Um dia, é possível que os seres humanos possam se aventurar livremente em nossos planetas vizinhos, e o uso de poderosos telescópios ainda vai nos ensinar muito sobre as estrelas. Quem sabe, em um futuro próximo também possamos explorar cada centímetro da profundidade do oceano, assim como as florestas mais impenetráveis.
Tudo isso parece possível, ou pelo menos imaginável. Mas, provavelmente, nunca faremos uma viagem ao núcleo da Terra. Fortes brocas podem penetrar somente 12 quilômetros de profundidade – apenas 0,2% do raio da Terra – antes de encontrar um calor tão intenso que as derretem. A extrema temperatura e pressão do interior de nosso planeta o mantêm definitivamente fora de nosso alcance.
Talvez seja por essa razão que o núcleo da Terra sempre nos fascinou. Tanto que ele desempenha um papel central em muitas religiões tradicionais e cosmologias. Mais recentemente, a ciência começou a sondar o interior terrestre indiretamente, melhorando nossa compreensão gradualmente.
Acompanhe aqui um olhar cronológico da compreensão humana sobre o mundo de fogo embaixo dos nossos pés.
Abismo do inferno
Talvez a visão mais tradicional sobre o centro da Terra seja a que o retrata como um grande lago de fogo onde as pessoas más passam toda a eternidade: sim, o inferno. Muitas vezes a vida após a morte é retratada como um submundo quente muito parecido com o que imaginamos ser o núcleo terrestre.
Não é nada surpreendente que tantas religiões baseadas nessa teoria tenham dado certo: desde culturas antigas, erupções vulcânicas dão horríveis vislumbres do inferno que existiria abaixo da Terra.
O “fogo e enxofre” é uma metáfora frequente para o inferno que encontramos na Bíblia cristã – é um tipo de rocha geralmente encontrado nas bordas dos vulcões.
Tartarugas ou elefantes?
Muitas culturas do leste asiático e americanas nativas não vêem o interior da Terra como um lugar infernal. Em vez disso, eles acreditam que lá reside uma tartaruga gigante, chamada de “tartaruga do mundo”.
Ela apoiaria a Terra (normalmente concebida como de formato plano ou em forma de cúpula, ao invés de esférica) em sua parte traseira. Existem variações do mito: hindus substituem a tartaruga por um elefante, enquanto alguns historiadores, misturando as duas descrições, narram uma cosmologia em que o mundo repousa nas costas de um elefante, que por sua vez está sobre uma tartaruga.
E por que uma tartaruga? Possivelmente porque, além de ser um animal adequado a curva terrestre, tem características como longevidade, perseverança e firmeza.
Núcleo dourado
Uma teoria atual, mas não menos curiosa: Bernard Wood, um geólogo da Universidade de Oxford, calcula que existam 1,6 quadrilhões de toneladas de ouro no núcleo da Terra – o suficiente para cobrir a superfície do planeta com uma camada de 1,5 metros.
Ele também acredita que há seis vezes essa quantidade de platina – outro metal precioso – assim como níquel, nióbio e outros elementos ferrosos.
Wood formulou essa hipótese depois de analisar o teor de metais de meteoritos – pequenos corpos que caíram na Terra no início do sistema solar. Ele descobriu que esses meteoritos têm muito mais ouro, platina e elementos distribuídos ao longo deles do que o que existe na superfície terrestre.
E onde teriam ido parar esses elementos? O geólogo deduz que o ferro do núcleo da Terra atraiu esses elementos para dentro do planeta durante sua formação.
Os cientistas, entretanto, afirmam que 1,6 quadrilhões de toneladas de ouro é uma quantidade absurda, e que os átomos de ouro representam apenas uma milionésima parte do total de átomos do núcleo.
Os meteoritos, assim como a massa e a densidade da Terra (deduzida a partir de como ela influencia as órbitas da lua e dos outros planetas) levam os cientistas a acreditar que a maior parte do núcleo é composta de ferro e níquel.
Camadas de cebola
Os estrondos que acontecem na crosta terrestre podem sussurrar os segredos que se escondem abaixo dela. Quando há um terremoto, as ondas sísmicas emitidas são ricocheteadas através da Terra, sendo redirecionadas e refletidas nos limites entre a crosta, manto, núcleo externo e interno. Depois, isso fica gravado em sismogramas em todo o mundo e os cientistas refazem os passos das ondas para mapear o interior de nosso planeta.
E o que realmente existe lá embaixo?
É como uma camada de cebola, cada uma delas com uma característica. No centro, há uma esfera sólida de ferro e níquel. Embora o centro da Terra deva ter uma temperatura de cerca de 5,5 mil graus Celsius – tão quente quanto a superfície do sol – ele também tem uma pressão extremamente alta, mais de 3 milhões de vezes maior do que a atmosfera da superfície. Essa pressão eleva a temperatura de fusão de metais, de modo que eles são sólidos, mesmo com tão alta temperatura.
Cerca de 1,2 mil quilômetros a partir do centro, a menor pressão possibilita o derretimento de ferro e níquel. De acordo com o geólogo David Stevenson, um dos maiores especialistas sobre o núcleo da Terra, essa camada externa líquida representa cerca de 95% do volume total do núcleo.
O manto começa cerca de 3,5 mil quilômetros a partir do centro. Essa rocha derretida compõe a camada mais espessa da Terra, e constitui cerca de 84% do volume total do planeta. O manto é revestido por uma fina crosta: nossa velha e conhecida casa.
Bola de cristal
Evidências sugerem que o núcleo interno da Terra não é homogêneo. Os cientistas notaram que as ondas sísmicas atravessam o núcleo mais rapidamente quando viajam de um pólo ao outro do que quando fazem isso transversalmente, de um ponto sobre o equador até o ponto oposto.
A maioria dos especialistas acredita que isso acontece porque o núcleo é composto de cristais anisotrópicos que estão alinhados com os pólos magnéticos da Terra. Existem dois tipos de cristais no núcleo, que coexistem possivelmente uns contra os outros no centro, onde a pressão é maior.
Floresta proibida
Kei Hirose, um geólogo japonês, recentemente conduziu um experimento no qual as condições do centro da Terra foram reproduzidas, em uma escala extremamente pequena de laboratório.
Com base no que aconteceu no experimento – em que elementos foram expostos a temperaturas de mais de 4,5 mil graus Celsius e 3 milhões de vezes a pressão atmosférica – ele deduziu que os cristais no centro da Terra podem medir até 10 quilômetros de altura. Por isso, Hirose descreve o núcleo como uma “floresta de cristal”.
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