Páginas

29 de ago. de 2012

Filosofia na prisão


Damon Horowitz ensina filosofia através do Projeto Universidade na Prisão, levando aulas de nível universitário aos presos da Penitenciária Estadual de San Quentin 
Damon Horowitz ensina filosofia através do Projeto Universidade na Prisão, levando aulas de nível universitário aos presos da Penitenciária Estadual de San Quentin.


Como ensinar filosofia para quem tem todo tempo do mundo para refletir? Todo professor sabe que aprende-se muito ensinando. E na prisão isso não é diferente.

Clique no botão PLAY para ver as opções de legenda.
Nesta curta e impactante palestra, ele conta a história de um encontro com o certo e o errado que logo se torna pessoal: Conheçam Tony. Um aluno meu. Tem mais ou menos a minha idade, e está na Penitenciária Estadual de San Quentin. Quando Tony tinha 16 anos, um dia, um momento, "Era a arma da minha mãe. Apenas mostre a arma, assuste o cara. Ele é um vadio. Ele pegou dinheiro; vamos pegar o dinheiro dele. Vai aprender. Então no último instante, penso, 'Não posso fazer isto. É errado." Meu colega diz, 'Vem, vamos fazer isto." Eu digo, 'Vamos fazer isto." E dessas três palavras, Tony irá se lembrar, porque logo a seguir, ele ouve o tiro. Lá está o vadio no chão, poça de sangue. E isso é homicídio qualificado -- De 25 anos a prisão perpétua, condicional aos 50, com sorte, e Tony não se sente com tanta sorte. Então quando nos encontramos em minha aula de filosofia lá na prisão e eu digo, "Nesta aula, discutiremos os fundamentos da ética," Tony me interrompe. "O que você vai me ensinar sobre certo e errado? Sei o que é errado. Fiz algo errado. Todo dia me dizem isso, cada rosto que vejo, cada parede que vejo, me diz que estou errado. Se um dia eu sair daqui, haverá sempre uma marca em meu nome. Sou um condenado; marcado como 'errado.' O que você vai me dizer sobre certo e errado?"
Lá está o vadio no chão, poça de sangue. E isso é homicídio qualificado. De 25 anos a prisão perpétua, condicional aos 50, com sorte, e Tony não se sente com tanta sorte.
Então eu digo a Tony, "Sinto muito, mas é pior do que você pensa. Pensa que sabe o que é certo e errado? Então pode me dizer o que é errado? Não, não me dê simplesmente um exemplo. Quero saber sobre o errado em si, a concepção de errado. Que concepção é essa? O que faz algo ser errado? Como sabemos que é errado? Talvez você e eu discordemos. Talvez um de nós esteja equivocado sobre o que é errado. Talvez seja você, talvez eu -- mas não estamos aqui para trocar opiniões; todos temos uma opinião. Estamos aqui pelo conhecimento. Nosso inimigo é a ausência de reflexão. Isto é filosofia." E algo muda em Tony. "Pode ser que eu esteja errado. Estou cansado de estar errado. Quero saber o que é errado. Quero saber o que sei." Naquele momento Tony vê o projeto de filosofia, o projeto que começa em questionamento -- o que Kant chamava de "admiração e respeito pelo céu acima estrelado e a lei moral contida." O que criaturas como nós sabemos dessas coisas? É o projeto que nos leva sempre de volta à condição de existência -- o que Heidegger chamou de "o ser-aí". É o projeto de questionar o que cremos e a razão de crermos-- o que Sócrates chamou de "a vida examinada." Sócrates, um homem suficientemente sábio para saber que nada sabia. Sócrates morreu na prisão, sua filosofia intacta.
Então Tony começa seu aprendizado. Ele aprende seus 'comos' e 'porquês', suas causas e correlações, sua lógica, suas falácias. Acontece que Tony tem uma veia filosófica. Seu corpo está preso, mas sua mente está livre. Tony aprende sobre o ontologicamente promíscuo, o epistemologicamente ansioso, o eticamente duvidoso, o metafisicamente ridículo. Isso é Platão, Descartes, Nietzsche e Bill Clinton.
Sócrates, um homem suficientemente sábio para saber que nada sabia. Sócrates morreu na prisão, sua filosofia intacta.
Então quando ele me entrega seu trabalho final, no qual argumenta que o imperativo categórico talvez seja inflexível demais para lidar com o conflito que nos afeta diariamente e me desafia a dizer-lhe se estamos, portanto, condenados ao fracasso moral, eu digo, "não sei. Vamos pensar sobre isso." Porque naquele momento, o nome de Tony não está marcado; somos apenas os dois ali. Não somos professor e presidiário, Somos simplesmente duas mentes prontas a filosofar. E eu digo a Tony, "Vamos fazer isto." Obrigado. 

  [Via BBA]