|  | A superstição popular faz dessa ave uma espécie de  demônio, que pratica malefícios pelas estradas, enganando os viajantes com os  timbres dispersos do seu canto, e fazendo-os perder o rumo, não conseguindo mais  achar o caminho de volta para casa.
 
 O  Saci é a Mati-taperê, a Matinta-Pereira dos Paraenses e barés. Os índios  Mundurucus tinham a Matinta como a visita de seus antepassados, uma espécie de  visita das almas. A Matinta era, como a Acauã, o Beija-flor, o Babacu,  portadores dos espíritos dos mortos. A Matinta atual é o corpo que abriga o  espírito de um ser vivo. Por encantamento alguém pode se transformar em Matinta  e voar durante a noite, assustando quem encontra pela frente. Pela madrugada  volta à forma humana. A Matinta dos Mundurucus não era assim. O mesmo ocorre com  o Saci. Saci é Saci a vida inteira. Ninguém pode se tornar um Saci e andar  pedindo fumo à noite pelas estradas.
 
 Teodoro Sampaio ensinava  que era assim o Saci:
 
 Saci, ça-ci, o olho doente. Nome de gênio maléfico de mitologia  selvagem, que se supõe representado por um negrinho. 
Escreve o mesmo  sobre a Maty-taperê: 
matiî-taper-ê, o pequenino  propenso às ruínas (tapera), isto é, o ente minúsculo que gosta das taperas ou  vive nelas. Em verdade, Matil exprime coisa muito pequena, o vulto  insignificante. Taperê é taper-ê Ele adora fazer pequenas travessuras, como esconder  brinquedos, soltar animais dos currais, derramar sal nas cozinhas, fazer tranças  nas crinas dos cavalos, etc. Diz a crença popular que dentro de todo redemoinho  de vento existe um Saci. Dizem que Ele não atravessa córregos nem riachos. Diz a  lenda que, se alguém jogar dentro do redemoinho um rosário de mato bento ou uma  peneira, pode capturá-lo, e caso consiga pegar sua carapuça, poderá ter um desejo seu concretizado. 
 Alguém perseguido por ele, deve jogar em  seu caminho cordas ou barbantes com nós. Ele então irá parar para desatá-los, e  só depois continua a perseguição, o que dá tempo para que a pessoa fuja. Aqui,  percebe-se a influência da lenda da Bruxa Européia, que é obrigada a contar os  fios de um feixe de fibras, ou novelo de linha, antes de entrar nas casas.
 
 Do Amazonas ao Rio Grande do sul, o mito  sofre variações. No Rio Grande ele é um menino de uma perna só, que adora  atormentar os viajantes noturnos, fazendo-os perder o caminho. Em São Paulo é um  negrinho que usa um boné vermelho e frequenta os brejos assustando os  cavaleiros. Se o reconhece o chamará pelo nome, e então foge dando uma  espetacular gargalhada.
 
 
 
 
 
 
 Informações Complementares: 
 Nomes comuns: Saci-Cererê, Saci-Trique, Saçurá,  Mati-taperê, Matiaperê, Matimpererê, Matintaperera, Capetinha da Mão Furada,  etc.
 
 Origem Provável: Os primeiros relatos são da Região Sudeste,  datando do Século XIX, em Minas e São Paulo. Em Portugal há relatos de uma  entidade semelhante, que usa botas vermelhas. Há também variantes do mito, na  Argentina, Uruguai e Paraguai(Yasy Yateré), que é pequeno e gordo, vermelho e  usa um bastão mágico dourado. Na Alemanha existe um anão chamado Kobolde,  igual em quase tudo ao nosso Saci. Nos Estados Unidos há também o Gremlin, que é  outro semelhante.
 
 Nenhum dos cronistas do Brasil colonial,  registrou o Saci como é conhecido no Sul do país. Mais ainda, nenhum deles o  inclui como uma das curiosidades da terra recentemente descoberta. Entre os  Tupinambás, uma ave chamada Matintaperera, com o tempo, passou a se chamar  Saci-pererê, e deixou de ser ave para se tornar um caboclinho preto de uma só  perna, que aparecia aos viajantes perdidos nas matas.
 
 De acordo com a  região, ele sofre algumas modificações:
 Por exemplo, as mãos furadas no  centro, é porque que sua maior diversão é jogar uma brasa para o alto para que  esta atravesse os furos. Pode fazer o mesmo com uma moeda. Dizem que ele não  suporta o alho. Em outros lugares ele pode aumentar ou diminuir de tamanho à  vontade. Há uma versão que diz que o Caipora ou Curupira é o seu Pai.
 
 Não há o Saci-Pererê no norte nem no nordeste. É citado com  frequencia no folclore do do sul brasileiro, tendo tradições vivas e similares  em todos os países que circundam o Brasil, especialmente nas regiões antes  povoadas pelos Tupi-Guaranis, de cujo idioma nasce seu nome. Coincide sua  jornada sul-norte com o roteiro das migrações tupis, pois acredita-se que esta  raça é a responsável pela introdução desse mito no Brasil. Não há o Saci  nas crônicas do Brasil-colonial, o que seria um fato injustificável se sua  influência fosse semelhante à do Curupira, Hipupiaras, Anhangas, Juruparis,  Caaporas etc. Deduz-se então que o mito não estava popularizado nos  primeiros séculos da colonização.
 
 O Saci aparece em fins do  século XVIII e tem sua vida desenvolvida durante o século XIX. Surge há uns  duzentos anos atrás, vindo do sul, pelo Paraguai-Paraná, justamente a zona  indicada como tendo sido o centro de dispersão dos Tupi-Guaranis.
 
 Ao  subir para o Norte o Saci foi assimilando os elementos que pertenciam ao  Curupira, ao Caapora, confundindo-se com a Mati-taperê. Com esse  último, o Saci, que já era um mito ornitológico e local, uma ave  singular, em torno da qual giravam episódios e fábulas misteriosas, teve impulso  maior.
 
 Do Curupira herdou a mania de interromper a carreira para  desmanchar nós e tecidos atirados pelo perseguido. Alguns demônios europeus, os  de Portugal, por exemplo, que tem a obrigação de contar os grãos de paínço  atirado sob as pontes. Também herdou o Saci o direito de desnortear o viajante,  fazendo-o perder-se na floresta, antigo privilégio do Curupira. Nas repúblicas  do Prata, o Saci continua a ter cabelos vermelhos, semelhante ao Curupira.
 
 Do Caapora, tornado Caipora, dá o assobio, surra os cães, atrasa  negócios, pede fumo e pode proteger aqueles com quem simpatiza. Aprendeu a  montar, fazendo rédeas das crinas e cansando os animais.
 
 
 Nos mitos está a essência de grande parte de nossas  crenças. Normalmente é descrito como sendo, negrinho, lustroso,  sem pelos no corpo nem na cabeça; dois olhos vivos e vermelhos. Sua altura não  passa de meio metro, pula com grande agilidade numa só perna, possui dentes  brilhantes e brancos. Orelhas como de morcego, carapuça vermelha. Quando vê  gente assobia. Adora assobiar de surpresa aos ouvidos dos viajantes, deixando-os  desorientados pelo susto. 
 Dizem também  que ele, na verdade eles, um bando de Sacis, costumam se reunir à noite para  planejarem as travessuras que vão fazer. Ele ainda tem o poder de se transformar  no que quizer. Assim, vezes aparece acompanhado de uma horrível megera, vezes  sozinho; outras vezes como uma ave. Para os Paraenses, o Saci é a Mati-taperê,  ou Matinta-Pereira. Em 1875, entre os índios Munducurus, já existia a tradição.
 
 O mais comum é que o Saci é relatado  apenas como brincalhão e malicioso, mas nunca malvado. Tanto, que são notórias  suas gargalhadas à cada travessura praticada.
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 |  | A  carapuça inseparável do Saci é encantada, e se lhe arrebatam, ele dará  fortunas para recuperar. Em Portugal há o Pesadelo. Ele é o Diabo que vem  com uma carapuça e com uma mão pesada, que põe sobre o peito daquele que dorme  de barriga pra cima, não deixando-o gritar. Quem puder agarrar na carapuça, ele  fugirá pelo telhado e dará uma fortuna para tê-la de volta.
 
 No Norte do país, o fabulário local substitui o Saci por  outro. O pesquisador Barbosa Rodrigues escreve:
 
 "...No Sul é Saci tapereré, no Centro  Caipora e no Norte Maty-taperê.
 O civilizado, que muitas vezes não entende a  pronúncia do sertanejo, que é o mais perseguido por ele nas suas viagens,  tem-lhe alterado o nome; já o fez Saci-pererê, Saperê, Sererê, Siriri,  Matim-taperê, e até lhe deu um nome português o de Matinta-Pereira,  que mais tarde, talvez, terá o sobrenome "da Silva" ou "da Mata". Para conseguir  seus fins, e fazer suas proezas, sem ser visto, quase sempre vive o Saci  ou Mati metamorfoseado em pássaro, que se denuncia pelo canto, cujas  notas melancólicas, ora graves ora agudas, iludem o caminhante que não pode  assim descobrir-lhe o pouso, porque, quando procura vê-lo pelas notas graves,  que parecem indicar-lhe estar o Saci perto, ouve as agudas, que o fazem  já longe. E assim iludido pelo canto se perde, leva descaminho nunca vendo o  animal."
 
 O pesquisador ainda nos ensina que o mito do Saci  se confundiu com tantos outros, especialmente em volta das aves de canto  disperso ou, como esse pássaro que tem o hábito de pousar numa só perna, dando a  impressão de ser unípede. O Saci quando tornado mito com forma humana  terá apenas uma perna.
 
 Poder-se-á dizer, que, a  ave ou aves que determinaram o mito da Matinta são as responsáveis pelo  Saci atormentador. O mito é, pelo que me parece, inicial e unicamente  ornitológico, completa ele.
 
 Saci - Casta de pequena  coruja, que deve o nome ao grito que faz ouvir repetidamente durante a noite. É  pássaro agourante. Contam que é a alma de um pajé, que não satisfeito de fazer  mal quando deste mundo, mudado em coruja vai à noite agourando aos que lhe caem  em desagrado, e anuncia desgraças a quantos o ouvem. O nome de saci é  espalhado do Amazonas ao Rio Grande do Sul. O mito, porém, já não é o mesmo. No  Rio Grande é um menino de uma perna só que se diverte em atormentar à noite os  viajantes, procurando fazer-lhes perder o caminho. Em São Paulo é um negrinho  que traz um boné vermelho na cabeça e frequenta os brejos, divertindo-se em  fazer aos cavaleiros que por aí andam toda sorte de diabruras, até que  reconhecendo-o o cavaleiro não o enxota, chamando-o pelo nome, porque então foge  dando uma grande gargalhada. (Stradelli - Vocabulário  Nheengatu-português).
 
 
 
 
 
 
 
 Um Relato:
 
 Da origem lendária do pássaro,  Barbosa Rodrigues recolheu uma estória que publicou na sua obra Poranduba  Amazonense. Esta lenda é do rio Solimões.
 
 Um Tuixaua tinha dois  filhos e vivia feliz com eles. O tio odiava os sobrinhos e convidou-os para  ajudá-lo numa derruba de árvores para fazer plantio. Os dois sobrinhos  aceitaram. Chegados na floresta, o tio embriagou os dois rapazes e matou-os.  Depois, um dos assassinados perguntou ao outro: "O que foi que sonhaste?"  "Sonhei", diz o segundo, "que nós nos lavávamos com carajuru".  "O mesmo sonhei eu". E voltaram para a casa da avó. Vendo-os, a velha ia  aquecer o jantar mas os dois disseram: "Ah! minha avó, nós não somos mais  gente, e sim só o espírito. Assim seja, minha avó, nós te deixamos e quando  ouvires cantar "Tincuam! Tincuam!" foge para casa e quando cantarmos  "Ti... ti.. ti" então reconhecerás".
 A cor vermelha que os netos  tinham nos olhos era o sangue.
 
 Ficaram, desde então, mudados em dois  pássaros de agouro, de mistério e morte. Um é o Uira-Pajé, Alma de Caboclo, o  Sem-Fim, o Saci. O outro é a Mati-taperé. Ambos, nascidos numa  tragédia, espalham desgraças e semeiam pavores.
 
 O carajuru é um  cipó de cujas folhas se extrai um pó vermelho-vivo que os indígenas empregam na  pintura de tecidos, uso de remédios e especialmente na "pajelança", feitura de  puçangas, etc.
 
 
 
 
 Outro Relato:  Relato retirado da obra,  O Saci-Pererê, Resultados de um Inquérito"[5].
 
 O Empregado da casa, que dormia num jirau,  ambaixo do sobrado, num cômodo térreo em cujo centro acendia fogo todas as  noites, contava que certa noite acordara, violentamente agitado por um assobio,  estridente como nunca vira, que lhe entrara pelo ouvido direito e saíra pelo  esquerdo. Assentou-se na cama. O braseiro estava ainda muito vivo, dando  relativa claridade ao aposento. Nada viu, mas o tropel dos animais em torno do  curral denunciava qualquer coisa de anormal.
 
 Dispunha-se a levantar para  ver se algum ladrão tentava uma sortida, quando a porta se abriu e o Saci  entrou: era um moleque retinto, simpático, de lábios muito vermelhos e calças  arregaçadas, e foi logo assentando-se no chão, ao pé do fogo. Pegou de uma brasa  e começou a brincar com ela, atirando-a de uma mão para outra mão. Como se sabe,  o Saci tem a mão furada e quando a brasa acertava no furo, caindo no chão, ele  dava uma gargalhada e olhava para seu vizinho, encolhido na cama, duro de medo.  O homem suava e não podia gritar porque a língua estava pregada. Afinal, num  esforço supremo, ergueu-se e começou a a fazer o "Creio em Deus Padre" em Cruz  (Credo). O Saci ergueu-se, fitou-o dessa vez muito sério, deu um novo assobio  ainda mais forte e desapareceu. (pp. 56/57).
 
 
 
 
 Curiosas citações de relatos, de pessoas descrevendo o Saci, e que  estão na mesma obra, ou inquérito:  1. O Saci é um tipo pequeno,  preto, lustroso e brilhante como o pixe, não tem pelo no corpo nem à cabeça:  dois olhinhos vivos como o da cobra e vermelhos como os de um rato branco; a sua  altura não passa de meio metro; possui dois braços curtos e carrega uma só  perna, com esta pula que nem cutia e corre que nem veado, o nariz boca e dentes  igualam-se aos dos pretos americanos (p. 40).
 
 2. Ele vira também o Saci  empoleirado no cavalo em carreira louca pelo pasto, em noite de sexta-feira, ou  trepado ao telhado da casinha do caboclo transido de medo, assobiando  "molequemente" e divertindo-se em quebrar as telhas. (p. 78)
 
 3. Quando  ria, saía-lhe fogo pelas narinas (p. 81).
 
 4. ... vulto de um menor de 12  anos, mas sem uma das pernas, magrito, vivo, ativo, buliçoso, caviloso, sem  orelhas e trazendo um só olho em pleno frontal (p. 92).
 
 5. ... ele foi  sempre incapaz de uma perversidade de consequencias funestas. Limitou-se  exclusivamente a afligir os velhos escravos e escravas; assustar os crioulinhos;  a afrontar os cavalos de estima, a desarranjar os monjolos, moinhos, engenhos,  etc. A carapuça do Saci tem uma importância capital. Quem lhe deu foi o Eterno.  Graças a ela, o terrível traquinas torna-se invisível aos olhos do Diabo (p.  97).
 
 6. Contava-se que todas as sextas-feiras, à meia noite, o Saci ia  ao baile, debaixo da figueira; e então, arrancava as penas dos galos e galinhas  para se enfeitar. Era por demais perigoso, passar alguém, em tal noite, por  perto de uma figueira; lá estava o raio do Saci, de carapuça vermelha e todo  enfeitado, a dançar e a cantar. E quem ousasse surpreender o Saci nos seus  folguedos, perderia a fala e ficaria bobo (p. 120).
 
 7. ... vimos um  vultinho preto, pretíssimo, com uma só perna, lábios e olhos vermelhos e com um  barretinho (gorro) da mesma cor na cabeça. Era o Saci. Estridentes e repetidos  assobios sibilavam aos nossos ouvidos. Entretanto o Saci não parava. Do leito da  estrada subia aos lombos dos bois; de 2 a 3 palmos de altura elevava-se a 2, 3  metros, para voltar de novo a ínfima altura. E isso nos acompanhou até a porta  do sítio (p. 166).
 
 
 
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