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30 de out. de 2011

Revivendo emoções


Carro Velho: 2 versões... Paralamas do Sucesso (Parte 1) A revolta

O que significa ter um carro velho? A música brasielira (menos que as americanas, é claro) destaca algumas canções em que o carro aparece como personagem principal. Pode-se lembrar o "Carango", cantada por Simonal, bem como algumas músicas de Roberto Carlos, com destaque para "O  Calhambeque". 
Mas e o carro velho? Motivo de orgulho ou de vergonha? De carinho ou de revolta? Duas músicas, uma gravada pelos Paralamas do sucesso, e outra, por Ivete Sangalo, tratam o assunto de maneira absolutamente paradoxal. 
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A primeira música, dos Paralamas, é uma música revoltada... começa dizendo que se é pra ter carro velho, é melhor nem ter, pois se é pra ficar no caminho, é melhor ficar a pé. Por trás da música, o sonho de ganhar sozinho (na loteria, certamente), e aí que todos vão ver...
O carro velho é um símbolo de um sujeito pobre, que não tem acesso aos bens de consumo, e que não quer um carro para que os filhos tenham vergonha dele, nem que seja motivo de chacota dos vizinhos.
A música de um trabalhador revoltado com a tristeza, que não se contenta com pouco, mas que não vê meios de mudar essa situação pelos meios ordinários... O ano era 1991, no disco Os Grãos... Collor era o Presidente da República, e o Brasil vivia numa eterna crise, política, econômica, social e ética...

Lágrimas e Chuva - Leoni (um bilhete suicida?)

Leoni é um dos principais compositores que surgiu no Brasil na onda pop/rock que tomou conta do país na década de 80. Ele, inicialmente, era o baixista e principal compositor do Kid Abelha até 1986, quando saiu da banda e fundou  Heróis da Resistência, na qual era vocalista, lançando 3 discos, quando, em 1993, partiu para a carreira solo, como seu maior sucesso individual (Garotos II)... 
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Em 2003, ou seja, com 10 anos de carreira solo, ele gravou, no estilo voz e violão, muitas de suas composições, que boa parte do grande público não sabia ser de sua autoria. Uma dessas canções é Lágrimas e Chuva.
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Pouca gente sabe, mas Lágrimas e Chuva, primeira faixa do Lado A (eu sempre me divirto com a época em que os LP`s, hoje chamados de vinil, tinham lado A e lado B) do disco Educação Sentimental, gravado pelo Kid Abelha em 1985, era gravada com um arranjo pop, leve, que virou hit obrigatório do Kid Abelha, presente em qualquer coletânea da banda, e regravada no cd/dvd acústico, em 2002. 
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O que pouca gente percebeu, sobretudo pela levada pop do primeiro arranjo, é que Lágrimas e Chuva é uma música sobre suicídio, melhor dizendo, é uma carta suicida. Alguém que está em desespero insone no quarto, e a noite, o tempo faz a ideia suicida parecer mais forte... obviamente, a canção fala da solidão, da chuve que bate no vidro na janela, do "eu-lírico" que não é visto e que vê recorrentemente na noite insone os problemas que quer esquecer (uma nota interessante é que a letra da música fala "dou plantão dos meus problemas que eu quero esquecer", mas tem gente que canta "tou plantando os meus problemas...")  
A grande evidência de que se trata de uma carta suicida é o trecho "Será que existe alguém/Ou algum motivo importante/Que justifique a vida/Ou pelo menos esse instante", isto é, é uma busca de um motivo para viver, pois senão é melhor acabar com as 1001 noites de suspense no quarto... e aí o sujeito vai contando as horas...
Por essa razão, Leoni regravou a música, de maneira triste como a música de fato é, conforme disse numa entrevista ao site universo musical: 
"a letra é muito densa mas os arranjos são muito pop, muito leves. Ou seja, não se percebia que a letra estava tratando do que tratava. Lágrimas E Chuva é um bilhete suicida, mas naquele ritmo o pessoal vai dançar e esquece o que está rolando na letra. E foi o Léo Jaime que disse: "Essa música é tão triste, porque vocês a tocam tão alegres?" E aí quando nós fizemos o show em 98 fizemos um outro arranjo, e é o que eu gravei no disco. E ele cantava comigo no show".
Segue a letra da canção de Leoni...
Eu perco o sono e choro
Sei que quase desespero
Mas não sei por que
A noite é muito longa
Eu sou capaz de certas coisas
Que eu não quis fazer

Será que alguma coisa
Nisso tudo faz sentido
A vida é sempre um risco
Eu tenho medo do perigo

Lágrimas e chuva
Molham o vidro da janela
Mas ninguém me vê
O mundo é muito injusto
Eu dou plantão dos meus problemas
Que eu quero esquecer
Será que existe alguém
Ou algum motivo importante
Que justifique a vida
Ou pelo menos esse instante
Eu vou contando as horas
E fico ouvindo passos
Quem sabe o fim da história
De mil e uma noites
De suspense no meu quarto

Fonte: http://www.universomusical.com.br/materia.asp?matcomp2=sim&cod=pr&id=186

Vale o video do Programa Livre, em 1984.   

"E agora, José". Drummond musicado por Paulo Diniz

Já escrevi aqui sobre a música "Bandeira", composta por Zeca baleiro em homenagem ao pema "Belo Belo", de Manuel Bandeira. Os Secos & Molhados também se tornaram famosos por muiscar poemas, como "Rosa de Hiroshima" e "Rondo do capitão". Quero aqui, no entanto, fazer uma referência a um poema musicado que se tornou histórico: "E agora, José", de Drummond, que foi musicado por Paulo Diniz.
E agora, josé?
A festa acabou,
A luz apagou,
O povo sumiu,
A noite esfriou,
E agora, josé?
E agora, você?
Você que é sem nome,
Que zomba dos outros,
Você que faz versos,
Que ama, protesta?
E agora, josé?
Está sem mulher,
Está sem carinho,
Está sem discurso,
Já não pode beber,
Já não pode fumar,
Cuspir já não pode,
A noite esfriou,
O dia não veio,
O bonde não veio,
O riso não veio
Não veio a utopia
E tudo acabou
E tudo fugiu
E tudo mofou,
E agora, josé?
Sua doce palavra,
Seu instante de febre,
Sua gula e jejum,
Sua biblioteca,
Sua lavra de ouro,
Seu terno de vidro,
Sua incoerência,
Seu ódio - e agora?
Com a chave na mão
Quer abrir a porta,
Não existe porta;
Quer morrer no mar,
Mas o mar secou;
Quer ir para minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
Se você gritasse,
Se você gemesse,
Se você tocasse
A valsa vienense,
Se você dormisse,
Se você cansasse,
Se você morresse...
Mas você não morre,
Você é duro, josé!
Sozinho no escuro
Qual bicho-do-mato,
Sem teogonia,
Sem parede nua
Para se encostar,
Sem cavalo preto
Que fuja a galope,
Você marcha, josé!
José, para onde?
Você marcha José, José para onde?
Marcha José, José para onde?
José para onde?
Para onde?
E agora José?
José para onde?
E agora José?
Para onde?   

Ela foi gravada em 1974, num momento em que o Brasil vivia anos tristes de ditadura. O poema musicado por Paulo Diniz bateu duro e forte... um poema próprio de um fim de esperança, e que a crítica musical torcia o nariz porque se dizia que Paulo Diniz não seria competente para musicar tão belo poema. A melhor resposta veio pelo próprio Drummond, que disse não conseguir mai pensar em seu poema, desvinculado da melodia de Paulo Diniz.
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Segue aqui um trecho de entrevista com paulo Diniz, comentando a música: 
JC - Você musicou poemas de vários poetas famosos, mas o que ficou mais conhecido foi José, de Carlos Drummond, você chegou a falar com ele para colocar a melodia? Ela depois foi censurada também?
PD - Houve uma censura velada, mas nunca foi oficialmente proibida. Nunca conversei com Drummond sobre ela, falei apenas com a filha dele, que era sua secretária, quando enviei o disco. O que me envaideceu muito foi um comentário que ele fez no jornal. Drummond escreveu que depois que ouviu José com a melodia não conseguia mais ler o poema sem cantar a música.
Paulo Diniz merece ser olhado com mais atenção... 


http://celitocatito.blogspot.com/2008_10_01_archive.html

Duetos improváveis. Elis Regina e Rita Lee "Doce de pimenta"

Na década de 60, Elis Regina e Rita Lee faziam parte de movimentos, digamos assim, antagônicos na música brasileira. Elis Regina surgiu no começo da década de 60 como uma legítima cantora da música nacional, chegando a liderar uma passeata em protesto contra o uso da guitarra elétrica; Rita Lee, que fazia parte dos mutantes, surgiu em 67 para o mundo acompanhando Gilberto Gil na belíssima "Domingo no parque". Elis não gostava de Rita Lee, ou melhor, não gostava daquilo que ela representava, que era o rock "americano" que invadia o Brasil no final da década. Rita Lee chegou a dizer, numa entrevista, que Elis por diversas vezes passara por ela e ignorava sua presença. 
Quase uma década depois, em 1976, Rita Lee, com 3 meses de gravidez, foi presa, na sua residência, acusada de porte de maconha. Foi um escândalo. Ela ficou 40 dias presa e um ano em prisão domiciliar. A primeira e única pessoa a visitar Rita Lee quando ela estava presa foi quem? Elis Regina, acompanhada de seu filho João Marcelo, prestando solidariedade a Rita Lee, num momento em que o Brasil vivia uma ditadura...
A partir daí começou uma amizade entre as duas, Elis pedindo música para Rita (que saiu da cadeia com muitos problemas financeiros), e Rita chegando a insinuar  que Maria Rita, filha de Elis e cantora, foi batizada em sua homenagem (Elis chamava Rita Lee de Maria Rita).
Por conta dessa amizade surgiu a música "Doce de Pimenta", pois o apelido de Elis Regina, dado por Vinícius de Morais, era "Pimentinha". Aí Rita Lee pensou: se essa é uma pimenta, é uma pimenta muito doce! Aí surgiu Doce de Pimenta, aqui na voz das duas... num rock!! É muito interessante ver Elis ingressar no mundo de Rita, cantando e dançando de um jeito que seria impensável uma década antes... 
Segue a Letra, composição de Rita Lee e Roberto de Carvalho
Cada um vive como pode
E eu não nasci pra sofrer
Cara feia pra mim é fome
E eu não faço manha pra comer
A vida é como uma escola
E a morte é o vestibular
No inferno eu entro sem cola
Mas o céu eu vou ter que descolar
Mas quando alguém precisa de um carinho meu
Não há nada que me prenda
Mas se eu sentir que um bicho me mordeu
Sou mais ardida que pimenta!
No fundo eu sou otimista
Mas eu sempre penso o pior
Me cansa essa vida de artista
Mas cada vez o prazer é maior


Com que roupa - O primeiro sucesso Noel Rosa e a história por trás da música

Talvez "Com que Roupa" seja a mais conhecida música de Noel Rosa. Pelo menos está entre as 5 mais conhecidas, com certeza. Foi o primeiro sucesso de sua carreira, gravada em 1930, quando ele tinha apenas 20 anos. Segundo André Diniz e Juliana Lins, que escreveram um pequeno ensaio sobre Noel (Noel Rosa, Ed. Moderna, 2008) a expressão "Com que roupa" era uma gíria comum no Rio de Janeiro, e tinha um significado parecido com "Com que dinheiro?". 
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Certamente a crise mundial de 1929 ajudou a inspiração da música, mas é certo que muitas lendas ainda pairam sobre o surgimento da música. André Diniz e Juliana Lins contam a história mais divertida, não necessariamente a verdadeira: 
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"Certo dia, ou melhor, certa noite, Noel tinha decidido agradar sua mãe ficando em casa e indo dormir cedo, coisa bem rara na sua vida. Quando o relógio da sala bateu as nove badaladas, a campainha tocou. Eram alguns amigos de Noel convidando-o para sair. Dona Martha pediu que esperassem e, com um sorriso maroto, foi ao quarto avisar o filho. Noel pulou da cama e começou a revirar o armário em busca de uma roupa ajeitadinha. Que ficar em casa que nada, ele iria era pra farra! Vira daqui, mexe dali e nada. Nas gavetas, só pijamas, cuecas e sapatos. os amigos começaram a ficar impacientes com a demora e começaram a chamar Noel. Este, já tenso, não sabia o que fazer e pediu ajuda à mãe.. Dona Marthja deu de ombros e, com ar de satisfação,  disse que talvez tivesse sido algum engano da lavadeira. (...) O rapaz, que já antecipara o prazeres da noitada, entrou em desespero: ' Eu quero ir, pessoal, mas com que roupa, com que roupa eu vou?' E não teve jeito. Os amigos foram embora, Noel sossegou o facho e Dona Martha finalmente soltou um sorriso de satisfação. Não é que tinha dado certo? esconder a roupa do filho era a melhor coisa para fazê-lo ficar em casa e não piorar ainda mais da febre e do resfriado. Os amigos foram, ficou a inspiração".
A Música fez muito sucesso, embora Noel tivesse lucrado muito pouco com ela. Um belo retrato bem humorado de uma época de crise....


Fonte: http://www.universomusical.com.br/materia.asp?matcomp2=sim&cod=pr&id=186