O Horror Metafísico na Série "Além da Imaginação"
Um
contraponto ao atual filme “Agentes do Destino” (Adjustment Bureau,
2011) pode ser encontrado no episódio “A Matter of Minutes” da cultuada
série “O Novo Além da Imaginação” (1985-89) onde o horror metafísico do
conto original é mantido e desenvolvido. Ao contrário, em "Agentes do
Destino" os elementos metafísicos e esotéricos do conto original de
Philip K. Dick são apenas cenários para uma surrada estória de amor
impossível.
Leitor
desse humilde blog, Fábio Holfnik nos alertou sobre a existência de um
conto da série “O Novo Além da Imaginação” (“The New Twilight Zone,
1985-89, continuação da série original que foi de 1959 a 1964
apresentada por Rod Sterling na TV CBS nos EUA) chamado “A Matter of
Minutes” que seria baseado no mesmo conto de Philip K. Dick (“Adjustment
Team” de 1954) no qual se baseou também o atual filme “Agentes do
Destino” (Adjustment Bureau, 2011) analisado em postagem anterior.
Na
verdade esse conto da série televisiva baseou-se em conto de outro
escritor de ficção científica norte-americano, Theodore Sturgeon, no
conto “Yesterday Was Monday” de 1941. De qualquer forma há uma incrível
similaridade temática com o conto de K. Dick e o filme “Agentes do
Destino”. Essa adaptação televisiva de 1985 do conto de Sturgeon
apresenta um interessante contraponto com a conservadora abordagem do
filme “Agentes do Destino”.
Ao
contrário do filme atual em cartaz em relação ao conto de K. Dick, o
conto televisivo da série “Além da Imaginação” mantém o horror
metafísico original do conto de Sturgeon.
Como
vimos na postagem anterior (veja links abaixo), embora o filme “Agentes
do Destino” mantenha a atmosfera paranoica e o misterioso trabalho dos
agentes/arcontes, elimina o horror metafísico, isto é, o misto de horror
e fascínio, repulsa e atração por uma situação (a abertura do tecido da
realidade e do tempo) que desafia a toda racionalidade e religiosidade.
Na narrativa parece que esse fato potencialmente arrasador se
transforma em mero cenário para a estória da luta dos protagonistas pelo
amor impossível.
Ao
contrário, na adaptação televisiva do conto de Sturgeon para a série
“Além da Imaginação” esse horror dos protagonistas é brilhantemente
mantido.
Na
estória um jovem casal é acordado em uma manhã pelo barulho de
marteladas, serrotes e batidas vindas do lado de fora e do interior da
casa como se tudo ao redor estivesse em construção. Descem as escadas e
encontram a casa tomada por estranhos operários azuis e sem rosto
removendo ou trocando móveis e objetos. Saem de casa assustados e
encontram tudo ao redor como se estivesse em construção em meio a
operários e caminhões azuis. Ouvem uma voz berrando comandos aos
operários e vão em direção dela, até que entram em um beco onde penetram
em uma espécie de vazio, como um fundo infinito branco. Um estranho
homem todo em amarelo os resgata e explica que eles foram tragados pelo
tempo e que eles estavam em um intervalo entre um minuto e outro.
Ele é um supervisor de manutenção do tempo e mostra a eles exatamente como o tempo é mantido, revelando-lhes uma nova compreensão de como o universo funciona: a cada minuto na história é essencialmente um mundo separado, que deve ser construído, mantido e derrubado uma vez que o mundo termina com ele. Mas o supervisor avisa que eles jamais poderão sair dali para não revelarem a ninguém a verdadeira natureza do tempo. Começa antão a luta do casal para escapar daquele lugar nenhum.
Vertigem,
paranoia, confusão originadas pela verdadeira quebra de paradigmas
vivida pelos protagonistas em “A Matter of Minutes” se contrastam com as
reações do protagonista David Norris em “Os Agentes do Destino”: mesmo
após viver sucessivas experiências ontológicas, místicas ou metafísicas
de quebra radical do princípio da realidade, mantém-se assertivo,
seguro, tocando a sua rotina como político e empresário. Tudo o que
interessa a ele é a luta pelo amor impossível por Elise travada com os
agentes do destino.
Uma ficção científica distópica
O
conto original “Yesterday Was Monday” de Sturgeon foi escrito durante a
Segunda Guerra Mundial. É o início do período que será denominado como
pós-moderno (pós-guerra) onde as transformações históricas (guerra
fria), tecnológicas (informatização) e sócio-culturais (sociedade de
consumo) vão produzir no campo da literatura sci-fi uma série de obras
distópicas: ao contrário do utópico futurismo do período moderno, temos
a partir desse momento futuros pós-apocalípticos, tecnologias
escravizadoras, o esgarçamento da noção de tempo e a denúncia do
artificialismo do que entendemos por realidade.
Thedore
Sturgeon, Philip K. Dick ou Aldous Huxley (do livro “Admirável Mundo
Novo”) são os representantes dessa verdadeira desconstrução do futuro.
Nesse
conto de Sturgeon, por exemplo, encontramos em germe a concepção
pós-moderna de tempo: fragmentada, pontual e não mais concebida como uma
flecha que aponta para o futuro, mas como sucessivos “agoras”. Essa
representação quântica do tempo de Sturgeon, ao apresentar os
protagonistas lutando para mudar os seus destinos no interior de uma
brecha entre os minutos do continuum temporal, abre a possibilidade (que
será explorada na literatura e cinematografias futuras) do tempo como
um hipertexto, isto é, cada “agora” como um potencial hiperlink de onde
saltamos para realidades e futuros alternativos.
Ficha Técnica
- Título: "A Matter of Minutes" - Série Além da Imaginação (Twilight Zone)
- Episódio: #1.15
- Diretor: Sheldon Larry
- Roteiro: Rockne S. O'Bannon (baseado no conto "Yesterday Was Monday" de Theodore Sturgeon
- Elenco: Adam Arkin, Karen Austin, Adolph Caesar
- Produção/Distribuição: CBS Network
- Ano 1985-1989
- País: EUA
Se
em K. Dick os ajustadores são Arcontes (personagens míticos gnósticos
cuja função é a de regentes do Demiurgo que o auxiliam a manter a
humanidade prisioneira), aqui são anjos secularizados (em elegantes
ternos sob medida) que tentam nos ajudar, enquanto a humanidade é
decadente e imperfeita (impulsiva e pecadora). O filme “Agentes do
Destino” esvazia a crítica gnóstica e regride a narrativa de K. Dick ao
simplismo do conservadorismo religioso.
A
discussão sobre predestinação versus livre arbítrio na luta de David em
manter o seu amor por Elise é mera cortina de fumaça dessa regressão
religiosa sobre uma obra gnóstica de K. Dick.
As
linhas de diálogo finais do agente dissidente Harry Mitchell (Anthony
Mackie) que tenta ajudar David a reencontrar Elise é de uma platitude
típica do discurso da literatura de autoajuda mesclado com o
conservadorismo religioso. A moral é esta: “enquanto não souberem
superar os obstáculos e usar o livre-arbítrio como um dom, talvez, um
dia, não escreveremos o Plano, vocês o farão. Acho que esse é o
verdadeiro Plano do Presidente”, exorta Mitchell.
Em
síntese, toda intervenção dos agentes é uma espécie de jogo cósmico
criado pelo “Presidente” (Deus?) jogando com nossas vidas
arbitrariamente para que aprendamos, na marra, o que nossas imperfeições
não nos deixam ver. O melhor antídoto contra esse conservadorismo
religioso hollywoodiano é lembrar do monólogo gnóstico final do
personagem Milton (Al Pacino) no filme “O Advogado do Diabo” (Devil’s
Advocate, 1997) :
“Deixem-me dar uma pequena informação pessoal sobre Deus. Deus gosta de observar . É um brincalhão. Ele dá ao homem os instintos mais incontroláveis e depois o que faz? Para o seu prazer pessoal, numa cósmica e particular sessão de risadas, ele estabelece as regras... vejam mas não toquem... toquem mas não provem... provem mas não engulam... e enquanto isso o que faz ele? Se rola de tanto rir!”Ficha Técnica
- Título: Os Agentes do Destino (The Adjustment Bureau)
- Diretor: George Nolfi
- Roteiro: George Nolfi baseado no conto "Team Adjustment" de Philip K. Dick
- Elenco: Matt Damon, Emily Blunt, Michael Kelly, Anthony Mackie
- Produção: Universal Pictures e Media Rights Capital
- Distribuição: United International Pictures (UIP)
- Duração: 106 min
- Ano: 2011
- País: EUA