Um dos maiores serial killers da história era um médico, o inglês Harold Shipman - médico de Manchester. Oficialmente, Shipman matou 215 de seus próprios pacientes. Há suspeitas de que foram muitos mais.
COMO ERA VISTO
Sem conseguir compreender suas motivações, a imprensa o classificou de "demônio", "novo doutor Hyde" e até de "Mengele britânico", como o chamou o "Times", que não hesitou em compará-lo com o carrasco de Auschwitz.
Casado e pai de quatro filhos, Shipman era um médico apreciado por seus pacientes.
No ano de sua prisão, 1998, 3.000 nomes constavam no arquivo de seu consultório.
No início da investigação, sua mulher, Primrose Shipman, reiterou que o amava e que acredita sinceramente em sua inocência.
Na falta de motivos, os psiquiatras buscam nas profundidades de sua vida pessoal uma explicação possível para os assassinatos em série.
HISTÓRIA
Nascido em 14 de janeiro de 1946 em uma família de operários, Shipman acompanhou aos 17 anos a lenta agonia de sua mãe, Vera, que morreu de câncer de pulmão.
Quando não existiam mais esperanças, viu os médicos injetarem doses diárias de diamorfina (nome científico da heroína) em sua mãe para aliviar o sofrimento.
A maioria das vítimas de Shipman eram mulheres, todas de idade mais ou menos avançada. As autópsias revelaram que elas receberam grandes doses de diamorfina, droga que o médico possuía em excesso, segundo a polícia.
Durante a época de estudante, ele era fascinado pelas drogas, contaram alguns ex-colegas.
Em 1976, Shipman foi condenado a pagar uma multa por ter adquirido, de maneira irregular, drogas para seu próprio consumo. "Estava deprimido", declarou na ocasião.
Depois do incidente o médico nunca mais teve problemas com a Justiça.
PRIMEIRA VEZ
Shipman matou pela primeira vez em 1975, apenas um ano depois de ter começado a exercer a profissão, e continuou cometendo crimes até sua prisão, em 7 de setembro de 1998.
Das vítimas, 171 eram mulheres e 44 homens. A mais jovem era um homem de 41 anos, e a mais velha, uma senhora de 93.
Na cidade de Hyde, onde se instalou em 1977, Shipman matou 214 de suas 215 vítimas confirmadas. Sua rotina homicida se acelerou em 1992, quando resolveu clinicar sozinho após brigar com os colegas com quem dividia consultório.
O médico matou 16 pacientes em 1993, 11 em 1994, 30 em 1995, 30 em 1996 e 37 em 1997.
Em 1998 voltou a matar mais 18 vezes até ser descoberto por ter falsificado o testamento de uma de suas pacientes e vítimas, Kathleen Grundy, 81. Esta foi a única vez em que o motivo do crime pareceu ser financeiro, a menos que se tratasse de uma forma inconsciente de autodenúncia.
No início da investigação, Shipman teria confessado o "desejo de controlar a vida e a morte". Os especialistas acreditam que ele talvez tenha ficado "cego" ao sentir que possuía o poder de controlar a vida.
"Sou um ser superior", teria declarado a um policial, antes de iniciar o silêncio que manteve desde então.
SUA MORTE
Inicialmente, Shipman foi condenado em janeiro de 2000 por 15 homicídios e por falsificar um testamento; em janeiro de 2004, quatro anos depois, se suicidou.
DOCUMENTÁRIO SOBRE A VIDA DE HAROLD SHIPMAN (EM INGLÊS):
Um dos maiores serial killers da história era um médico, o inglês Harold Shipman – médico de Manchester. Oficialmente, Shipman matou 215 de seus próprios pacientes. Há suspeitas de que foram muitos mais. A primeira parece ter sido Mrs. Eva Lyons, que foi morta por Shipman logo depois dele começar a prática da medicina em West Yorkshire, no Reino Unido. Talvez a última tenha sido Kathleen Grundy, uma viúva de 81 anos, que era uma pessoa ativa e que gozava de boa saúde antes de ser assassinada em 24 de Junho de 1998. Shipman matou impunemente durante 23 anos!
Inicialmente, Shipman foi condenado em janeiro de 2000 por 15 homicídios e por falsificar um testamento; em janeiro de 2004, quatro anos depois, se suicidou.
A história pessoa e familiar de Shipman não é excepcional. Nasceu em 1946 e perdeu a mãe, Vera, quando ele tinha 17. Vera morreu de câncer. Alguns ligam a morte da mãe à obsessão posterior, mas não é pequeno o número de pessoas que perdem a mãe aos 17 ou antes. Dois anos depois, como estudante de Medicina, Shipman engravidou sua namorada, filha de um fazendeiro, casando com ela. Ele tinha 19 anos. Até aí, nada de verdadeiramente excepcional. Alguns anos mais tarde se formou e começou a exercer a profissão.
Os problemas começaram mais tarde. Shipman começou a se drogar e, como médico, tinha fácil acesso a anestésicos injetáveis. Foi descoberto e renunciou ao emprego, mas não à carreira. Mais tarde recebeu uma pena leve de 600 libras pelo uso ilegal de drogas e por ter falsificado receitas. Sua licença não foi cassada. Muitos especulam sobre o que teria e o que não teria acontecido se a lei Inglesa fosse mais dura com usuários e falsificadores. Alguns argumentam que muitas vítimas estariam vivas; outros dizem que não. É impossível saber. Ele não foi impedido de exercer a profissão, recebendo, apenas, uma carta de advertência. Fez um tratamento psiquiátrico e voltou a praticar medicina. Mais uma vez, pessoas se perguntam se ele tivesse sido impedido de praticar a medicina se as vítimas, quase todas suas pacientes, teriam sido poupadas. É difícil responder. O que sabemos é que ele voltou a exercer a medicina em Durham e que matou um grande número de suas pacientes.
Em 1979, Shipman começou sua prática como clínico geral em in Hyde, Greater Manchester. Continuava casado com Primrose com quem já tinha quatro filhos. Foi somente vários anos mais tarde, em 1985, que a polícia investigou a morte de uma das suas pacientes, mas não houve qualquer medida contra ele. Em 1992, Shipman fundou sua clínica particular. Em 1998, um colega expressou preocupações a um policial a respeito das mortes de pacientes de Shipman e a polícia começa, vagarosamente, uma investigação. Porém, até que fosse preso e impedido de matar mais, outras três pessoas morreriam. É possível que a morte de uma ex-prefeita da cidade, paciente de Shipman, tenha contribuído para acelerar a pesquisa policial. Mas talvez tivesse passado em branco, não fosse a ganância desmedida de Shipman que alterou o testamento da ex-prefeita, de maneira a ser o único herdeiro. A filha dela, uma advogada, pediu que o corpo da mãe fosse exumado em 1º de agosto de 1998. Os resultados são claros e Shipman foi acusado de assassinato e de falsificação de documentos (teria $ 350 mil libras a receber). Finalmente, foi preso. Há quem ache que se a vítima não fosse uma ex-prefeita e sua filha uma advogada que Shipman talvez estivesse ainda vivo e matando.
A descoberta de veneno em um corpo gerou uma busca ampliada. Em três dias consecutivos, três corpos foram exumados, inclusive de Bianka Pomfret, de apenas 49 anos, que morrera em Dezembro de 1997. A partir daí, vários corpos das vitimas de Shipman, quase todas ex-pacientes, foram exumados e revelaram sinais de envenenamento. A mulher de Shipman, Primrose, prestou depoimento, mas disse não saber de nada. Os relatórios das primeiras investigações sobre Shipman foram publicados, ficando clara a incompetência e a falta de seriedade de dois policiais que não levantaram suspeitas mesmo diante de evidências claras.
A descoberta de que o maior serial killer da historia da Grã-Bretanha era um médico com um histórico complicado provocou uma onda de críticas ao General Medical Council, cuja missão era defender os pacientes, mas cujo corporativismo o levava a proteger os médicos, inclusive os criminosos – e não os pacientes. Shipman tinha um claro modus operandi. Muitas de suas vítimas eram mulheres idosas, escolhidas porque viviam sozinhas, o que favorecia que ele aplicasse injeções letais de diamorfina, sua maneira predileta de matá-las. Esse modus operandi parece ter contribuído para que matasse por muito tempo.
É clara a contribuição das autoridades policiais e das organizações médicas para a tragédia, gerando uma chuva de protestos e de processos. O Criminal Injuries Compensation Board já pagou mais de £731,000 em indenizações, mas mais processos continuam a surgir. Os legisladores ingleses reagiram ao absurdo e os médicos agora devem passar por uma verificação criminal, ter ficha “limpa”, o que mostraria que Shipman prescrevia quantidades indevidas de petidina, obrigando os médicos a declararem doações de seus pacientes e a declarar todas as mortes em suas clínicas.
As mulheres serial-killers levam, na média, muito mais tempo até serem descobertas do que os homens. Em parte isso se deve ao seu método preferido, o envenenamento. Mas Shipman superou, de longe, a média do tempo de impunidade das mulheres serial-killers e, para isso, teve ajuda. Como em muitos casos, a impunidade, nossa velha conhecida, pessoas e instituições colaboraram – no caso as associações médicas, devido ao seu corporativismo, e a polícia, devido à sua incompetência e desleixo. Analisar os serial-killers somente a partir da personalidade do assassino é um erro. Houve muitas falhas institucionais que contribuíram para um número de mortes estimadas hoje em mais de trezentas.