Blog

Blog

20 de abr. de 2011

Cordel

A triste História de Rex


O CRIME DE UM SONHADOR

1
Nosso cão era o REX, e o amávamos
Solto em nosso quintal fora criado,
Sempre tão dócil e tão bem humorado,
Diariamente com ele nós brincávamos. 


2
 Era peludo e de negros costados,
Mestiço de alsaciano e vira latas,
Cauda peluda e largas omoplatas
Enormes dentes brancos e afiados 

3
Tinha o pescoço forte, e bem folgado
Era o couro do mesmo, e muito grosso,
Fortes mandíbulas que partiam um osso
Como se fosse um palito queimado 

4
Cabeça enorme, orelhas caídas
Boca bem preta e o olhar brilhante
Patas enormes e o andar elegante
Fora o melhor presente em nossas vidas. 

5
Nas suas pernas traseiras existiam
Unhas vestigiais que ali ficavam ,
Pouco acima das patas, e balançavam
Quando ele andava, e de nada serviam. 

6
Ele era um poço de docilidade,
Mas só conosco;.. a noite o transformava
No guardião terrível que zelava
Seu território com ferocidade. 

7
Lembro-me bem da manhã, que acordado,
Fui por uma tremenda agitação,
Ouvi todos falando que um ladrão
Havia a noite no quintal penetrado. 

8
Levantei-me ainda atordoado
É corri para o quintal em um segundo,
Lá fora se encontrava todo mundo,
Ao redor do meu pai, e este agitado. 

9
O REX corria para todo lado,
Alegre, me parecendo sorridente,
Saltava e se contorcia de contente
Parecendo saber-se elogiado. 

10
Nosso quintal era todo cercado
Por alto muro, e o pulara o ladrão,
Sem saber que existia ali um cão,
Grande e feroz e viu-se encalacrado. 

11
Havia sangue ali por todo lado,
Haviam manchas no muro e no chão.
E pedaços da roupa do ladrão
Que o bravo REX havia espedaçado. 

12
No alto, o muro mostrava-se arranhado
Pelas unhas do REX , que saltara
Tentando segurar ainda o cara
Que escapava muito machucado. 

13
No juazeiro do Norte, onde morávamos
Todo Domingo, ao cinema nós íamos,
Na matinê a um filme assistíamos,
E a um seriado também acompanhávamos. 

14
Acompanhamos muitos seriados,
Nyoka, Flash Gordom, supermam,
Hopalong Kassidy e Batmam,
Durango Kid e Zorro, mascarados. 

15
Acompanhamos “A mulher Aranha"
Capitão Marvel, e o falcão do deserto
Vimos Buck, o cão de “Mala”, muito esperto,
E “marte invade a terra”, (coisa estranha.) 

16
Eu tinha então uns sete ou oito anos,
Quando findou-se a série do Supermam,
E em seguida foi a vez do Tarzam,
E fui acompanhá-la com meus manos. 

17
Assim como sonhara que voava
Ao assistir capitão Marvel e Supermam,
Agora com a série de Tarzam,
Era sendo Tarzam que eu sonhava. 

18
E era de Tarzã que nós brincávamos,
Tangas de estopa e facas imaginárias,
Envolvidos em lutas sanguinárias
Com feras que na mente nós criávamos. 

19
Certa manhã, no quintal eu brincava,
De Tarzam, e comigo estava o cão,
De repente pensei que um bom leão,
Grande e peludo, o meu cachorro dava. 

20
Aí no seu pescoço eu me atracava,
E tentava jogar ele no chão,
Mas era grande a força do meu cão,
E jogá-lo por terra, eu não lograva. 

21
Ele não aceitava a brincadeira,
Sempre tentando escapulir de mim ,
Mas eu o perseguia mesmo assim,
E o trazia puxando na coleira. 

22
Arranjei um pedaço de madeira,
Fingindo então que era meu punhal,
Para cutucar o meu pobre animal
Que era o meu leão de brincadeira. 

23
Na amurada do alpendre então subindo
Joguei-me sobre o ele, que passava,
E com o peso que meu corpo deslocava,
Meu pobre animal findou caindo. 

24
Abarcando fortemente o seu pescoço.
Com meu braço direito eu desferia
Golpes como qualquer Tarzan faria,
Nele montado, completando o esforço. 

25
Acho que então, sentindo o embaraço,
Estrangulado e rolando no chão,
Reagindo por instinto, o pobre cão
Abocanhou com força no meu braço. 

26
Foi justamente no braço criminoso,
Que tão covardemente o atacara,
Que seu grande canino ele cravara,
E poderia ser bem mais danoso. 

27
Após isto com um simples movimento
Jogou-me a uma distancia respeitável,
E depois disto o pobre miserável
Ficou chorando de arrependimento. 

28
No antebraço, do profundo ferimento,
O sangue em quantidade me saía,
Eu chorava de dor, e o cão gania,
Demonstrando seu grande sofrimento. 

29
Minha Mãe veio louca lá de dentro,
E vendo meu estado, apavorada,
E mesmo sem daquilo saber nada
Fez sobre o pobre cão mau julgamento. 


30
Foi então a partir deste momento,
Que o coitado tornou-se um condenado,
Vivendo dia e noite acorrentado,
E eu sofrendo com seu sofrimento. 

31
O seu olhar tristonho ia profundo,
Na minha alma, e isto magoava,
Meu pobre cão parece que chorava,
Por me ver triste e tão meditabundo. 

32
Por não saberem o que eu havia feito.
 Julgavam que o cão, louco se achava,
Eu entendia tudo, e até chorava
Mas como concertar o meu malfeito?
33
Ninguém chegava mais nem perto dele,
Comida, só com vara lhe empurravam,
E lentamente os dias se passavam,
E só em sonhos eu ia junto a ele. 

34
Eu não sei quanto tempo transcorreu,
Porém foi muito, muito para mim
Até chegar o triste dia em fim
Que o pior de tudo aconteceu. 

35
naquele dia meu pai apareceu
Acompanhado de um desconhecido,
Este trazia um pau grosso e comprido,
Com um buraco onde uma corda meteu, 

36
Na corda vi um laço, então me deu,
Um gelo no fundo do coração,
Pensei que viera enforcar meu cão,
Sendo que o crime era todo meu. 

37
Não foi porém o que aconteceu,
Meu pai me disse que ele ia leva-lo
Para o seu sitio aonde ia cria-lo,
Talvez mentisse, mas me convenceu. 

38
O pobre cão reagiu violentamente
No momento de ser dali levado,
Mas pelo laço foi subjugado,
Até que o arrastaram finalmente. 

39
Mas Rex era um cão inteligente,
E ao chegar a rua entendeu,
Que o laço do homem que o prendeu,
Não seria desfeito facilmente. 

40
Olhou-me nos meus olhos docemente,
Como a dizer que ali me perdoava,
Ele sabia o quanto eu o amava,
E se foi puxando o homem, a sua frente. 

41
Quase que meio século é passado,
Daquele triste dia que o levaram,
E as tristes mágoas que ali ficaram,
São para mim um fardo bem pesado, 

43
Não sei se o mataram, é provável,
Se aconteceu, fui eu quem o matou,
Foi meu silêncio que o condenou,
E isto me faz sentir um miserável.


Mestre Egídio