Soneto do teu corpo
O soneto do teu corpo é uma parceria de Leoni e Paulinho Moska, dois bons compositores... a escolha do soneto decassílabo (dois quartetos, dois tercetos com versos que se intercruzam e a métrica de dez sílabas em cada estrofe) já mostra que é uma poesia em forma de canção, uma poesia sobre o desejo...
Gosto das composições de Leoni, como também de Paulinho Moska, que são cantores e compositores num mundo em que cada vez mais há menos cantores com uma proposta musical além de cantar músicas fáceis e virar objeto de desejo (não há nada de errado nisso, mas a mídia não dá muito espaço a novos cantores com uma proposta musical diferenciada). E nem sei porque falo disso, pois Leoni já vai fazer 30 anos de estrada, e Paulinho Moska já passou dos 40.
Mas os versos são muito bem feitos e construídos, em que o corpo se harmoniza com o desejo, na primeira estrofe, vem o todo, o desejo por inteiro da pessoa amada, como uma viagem, para, nas estrofes seguintes, continuar a viagem que começa pelos pés, como porta de entrada para o conquistar e o desvendar o coro todo...
Os sujeitos soltos, ambos livres, despidos e despudorados, em que o desejo inebria, como se a letra do poema sussurrasse, e a canção fosse a cama em que as metáforas de desejo, com uma carga altamente erótica, se manifestam.
Há tesão e intimidade sexual, percebe-se que não há pressa, como se o desejo tivesse a noite inteira ou a vida inteira para descobrir cada curva, cada monte, cada vale ou caverna do ser amado, em que a liberdade consiste em perder-se no desejo.
(Leoni / Moska)
Juro beijar teu corpo sem descanso
Como quem sai sem rumo prá viagem.
Vou te cruzar sem mapa nem bagagem,
Quero inventar a estrada enquanto avanço.
Beijo teus pés, me perco entre teus dedos.
Luzes ao norte, pernas são estradas
Onde meus lábios correm a madrugada
Pra de manhã chegar aos teus segredos.
Como em teus bosques. bebo nos teus rios.
Entre teus montes, vales escondidos.
Faço fogueiras, choro, canto e danço.
Línguas de lua varrem tua nuca.
Línguas de sol percorrem tuas ruas.
Juro beijar teu corpo sem descanso.
Se é por falta de adeus
Estava ouvindo o disco de João Gilberto ao vivo, e me deparei com uma canção cuja letra escapa um pouco ao seu estilo: "Se é por falta de adeus"... me surpreendi quando percebi que se tratava de uma música de Tom Jobim, feita em 1955 (então, um novato Tom Jobim), com uma cantora cujo nome de batismo era Adileia da Silva Rocha, mas conhecida nacionalmente como Dolores Duran.
Dolores Duran
Segundo o Dicionário Houaiss Ilustrado da Música Brasileira, "Se é por falta de adeus" foi a primeira letra de Dolores Duran, que se notabilizou como grande cantora de sambas-canções (na verdade, o samba-canção é o bolero brasileiro).
Ruy Castro, na sua obra de referência sobre a bossa nova, conta que Dolores Duran (assim como Maysa e Sylvinha Telles) se meteu em grandes encrencas, sofreu por amor mais do que devia, bebia como se a reserva de álcoool do planeta fosse acabar no dia seguinte e morreu muito jovem.
Nessa linha, "se é por falta de adeus" é uma letra de Dolores para uma bela melodia de Jobim, na qual, segundo Ruy Castro, era a primeira gota no "mar de lágrimas que ela iria derramar nas músicas seguintes"
Se é por falta de adeus é uma música de quem desiste. Não por falta de amor, mas por desamor do outro. O personagem percebe todos os sinais externos da ausência de amor, sobretudo aquilo que os olhos, que "vivem dizendo o que você teima em querer esconder". O mundo, a tarde, a vida, tudo parece chorar com a constatação do fim do amor.
O eu-lírico se recusa a viver uma ilusão e pede, quase suplica para o outro partir, pois não aguenta mais o sofrimento na presença do ser amado sem amor. Curioso que a palavra "amor" não está na letra, certamente porque a música é a constatação e o triste conformismo com o desamor percebido e com o qual não se quer mais conviver.
Música triste, como foi a vida amorosa de Dolores Duran, que morreu na madrugada de 23 de outubro de 1959, após realizar uma apresentação na boate Little Club. A cantora chegou em casa às sete da manhã do dia 24. Beijou muito a filha adotiva, já com 3 anos. Em seguida, passou os últimos cuidados à empregada Rita: "Não me acorde. Estou cansada. Vou dormir até morrer", disse brincando. No quarto, sofreu um infarto fulminante e, aos 29 anos, deu adeus à vida...
A letra:
Se é por falta de adeusVá se embora desde já
Se é por falta de adeus
Não precisa mais ficar
Seus olhos vivem dizendo
O que você teima em querer esconder
A tarde parece que chora
Com pena de ver
Este sonho morrer
Não precisa iludir
Nem fingir e nem chorar
Não precisa dizer
O que eu não quero escutar
Deixe meus olhos vazios
Vazios de sonhos
E dos olhos seus
Não é preciso ficar
Nem querer enganar
Só por falta de adeus
A Lista - Uma análise crítica da canção de Oswaldo Montenegro
Conheço muita gente que se impacta com a música "A Lista", de Oswaldo Montenegro. A música foi composta para uma peça teatral do mesmo nome.
Quando a ouvi pela primeira vez, pensei com detalhes da letra... dos amigos que se foram, dos sonhos que não se realizaram, dos amores que a vida trouxe e levou embora. Uma vida que remete a um passado de sonhos, de amigos, de segredos, de busca de mistérios, de "defeitos encantadores", de pessoas que se amavam e que hoje não o amam mais...
A letra, composta de estrofes de quatro versos, compara o passado e o presente, um presente de desecanto, em que a mentira, os "defeitos sanados" e as músicas quase esquecidas se contrapõem à juventide de sonhos, amigos e esperança...
Quando se pesquisa sobre a letra da música em blogs e textos, é difícil perceber quem faça uma análise crítica de sua letra. A maioria dos textos exprimem uma identificação, admiração pelo texto, pela mensagem. Ela foi classificada como "emocionante", "impressionante", "um tapa na cara"... Não há dúvida que é uma música nostálgica de quem se sente infeliz por ter desperdiçado a vida, os sonhos, os amores...
Não há dúvida de que se trata de uma música nostálgica. Todas as referências ao passado são idílicas. Imagina-se o eu-lírico no passado, cheio de juventude, de sonhos, de amigos, cheio de amor para dar e receber... quantas ideias, quantos segredos, quantos mistério...
O hoje é tratado de maneira sombria e melancólica. É como se o tempo tivesse corrompido a pureza da juventude, ao ponto do sujeito não mais reconhecer sua "essência", pois ela está na "foto do passado" ou no "espelho de agora?"
Os sonhos se perderam, como se perderam "os amores jurados pra sempre"... há um pouco da famosa "síndrome de Peter Pan" na canção, porque ela relaciona o devir do tempo com corrosão, corrupção, o passar dos anos conspurca sua vida, seus sonhos, e por isso é uma canção de desencanto e de desesperança.
A mensagem final passa que éramos melhores quando éramos jovens, cheios de sonhos e de ingenuidade... enfim... I want to be forever young... enfim, é uma idealização da própria juventude, em contraponto com a maturidade... e como toda idealização, exagerada e parcial, o que não retira o valor da canção...
A letra...Faça uma lista de grandes amigos
Quem você mais via há dez anos atrás
Quantos você ainda vê todo dia
Quantos você já não encontra mais...
Faça uma lista dos sonhos que tinha
Quantos você desistiu de sonhar!
Quantos amores jurados pra sempre
Quantos você conseguiu preservar...
Onde você ainda se reconhece
Na foto passada ou no espelho de agora?
Hoje é do jeito que achou que seria
Quantos amigos você jogou fora?
Quantos mistérios que você sondava
Quantos você conseguiu entender?
Quantos segredos que você guardava
Hoje são bobos ninguém quer saber?
Quantas mentiras você condenava?
Quantas você teve que cometer?
Quantos defeitos sanados com o tempo
Eram o melhor que havia em você?
Quantas canções que você não cantava
Hoje assobia pra sobreviver?
Quantas pessoas que você amava
Hoje acredita que amam você?
Ronda
Quando se pensa no samba de São Paulo, não se deve esquecer de três nomes: Adoniran Barbosa, Germano Mathias e Paulo Vanzolini. Este último, que, além de sambista, é biólogo (ou herptólogo, especializado em cobras e lagartos), compôs um dos maiores clássicos da música brasileira: o samba-canção "Ronda", cujos versos, mais de 50 anos depois, quase todo mundo conhece... "De noite, eu rondo a cidade, a te procurar..."
Numa entrevista ao Jornal Folha de São Paulo, Vanzolini disse que muitas vezes, na boemia de São Paulo, via mulheres chegando na porta de um bar, olharem para dentro, certamente à procura de alguém, e ir embora em seguida. Noutra entrevista, ele contou a inspiração:
“A coisa mais engraçada é que o povo acha que Ronda é um hino a São Paulo, mas na verdade ela é sobre uma mulher da vida (risos). Naquela época, servindo o Exército, eu patrulhava o baixo meretrício. Uma noite, na saída, eu estava tomando um chopeali pela avenida São João, quando vi uma mulher abrindo a porta do bar e olhando para dentro. Imaginei que ela estava procurando o namorado. Ele pensava que era para fazer as pazes, mas o que ela queria era passar fogo nele (risos).”
O mais interessante é que a música foi escrita em 1945, mas gravada, quase por acaso, em 1953, por Inezita Barroso, quando Vanzolini contou a história numa entrevista no programa Roda Viva:
"Minha mulher é amiga da Inezita, e nós fomos para o Rio Fazer companhia para ela. Chegou no estúdio da gravação, o cara perguntou: 'E o lado B?' Nonguém tinha pensado em lado B. Aí Inezita diz: 'Eu sei muito da música, posso gravar o que vocês quiserem. Não, mas o autor tem que dar autorização'. O único autor que estava presente era eu; foi por isso que foi gravado Ronda"
A história da mulher que sai numa busca incansável pelo ser amado, num misto de amor e sede de vingança, pela frustração de não encontrar o homem (que só é encontrado no sonho...), e a esperança de vê-lo... de encontrá-lo feliz, jogando, bebendo, na companhia de outras mulheres, apenas para dar vazão ao sentimento de sangue e de vingança, numa espécie de expiação do amor...
Duas curiosidades adicionais...
Vanzolini diz que muitos japoneses pedem a música nos Karaokês, como... cante a música da "Honda"....
Caetano Veloso, quando compôs Sampa, faz uma homenagem a Ronda, que, para muitos, é um hino extraoficial de São Paulo. A análise está no blog do Bollog:
Enquanto Vinicius de Morais provocava os amigos, ao dizer que São Paulo era o túmulo do samba, Caetano iniciou sua linda homenagem à cidade de maior força econômica brasileira, enaltecendo seus mitos e seus símbolos. Ele começou SAMPA fazendo uma paráfrase musical de RONDA, do poeta e compositor Paulo Vanzolini (Ronda, que foi lindamente interpretada por Maria Betânia, irmã do poeta e cantor baiano).
Prova disso é que quando João Gilberto toca Sampa, ele sempre inicia com o último verso da criação inesquecível de Vanzolini: “Cenas de sangue num bar na avenida São João”, que musicalmente casa com perfeição com “Alguma coisa acontece no meu coração”. Durante a música, Caetano retomou esse artifício melódico para deixar claro que não foi uma construção feita por mero acaso…
A letra...
RONDA
De noite eu rondo a cidadeA lhe procurar, sem encontrar
No meio de olhares espio
Em todos os bares
Você não está...
Volto prá casa abatida
Desencantada da vida
O sonho, alegria me dá
Nele você está...
Ah! Se eu tivesse
Quem bem me quisesse
Esse alguém me diria
Desiste, essa busca é inútil
Eu não desistia ...
Porém com perfeita paciência
Volto a te buscar
Hei de encontrar
Bebendo com outras mulheres
Rolando dadinhos
Jogando bilhar...
E nesse dia então
Vai dar na primeira edição
Cena de sangue num bar
O vídeo na voz de João Gilberto...
Fontes:
" O melhor do Roda Viva -Cultura, organizado por Paulo Markun
Por que a gente é assim?
Numa madrugada de 1984, Cazuza e Ezequiel Neves (que seria uma espécie de "mentor" de Cazuza compuseram a música "Por que a gente é assim", que teve também participação de Frejat. A música é um verdadeiro hino de uma geração.
Ezequiel Neves, comentando a letra no Livro "Cazuza - preciso dizer que te amo (Globo, 2001), comenta mais ou menos como a letra surgiu:
A música é absolutamente hedonoista, que começou justamente com o "canibais de nós mesmos/ antes que a terra nos coma": Em outras palavras, cada pessoa deve se consumir, se devorar, se aproveitar antes de morrer... uma bebida, a noite e o desejo... há uma clara inferência às drogas, ao álcool, e ao desejo ela associado, um pedido de que alguém seja devorado, mastigado, beijado, tudo parece o amor eterno de uma noite de prazer...
Mais uma dose?
É claro que eu estou a fim
A noite nunca tem fim
Por que que a gente é assim?
Agora fica comigo
E vê se não desgruda de mim
Vê se ao menos me engole
Mas não me mastiga assim
Canibais de nós mesmos
Antes que a terra nos coma
Cem gramas, sem dramas
Por que que a gente é assim?
Mais uma dose?
É claro que eu tô a fim
A noite nunca tem fim
Baby, por que a gente é assim?
Você tem exatamente
Três mil horas pra parar de me beijar
Hum, meu bem, você tem tudo
Pra me conquistar
Você tem exatamente
Um segundo pra aprender a me amar
Você tem a vida inteira
Pra me devorar
Pra me devorar!
Mais uma dose?
É claro que eu estou a fim
A noite nunca tem fim
Por que que a gente é assim?
Ezequiel Neves, comentando a letra no Livro "Cazuza - preciso dizer que te amo (Globo, 2001), comenta mais ou menos como a letra surgiu:
Ezequiel Neves e Cazuza
Eu e Cazuza tínhamos esse bordão, que a gente repetia sempre que aprontava alguma na noite. A letra nasceu numa madrugada de 1984. Foi numa noite em que estávamos doidos demais. Olhei para o Cazuza e disse: 'Você sabe que eu tenho quatro versos que explicam isso?' Os versos eram: 'Canibais de nós mesmos/ Antes que a terra nos coma/ Cem gramas, sem dramas'. E Cazuza completou: 'Por que a gente é assim?' E ali mesmo começou a criar a letra, que considero o manifesto de uma geração. cazuza teve logo a ideia de outra imagem forte: Você tem exatamente três mil horas pra parar de me beijar. Os meninos do Barão, no começo, resistiram a esse verso, que remete, na verdade, para uma piada sobre homossexuais, mas acabaram cedendo". A música é absolutamente hedonoista, que começou justamente com o "canibais de nós mesmos/ antes que a terra nos coma": Em outras palavras, cada pessoa deve se consumir, se devorar, se aproveitar antes de morrer... uma bebida, a noite e o desejo... há uma clara inferência às drogas, ao álcool, e ao desejo ela associado, um pedido de que alguém seja devorado, mastigado, beijado, tudo parece o amor eterno de uma noite de prazer...
Mais uma dose?
É claro que eu estou a fim
A noite nunca tem fim
Por que que a gente é assim?
Agora fica comigo
E vê se não desgruda de mim
Vê se ao menos me engole
Mas não me mastiga assim
Canibais de nós mesmos
Antes que a terra nos coma
Cem gramas, sem dramas
Por que que a gente é assim?
Mais uma dose?
É claro que eu tô a fim
A noite nunca tem fim
Baby, por que a gente é assim?
Você tem exatamente
Três mil horas pra parar de me beijar
Hum, meu bem, você tem tudo
Pra me conquistar
Você tem exatamente
Um segundo pra aprender a me amar
Você tem a vida inteira
Pra me devorar
Pra me devorar!
Mais uma dose?
É claro que eu estou a fim
A noite nunca tem fim
Por que que a gente é assim?
Fonte - musicblog
músicaemprosa