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1 de dez. de 2011

Álbum de recordações


La belle de Jour

O ano: 1986. Alceu Valença vai até Paris cumprir uma temporada no Teatro La Villette. Consta que, após o show, Alceu teria ido à Campagne Première beber alguma coisa. Lá, teria encontrado uma celebridade francesa, que não reconhecera. Quem era? Jaqueline Bisset! 
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Jaqueline Bisset
Na época, ele confundiu Jaqueline Bisset pela não menos bela Catherine Deneuve, que foi a protagonista do clássico filme "La belle de Jour" (traduzida no Brasil como "a bela da tarde"), filme de Luis Buñel que conta a história de  Séverine, uma  jovem e bela mulher (interpretada por Catherine Deneuve) casada com um médico. Ela ama o marido, mas não consegue se satisfazer sexualmente com ele. Então entrega-se aos seus desejos e acaba por se tornar uma prostituta, mantendo uma vida dupla
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Assim, numa confusão de Alceu entre Catherine e Jaqueline Bisset, ele compôs a canção "La belle de Jour", que, no seu próprio sítio digital, é definida como uma música que "traduz seu desejo de poeta romântico".
A música mistura um sentimento nostálgico por aquela moça bonita da praia de Boa Viagem, que remete à saudade de sua terra natal, que se confunde com a moça que foi encontrada no meio da tarde de um domingo azul... e o azul dos olhos da bela da tarde (como são azuis os olhos de Jaqueline Bisset; um detalhe: os olhos de Catherine Deneuve, a verdadeira musa do filme "La belle de Jour" são castanhos)...
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O Eu-lírico idealiza a mulher a partir de seus olhos azuis, que remetem aos dias azuis de sol da praia de Boa Viagem. A moça mais bonita de toda cidade serviu de inspiração para o "primeiro blues"... mas ela "no azul viajava..." qual seria essa viagem? A Boa Viagem, ou seria uma referência ao uso de drogas, como vi em alguns intérpretes... pois ela, a "Bela da tarde", que no filme tem uma conotação sexual explícita, aqui aparece idílica, onírica, azul como seus olhos, azul como uma tarde de sol sem nuvens...
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E, no final, a musa da canção, seja a que inspiroou Alceu Valença, seja aquela descrita na canção, distam e muito da personagem do filme de Buñel... Foi gravada por Alceu no álbum 7 desejos, de 1991
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   A letra: 
Eu lembro da moça bonita
Da praia de Boa Viagem
A moça no meio da tarde
De um domingo azul
Azul, era Belle de Jour
Era a bela da tarde
Seus olhos azuis como a tarde
Na tarde de um domingo azul
La Belle de Jour

La Belle de Jour
Era a moça mais linda de toda a cidade
E foi justamente pra ela
Que eu escrevi o meu primeiro blues
Mas Belle de Jour, no azul viajava
Seus olhos azuis como a tarde
Na tarde de um domingo azul
La Belle de Jour
 

"Qualquer maneira de amor vale a pena..."

As parcerias de Caetano com Milton Nascimento são raras. Mas belas. Pessoas de estilos pessoais e musicais bem distintos, são amigos (como costumam ser amistosas as relações entre mineiros e baianos) e se admiram mutuamente.
"Qualquer maneira de amor vale a pena", frase de Caetano para a melodia de Milton, ficou eternizada na canção "Paula e Bebeto". 
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Fui atrás da história da canção... E fui ver que a história vem de um casal que era amigo de Milton Nascimento e que se separou. 
"Milton conheceu Paula e Bebeto em Três Pontas no início da década de 70. Ela era uma linda garota de 15 anos e Bebeto tinha pouco mais de 17. Em uma roda de violão na praça, o casal se aproximou e amanheceu ouvindo o compositor. “Virei uma espécie de padrinho deles. Foi a história romântica mais linda, mais completa que já vi”, afirma Milton. Anos antes, ao lado de Bebeto, Milton criou a melodia e chegou a esquecê-la". 
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Certo dia, ao chegar no Rio, nos idos de 1975, Milton foi à casa de Caetano Veloso, num dia em que estava particularmente triste, haja vista a separação do casal de amigos Paula e Bebeto. 
Ele me contava a história de Paula e Bebeto e chorava muito”, asseverou Caetano.
Milton, então, começou a tocar uma melodia. Alguns dias depois, agora em sua casa, Bituca (apelido de Milton Nascimento), recebendo Caetano, começou a dedilhar novamente aquela música. “Eu e ele nos trancamos em outra sala e sentamos no chão. Milton tocou três vezes a música. As palavras entraram na minha cabeça e fechei a letra na hora”, revela Caetano.
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A canção revela a história de um casal que se amava de qualquer maneira, pois qualquer maneira de amor vale a pena, qualquer maneira de amor vale amar”.
Fico imaginando qual seria a "qualquer maneira" de amor que aquele casal vivenciara, e como Caetano colocou a letra sem sequer conhecê-los. Talvez eles guardem consigo tudo aquilo que fazia daquela história de amor um amor fantástico, que "vale a pena". 
Vida, amor, brincadeira, e o amor que se revela "de qualquer maneira". Pena por ter acabado, mas afinal, foi bonito, e "qual a palavra que nunca foi dita?". 
Percebe-se que a música foi - e quando não é? - uma maneira de eternizar um amor adolescente que cresceu, mas não resistiu ao tempo. O casal jamais reatou o romance.  A música virou um clássico  na voz de Gal Costa, e, como no título da postagem,  pelo refrão “qualquer maneira de amor vale a pena...”. 
“Esse refrão diz a coisa mais perfeita para mim”, diz Milton.
Hoje, Bebeto é casado, tem quatro filhos, e  vendeu a fazenda de seu pai, no interior mineiro, que administrou por duas décadas. Paula também se casou, teve três filhos e vive em Belo Horizonte, onde produz artigos de couro. Milton batizou um filho de cada um.
A letra: 
Vida vida que amor brincadeira, vera
Eles amaram de qualquer maneira, vera
Qualquer maneira de amor vale a pena
Qualquer maneira de amor vale amar

Pena que pena que coisa bonita, diga
Qual a palavra que nunca foi dita, diga
Qualquer maneira de amor vale aquela
Qualquer maneira de amor vale amar
Qualquer maneira de amor vale a pena
Qualquer maneira de amor valerá

Eles partiram por outros assuntos, muitos
Mas no meu canto sempre juntos, muito
Qualquer maneira que eu cante esse canto
Qualquer maneira me vale cantar

Eles se amam de qualquer maneira, vera
Eles se amam e pra vida inteira, vera
Qualquer maneira de amor vale o canto
Qualquer maneira me vale cantar
Qualquer maneira de amor vale aquela
Qualquer maneira de amor valerá



Fontes:http://www.terra.com.br/istoegente/322/reportagens/capa_amigos_02.htm
http://www.miltonnascimento.com.br/img/pdf/2000/nacional/05_2.pdf
http://www.seminariodehistoria.ufop.br/ocs/index.php/snhh/2011/paper/viewFile/529/391

Entrevista de Raul Seixas a Nelson Motta em 1976

Raul Seixas é regional e universal. Baiano que é rock'n roll na atitude, e muito mais que rock'n roll na música. Já era mito quando vivo, e hoje continua mito porque ele é uma controvérsia em si mesmo, tem bom humor e revela os conflitos individuais nessa contraditória 

Nessa entrevista com Nelson Motta, em 1976, ele apresenta o novo disco "Há 10 mil anos atrás" e logo diz que não é um disco rock'n roll, diz que o único Rock do disco é "O dia da saudade", e fala do Tango "Canto para minha morte", recitando a letra da música, empolgado, como uma poesia. 

Raul, meio irônico, apresenta a música "Eu também vou reclamar", um country, e trata, também deixa em aberto as perguntas de Nelson em relação à música título  "Há dez mil anos atrás". 

Termina cantando a música "Os números". Pra quem gosta de Raul...


Gal Costa e a polêmica do show "O sorriso do gato de Alice"

No começo da Carreira, Gal costa, pelo seu timbre único e pelo seu jeito suave de cantar, chegou a ser chamada de "João Gilberto de Saias". Mas por trás daquela voz inconfundível existe uma mulher ousada, que arrisca, e não foram poucas vezes que Gal saiu da sua zona de conforte de uma das maiores cantoras da música brasileira de todos os tempos  para arriscar.
 
Apenas para citar de memória, posso fazer referências a "Divino, Maravilhoso", que apresentou em 1968, no Festival da Record, com cabelo black power, roupas berrantes e atitudes agressivas, ou a capa do disco India, em que logo na capa do LP, tinha uma foto em close da cantora, somente com uma tanga vermelha (na verdade, a foto era da tanga de Gal).
 
Mas poucos escândalos foram tão comentados quanto o show"O Sorriso do Gato de Alice". O show foi dirigido pelo controvertido o diretor teatral Gerald Thomas.
 
Duas cenas chamam inicialmente a atenção: a primeira, logo no início do espetáculo, quando Gal surgiu, arrastando-se sobre um teto cenográfico como se fosse uma gata vagando pela cidade sob a lua. O público, na noite da estreia, chegou a vaiar Gal.
 
Mas o melhor estava por vir.  Durante a música Brasil (Brasil, mostra a tua cara / Quero ver quem paga pra gente ficar assim), de Cazuza, Gal, que cantava com algo que parecia um pijama, abriu a blusa e cantou com os seios à mostra.
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Foi praticamente capa de todos os jornais do Brasil. Vieram inúmeras críticas, piadas; alguns, mais moralistas, indignados; outros, fãs de Gal, aturdidos.  Chegaram a dizer que as propostas de Gerald Thomas oprimiam Gal. 
 
Em duas entrevistas, Gal se manifestou sobre o tema. A primeira delas foi no Programa Roda Viva, da TV Cultura:
 
Gal Costa: Não me arrependi em nenhum momento de ter feito o espetáculo com Gerald Thomas Era o que eu queria. Acho que eu tenho muita honra e muito orgulho de ter feito esse espetáculo. Acho que era um espetáculo belíssimo, cenicamente era lindo, era uma espetáculo bem acabado, que eu acho o Gerald Thomas talvez o melhor encenador - estou falando encenador - brasileiro. A luz era deslumbrante, o cenário era lindo. Eu não me arrependo em nenhum segundo. Eu fazia o espetáculo com o maior prazer, não me sentia oprimida, como a imprensa falou, que o Gerald me oprimiu, não me oprimiu, porque eu fiz aquilo que eu quis. Eu só faço aquilo que eu quero. E eu me sentia bem e acho que faz parte da minha história. Quem conhece a minha história sabe que eu sou ousada e que eu faço essas coisas. Eu sei que elas têm um preço, mas eu encaro.
 
Gal Costa: Eu, na verdade, eu fiquei um pouco surpresa. Eu sabia que algumas pessoas iriam se chocar com essa atitude. Eu fiquei impressionada com a quantidade, com o número de pessoas que se chocaram por ver um peito de uma mulher de fora, num palco. Eu acho que aquilo era colocado de uma maneira tão digna, era um momento tão importante, quer dizer, no momento em que eu cantava Tropicália, era um momento que estava ligado à história do Tropicalismo, à história dessa irreverência, dessa coisa que ele falou, de comportamento. Estava ligado a isso. Na verdade, aquilo era um pouco uma retomada da minha carreira. Eu cantei coisas do início da minha carreira, gravações. E a atitude também de entrar no palco, a atitude inusitada de entrar no palco como uma gata, não entrar como uma estrela, é engraçado como isso também incomodou as pessoas. E as pessoas reclamam, reclamam que a gente é igual. O que eu tenho medo é de me estagnar, de ficar igual. Podia entrar no palco, ao som de uma banda, com um vestido lindo, uma mulher bonita, e pronto...cantar, mas não é isso que eu quero. Eu prefiro, entendeu, ir por caminhos mais difíceis até porque eu sei que essas coisas provocam reação, provocam polêmica, mas para mim são mais enriquecedoras, porque me dão coisas novas, à minha personalidade.
 
 
Fontes: 
 

Pra você guardei o amor

O último trabalho de Nando Reis se chama "Drês", que é uma fusão de "Dri", que era sua namorada, e três. Quem ouve as músicas, percebe muitas músicas confessionais, que dão ao disco um toque quase autobiográfico. Aliás, foi o que Nando disse numa entrevista recente: 

"Drês é uma fusão da palavra "Dri", minha ex-namorada e "três". Muitas dessas músicas foram feitas para ela. Cheguei a pensar em fazer um disco com uma narrativa dessa história, mas isso acabou perdendo o sentido. As coisas mudaram e eu escolhi as melhores para fazer esse disco. Gosto dessa palavra inventada, enigmática".
 
Não sem razão, a música que se destaca e fez sucesso no disco foi "pra você guardei o amor". O que acho de interessante na letra dessa música, é que nela o amor é posto de uma forma bonita, positiva, sem cobrança de algo em troca, como se o amor fosse um fim em si mesmo.

Geralmente músicas de amor em que o eu lírico valoriza o seu sentimento como algo único e precioso, quase sempre vêm acompanhadas de uma queixa pela não correspondência desse sentir.

O lirismo da letra é outro. Dá o sentido de ter encontrado algo especial, bom e que quer ser vivido, como algo recôndito que se revela. É uma declaração do desabrochar de um amor puro e belo...

Gosto também do arranjo só de cordas. Talvez seja suspeito, por tocar violão, mas são os arranjos que mais me emocionam. 

Nando deu declarações sobre essa música, que gravou sem a Banda Os Infernais, em dueto com Ana Cañas: 


 "Sem falsa modéstia, acho que é uma das cinco músicas mais lindas que já fiz. É a única que não tem a banda e que eu canto com outra pessoa, no caso, com a Ana Cañas. Convidei ela para cantar porque a gente tinha se conhecido para fazer outro projeto, e meu encantamento foi grande, pela voz dela, por ela. Tinha pensado em três vozes masculinas para a música, mas ao mesmo tempo tinha temor de fazer uma coisa cafona. Uma espécie de desejo e pânico. Quando cantei com Ana num show, vi que era tudo o que eu queria. Pra mim, não há nada mais lindo do que voz de mulher."  

É o único dueto do disco. Nando diz que passou a prestar atenção em Ana Cañas quando esta, numa entrevista, fez uma comparação entre  “Para todas as coisas”, música dela, dela, com “Diariamente”, que Nando compôs e foi gravada por  Marisa Monte. 

Ela falou que todos deviam fazer sua “Diariamente”, e sua música segue isso. No fim do ano passado, convidei-a para cantar comigo num show — lembra. — Desde o início, queria cantar essa música em várias vozes, algo como Crosby, Still, Nash & Young, mas tinha medo de ficar cafona. Acabou funcionando. 

PRA VOCÊ GUARDEI O AMOR


Pra você guardei o amor
que nunca soube dar
o amor que tive e vi
sem me deixar sentir
sem conseguir provar
sem entregar e repartir

pra você guardei o amor
que sempre quis mostrar
o amor que vive em mim
vem visitar,sorrir
vem colorir solar
vem esquentar e permitir

quem acolher o que ele tem e traz
quem entender o que ele diz do giz
do gesto jeito pronto do piscar dos cilios
o convite do silencio exibe em cada olhar

guardei sem ter porquê
nem por razão
ou coisa outra qualquer
além de não saber
como fazer
pra ter um jeito meu
de me mostrar

Achei vendo em você
e explicação nenhuma
isso requer
se o coração bater forte
e arder
no fogo o gelo
vai queimar

pra você guardei o amor
que aprendi
vem dos meus pais
o amor que tive e recebi
e hoje posso dar livre e feliz
céu,cheiro e ar
na cor que o arco-íris
risca ao levitar

vou nascer de novo
lápis,edifício
tevere , ponte
desenhar no seu quadril
meus lábios beijam
signos feitos sinos
trilho a infância
teço o berço do seu lar 


Reconvexo

"Meu som te cega, careta, quem é você..." 

A letra de Reconvexo, um belo samba de roda de Caetano Veloso gravado por Maria Bethania, revela um orgulho de ser brasileiro, de ser baiano, de ser de uma parte do mundo que é "out", e que, pelo mesmo motivo, é "in".

A música faz muitas referências baianas (a novena de dona Canô, a elegância sutil de Bobô, o Olodum balançando o Pelô), brasileiras (o mendigo Joãozinho/Beija Flor - em referência ao célebre enredo "ratos e urubus- larguem minha fantasia" de Joãozinho Trinta na Beija-Flor de 1989, a destemida Iara da Amazônia), e universais (A risada de Andy Warhol, o suingue do Francês da Guiana Henri Salvador, o americano negro com brinco de ouro na orelha). 

Caetano, no livro "Sobre as letras", organizado por Eucanaã Ferraz (Cia das Letras, 2003), explica a canção:  

Compus para Bethania gravar. Eu estava em Roma quando um dia acordei e vi os carros empoeirados, todos cobertos de areia. Perguntei: 'Gente, o que tem nesses carros aí?'. Uns italianos, amigos meus, responderam: 'isso é areia que vem do deserto do Saara, que o vento traz'. Com essa imagem, comecei imediatamente a compor a música. 

"A letra fala em Gita Gogóia, porque a letra de Gita diz 'eu sou, eu sou, eu sou'... e porque a a canção 'Fruta Gogóia' também se estrutura do mesmo modo  eu sou, eu sou, eu sou'. 

A letra é meio contra o Paulo Francis, uma resposta àquele estilo de gente que queria desrespeitar o que era brasileiro, o que era baiano, a contracultura, a cultura pop, todo um conjunto de coisas que um certo charme jornalístico, tipo Tom Wolf, detestava e agredia. 

Segue a letra e o belo samba de roda, que descarta quem "não é recôncavo e nem pode ser reconvexo" 

Eu sou a chuva que lança
areia do Saara
sobre os automóveis de Roma
sou a sereia que dança
destemida Iara, água e folha
da Amazônia
eu sou a sombra da voz
da matriarca da Roma negra
você não me pega
você nem chega a me ver
meu som te cega careta
quem é você?
que não sentiu o suingue
de Henri Salvador
que não seguiu olodum
balançando o pelô
e que não riu com a risada de
Andy Warhol
que não que não
e nem disse que não
sou um preto norte-americano
forte com um brinco de ouro na orelha
sou a flor da primeira música
a mais velha e a mais nova
espada e seu corte

sou o cheiro dos livros desesperado
sou Gita Gogóia
seu olho me olha
mas não me pode alcançar
não tenho escolha careta
vou descartar

quem não rezou a novena de
D. Canô
quem não seguiu o mendigo
Joãozinho Beija-flor
quem não amou a elegância sutil
de bobô
quem não é recôncavo e nem pode
ser reconvexo 


"Te adorando pelo avesso, pra mostrar que inda sou tua"

Talvez uma das músicas de separação mais pungentes seja "Atrás da porta", de 1972, que constitui a primeira parceria de Chico Buarque e Francis Hime. A história dessa canção, contada por Wagner Homem, no livro "História das Canções - Chico Buarque", conta que a primeira parte da música foi composta quando Francis Hime, numa reunião de amigos, em Petrópolis, começou a cantarolar a música ao piano, e Chico, de forma inédita, começou a compor a música na frente dos outros (para quem não sabe Chico detesta, "tem vergonha", diz ele, de compor na frente dos outros. Saiu aí a primeira parte. 

Quando olhaste bem nos olhos meus
E o teu olhar era de adeus
Juro que não acreditei
Eu te estranhei
Me debrucei
Sobre teu corpo e duvidei
E me arrastei e te arranhei
E me agarrei nos teus cabelos
No teu peito (Nos teus pelos)*
Teu pijama
Nos teus pés
Ao pé da cama
Sem carinho, sem coberta
No tapete atrás da porta
Reclamei baixinho

Feita a primeira parte, a segunda veio anos depois, quando Francis Hime, para pressionar Chico, fez com que o produtor mandasse uma fita com os arranjos, a voz de Elis Regina até o fim da primeira parte, e a segunda parte já orquestrada.  Aí Chico fez a segunda parte: 

Dei pra maldizer o nosso lar
Pra sujar teu nome, te humilhar
E me vingar a qualquer preço
Te adorando pelo avesso
Pra mostrar que inda sou tua
Só pra provar que inda sou tua...

Uma curiosidade: a expressão "nos seus pelos" teve que ser substituída por "no seu peito" pela censura.

É uma canção de fato, pungente, porque fala da tristeza da separação, e o que é mais interessante. A primeira parte fala do sentimento de desespero do eu feminino que se dá conta da separação, que leva à agressão (te arranhei) ao implorar para que ela não ocorra (nos teus pés ao pé da cama). A segunda parte, feita depois, cuida também de um sentimento posterior, fala de uma política de "terra arrasada", quando a mulher passa a difamar tudo aquilo que diz respeito ao ser amado. Já que não pode demonstrar seu amor com gestos de carinho, demonstra com gestos de ódio, "te adorando pelo avesso, pra mostrar que inda sou tua". É o eu-lírico feminino se declarando para o amado, ela ainda o ama. Que, ainda triste, ainda arrasada, ela o ama. Ficaria na lista das dez maiores músicas de separação de todos os tempos... aliás, Chico é bom nisso...

Eu sou o caso deles: Marisa Monte e Novos Baianos

Dia 1º de julho é aniversário de Marisa Monte. Talvez seja a única cantora, nas duas últimas décadas que pode ser chamada de diva, após Elis, Gal e Bethania reinarem nas décadas de 60 a 80. 
Em mais de 20 anos de carreira, Marisa transitou pelo rock, pelo blues, pela música romântica, bossa nova, soul, funk, e cada vez mais o samba ganhou espaço no seu repertório. 
Nessa ótica, nada mais natural do que uma relação com os Novos Baianos, que pode ser vista no seu disco "Barulhinho Bom", em que ela gravou "A menina dança", conhecida pela voz de Baby Consuelo (atual Baby do Brasil).

Muito legal também duas músicas que Marisa Monte cantou com os novos baianos: Uma é a clássica "Mistério do Planeta",  em dueto com Paulinho Boca de Cantor e os Novos Baianos, e outra música de Moraes Moreira e Galvão, "Eu sou o caso deles", que é um pouco menos conhecida, e trata de uma engraçada relação entre filhos e pais, em que o filho declara o amor dos pais por ele, mas porque o filho "esquenta" a vida dos pais, os coloca na realidade, fazendo referência à Música "Divino, Maravilhoso",  de Caetano e Gil, gravada por Gal Costa.

Uma canção divertida, que ficou muito bonita no dueto entre Marisa Monte e Moraes Moreira. Segue a letra:  
  
Minha velha é louca por mim
Só porque eu sou assim
Meu pai, por sua vez
Se liga na minha
E nos botecos onde passa
Não dá outro papo
Eu sou o caso deles
Sou eu que esquento a vida deles
No fundo, no fundo
Coloco os velhos no mundo
Boto na realidade
Mostro a eternidade
Senão eles pensavam
Que tudo era "divino maravilhoso"
Levavam tudo na esportiva
Ficavam contanto com a sorte
E não se conformariam com a morte
Minha velha é louca por mim
Só porque eu sou assim!

Dez frases de Vinícius de Moraes

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9 de julho de 2010, 30 anos da morte do Poetinha, Vinícius de Moraes. A imagem que se tem dele é de alguém eternamente apaixonado, capaz de cantar o amor sensual para uma mulher ou o amor cândido para uma criança. Alguém que gostava dos amigos, de música e da boemia, um sujeito pós-moderno, que defendia a vida e o amor com intensidade, que de manhã, escurece, e que de noite, arde....

Em homenagem ao poeta, trago aqui dez pequenas e curtas pérolas de Vinícius. Não é uma antologia de sua obra nem de suas músicas (eu não seria leviano em resumi-la a dez frases), e, por isso, trouxe apenas pequenas frases curtas, como um pequeno aperitivo de um dos maiores poetas do amor no século XX. Ao final da escolha destas frases, confesso, me veio quase uma frustração, porque elas são muito pouco... mas ainda assim as coloco aqui. 

1 Amar, porque nada melhor para a saúde que um amor correspondido.

2 Quem de dentro de si não sai, vai morrer sem amar ninguém...

3 Se o amor é fantasia, eu me encontro ultimamente em pleno carnaval.

4- A gente não faz amigos, reconhece-os.

5 - A maior solidão é a do ser que não ama. A maior solidão é a dor do ser que se ausenta, que se defende, que se fecha, que se recusa a participar da vida humana.

6 - O sofrimento é o intervalo entre duas felicidades.

7 - De manhã, escureço. De dia, tardo. De tarde, anoiteço. De noite, ardo.

8 - Quem não perde perdão não é nunca perdoado

9 - Com as lágrimas do tempo e a cal do meu dia eu fiz o cimento da minha poesia.

10 -Por isso, fica aqui um pedido deste humilde amigo: não deixes que a vida passe em branco, e que pequenas adversidades sejam a causa de grandes tempestades...