passageiro, mas aquilo que não se vê… é eterno”. Então troquei um banquete por pizza feita em casa com mussarela e ovos cozidos – Deus como eu adorava aquilo. Sentei-me no sofá com a minha esposa, nossa cachorrinha Tula e assistimos a vários episódios de Friends. Eu estava feliz, estava satisfeito. Era um final de dia perfeito, era um final de último dia perfeito. Tudo havia sido simples como Jesus nos ensinou. E por isso eu estava feliz. Passei a vida toda procurando felicidade na complexidade do mundo, quando na verdade o auge da felicidade estava ali, na minha frente, gritando para que eu ouvisse, acenando desesperadamente para chamar a minha atenção, mas eu preferia fechar a porta.

Engraçado, no último dia sentimos o que é importante de verdade. No último dia eu não quis ir almoçar num restaurante japonês, eu não quis ir jantar no Outback, não quis ir andar de Kart, jogar Paintball, ir no cinema ou me mudar para uma casa maior. No último dia eu sentia saudades agonizantes do cachorro quente da esquina da “tia” perto da casa dos meus pais. Passear com a Tula mais uma vez seria o paraíso e ver minha esposa vestida com aquela calça de pijama que eu odiava era a cena mais linda que eu me lembrava. Eu daria meu braço direito para voltar no tempo.
Com o coração calmo e sereno adormeci. O dia terminou.

No dia seguinte, acordei meio sem saber que horas eram ou onde eu estava. Só tinha certeza de uma coisa. Aquele, seria o meu último dia de vida – de novo.