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Foi com dor no coração que eu deixei o meu lugar (*) José de Sousa Dantas, em 18/03/2003 No dia que eu fui sair de casa pra outro canto, saí derramando pranto, na hora quis desistir; mas tinha que prosseguir, sem chance de me livrar, comecei logo a chorar na cruel situação. Foi com dor no coração que eu deixei o meu lugar. Um colega da cidade saiu cedo pra fazenda, quando chegou na vivenda, falou com sinceridade; não era fatalidade, disse assim: vim lhe buscar! prepare-se pra viajar arrume seu “matolão”. Foi com dor no coração que eu deixei o meu lugar. Tive que arrumar a mala, sem saber o que levasse, fiquei logo num impasse, da cozinha para a sala; bem depressa como bala, mas o coração no ar, todo instante a palpitar dizendo: não saia não! Foi com dor no coração que eu deixei o meu lugar. Foi num dia bem cedinho, que eu recebia a notícia, sem ser nada de malícia pra sair do meu cantinho; eu chorava bem baixinho, sem querer me afastar, fui na marra viajar, sentido o peso do chão. Foi com dor no coração que eu deixei o meu lugar. Foi no mês de fevereiro, do ano 72, não podia ser depois, tinha que seguir o roteiro, houve tanto desespero, vinha gente me ajudar, procurando consolar, uns faziam saudação. Foi com dor no coração que eu deixei o meu lugar. Na hora da despedida, era choro e agonia, não me esqueço desse dia, que deixei mamãe querida; papai naquela guarida, quase sem acreditar, tristonho a se lastimar, com a mana e meu irmão. Foi com dor no coração que eu deixei o meu lugar. Cada hora era um tormento a distância ia aumentando, eu por dentro soluçando, sem esquecer um só momento era grande o sofrimento, comecei a variar, co’um banzo a massacrar, perdido sem direção. Foi com dor no coração que eu deixei o meu lugar. Na estrada imaginava, Ou meu Deus! Ou que sofrer! como é que eu vou fazer! nem sequer me conformava, todo pranto derramava, já sentindo um mal-estar, solitário sem falar tamanha decepção. Foi com dor no coração que eu deixei o meu lugar. Eu fui pego de surpresa pra morar com minha tia, procurando melhoria, na capital Fortaleza; no começo foi tristeza, mas tinha que ir estudar pra fazer vestibular e obter aprovação. Foi com dor no coração que eu deixei o meu lugar. No começo foi penoso, enfrentei dificuldade, por falta de habilidade, eu ficava desgostoso, tímido e receoso, não tinha com quem falar, só depois fui desarnar, aprendi muita lição. Foi com dor no coração que eu deixei o meu lugar. Não estava acostumado com vida na capital, no começo passei mal e fiquei desanimado; fui até prejudicado, sem querer continuar, com vontade de voltar, pra sair da solidão. Foi com dor no coração que eu deixei o meu lugar. A distância me impedia de ficar acompanhando, o que estava se passando lá na minha moradia; me dava melancolia, sem poder me contentar, vez em quando ia sondar notícia do meu sertão. Foi com dor no coração que eu deixei o meu lugar. Era um canto diferente, só tinha desconhecido, eu ficava constrangido, sozinho no ambiente; com muito tempo somente, foi que veio melhorar, comecei a me entrosar com gente da região. Foi com dor no coração que eu deixei o meu lugar. Tentava me divertir, pra sair da solidão, só na festa de São João, comecei a evoluir; às tertúlias pude ir, num meio familiar, procurava conquistar as garotas do salão. Foi com dor no coração que eu deixei o meu lugar. Somente em fim de semana eu tinha oportunidade, procurava na cidade, uma festa mediana; me entrosava com cigana, chamava para dançar, ia até o sol raiar, no “Clube Patinação”. Foi com dor no coração que eu deixei o meu lugar. Estudava pra valer, revendo toda matéria, a rotina era mais séria, não faltava o que fazer; hora certa pra comer, pra dormir, ler, estudar, ouvir, falar, revisar, vendo com “Napoleão”. Foi com dor no coração que eu deixei o meu lugar. Foi na minha mocidade que esse fato aconteceu, quando fui para o LICEU, estudar pra faculdade; é uma realidade, que ninguém pode apagar, por isso eu vou registrar, pra nossa recordação. Foi com dor no coração que eu deixei o meu lugar. Inda guardo na memória essa viagem tirana, quando saí da cabana, seguir noutra trajetória, e o caso virou história comprida para contar, pra ninguém me ignorar, vou dizer: não passe não! Foi com dor no coração que eu deixei o meu lugar. Essa história é mais comprida, mas dá pra compreender, ela pode acontecer em qualquer fase da vida; comigo foi na medida, só eu posso decifrar, quem quiser me procurar, faço toda a descrição. Foi com dor no coração que eu deixei o meu lugar. Fiz tudo pra não chorar, no fim terminei chorando, quando estava viajando, sem saber onde parar; é emocionante contar e não é uma ficção, é um filme de emoção, que é preciso revelar. Pois saí do meu lugar co’uma dor no coração. (*) Mote telúrico, bucólico e apaixonante, do poeta Rubênio Marcelo. José de Souza Dantas |