Erlendur Haraldsson adora conversar com crianças. Tanto que o
psicólogo islandês de 78 anos já encarou mais de nove viagens ao Sri
Lanka e outras seis vezes até o Líbano só para ouvir as histórias que os
pequenos do outro lado do mundo poderiam lhe contar. Nada de
brincadeiras ou travessuras, o que há de comum nos relatos dessas vozes
infantis é uma narrativa diretae bizarra: como elas morreram.
Carbonizadas, vítimas de homicídio, afogadas: boa parte das crianças ouvidas por Haraldsson é capaz de narrar, detalhe a detalhe, histórias de mortes violentas que teriam sofrido em outras encarnações. É o caso de Purnima Ekanayake, garota que o pesquisador conheceu quando tinha nove anos, na década de 90, em Bakamuna, um vilarejo do Sri Lanka. Purnima, uma “menina linda e encantadora”, melhor aluna da classe, aos três anos começou a contar aos pais sobre uma outra existência que teria vivido antes de nascer. Um dia, ao ver a mãe aborrecida por conta de um acidente de carro, comentou: “Não ligue para isso, mamãe. Eu vim para você depois de um acidente. Tinha um monte de ferro no meu corpo”.
A menina começou a contar histórias detalhadas sobre uma vida anterior, na qual teria sido um homem, funcionário de uma fábrica de incenso. Relatou a localização da fábrica, o nome da antiga mãe, deu detalhes sobre o número de irmãos, as marcas de incenso que eram produzidas, os carros da família, a escola… Seguindo as indicações, seus pais chegaram à família de Jinadasa Perera, fabricante de incensos que morrera atropelado por um ônibus dois anos antes de Purnima nascer.
“Este é Wijisiri, meu cunhado”, foi o que a menina, sem nunca tê-lo visto antes, disse ao entrar na antiga indústria de incenso, a 230 quilômetros da sua casa, segundo testemunhas entrevistadas por Haraldsson. A menina ainda olhou para as embalagens e perguntou: “Vocês mudaram a cor?”. A cor das embalagens havia sido alterada logo após a morte de Jinadasa. Ao analisar as informações dadas por Purnima antes desse encontro, Haraldsson concluiu que os relatos se encaixavam no perfil do morto. E foi além. Vasculhando os registros da necropsia de Jinadasa, apurou que o atropelamento havia ferido o fabricante de incenso no lado esquerdo do abdome — mesmo local onde o corpo da menina Purnima exibia manchas brancas de nascença.
MARCAS DO PASSADO: em algumas crianças, marcas de nascença são encontradas nos mesmos locais dos ferimentos de morte da suposta encarnação passada
Longe de ser exceção, histórias como a de Purnima são uma constante na
vida do islandês. Haraldsson viu o que restou dos seus cabelos
embranquecer enquanto trocava o frio de sua terra natal pelo calor de
vilarejos e cidades densamente povoadas do terceiro mundo. O Ph.D. em
psicologia e professor emérito da Universidade da Islândia passou as
últimas três décadas colecionando histórias de crianças sobre vidas
passadas. Foram exatas 94 investigações sobre essas narrativas no Líbano
e no Sri Lanka, países onde os relatos são mais numerosos,
provavelmente por conta da religião — o budismo, no Sri Lanka, e, no
caso do Líbano, o drusismo, uma religião de influência islâmica que
acredita na reencarnação.
Haraldsson identificou um padrão nessas narrativas. Na maioria dos casos, elas aparecem entre 2 e 5 anos e são comuns os relatos de morte violenta. Algumas das crianças pedem para conhecer os familiares da suposta outra vida. Outras, vão além. “Vocês não são meus pais de verdade” foi o que Dilukshi Nissanka passou a dizer desde que tinha três anos, para a tristeza de sua família, em Veyangoda, no Sri Lanka. A menina insistia em rever sua “outra mãe”, dizendo que seu nome verdadeiro era Shiromi e que havia se afogado num rio. Depois que a história foi publicada num jornal local (casos de reencarnação fazem tanto sucesso na imprensa popular do Sri Lanka como as mulheres-fruta nos nossos tabloides), os pais da garota foram contatados por uma família de outra cidade: eles contaram que, anos antes, a família havia perdido uma filha chamada Shiromi, afogada em um rio. Examinando declarações da garota antes do encontro entre as famílias, Haraldsson constatou que Dilukshi acertara várias informações sobre a família de Shiromi, como a região em que viviam, o número de filhos e a paisagem local.
Histórias assim impressionam, mas será que não podem ser explicadas
apenas como coincidência? Foi a pergunta que Galileu fez para Haraldsson
quando o caçador de reencarnados esteve no Brasil, em setembro,
participando do I Simpósio Internacional Explorando as Fronteiras da
Relação Mente-Cérebro. “Pode ser coincidência, sim”, diz o pesquisador.
Para logo em seguida acrescentar pausadamente, em tom didático de
professor universitário: “Mas há alguns casos em que isso é altamente
improvável”.
Apesar de apontar evidências que considera fortes, Haraldsson evita especular sobre se a reencarnação existe ou não em seus estudos. Prefere apresentar os fatos e deixar as interpretações para quem lê. “Sou um pesquisador empírico”, afirma. “Você pode encontrar uma grande correlação entre o que uma criança conta e a vida de alguém que morreu. Isto é um fato. O que significa já é outra questão.”
Haraldsson chegou a testar a hipótese de que os relatos poderiam ser explicados por questões como necessidade de chamar atenção ou transtornos mentais. Mas isso, de acordo com o psicanalista, não é o tipo de coisa que Freud explica. O islandês aplicou testes psicológicos em dois grupos de 30 crianças libanesas, um dos quais dizia se lembrar de outras vidas. O estudo não encontrou diferenças significativas, exceto em um ponto: as crianças que relatavam vida anterior tinham sintomas de estresse pós-traumático. Isso pode ser explicado pelo fato de que 80% delas contavam ter passado por mortes violentas. Real ou imaginário, um acidente mortal ou um homicídio são lembranças difíceis para a mente de uma criança.
Mesmo lidando com fenômenos estranhos, o islandês busca seguir a
metodologia científica. Seu método dá preferência a fontes que ouviram
em primeira mão as declarações espontâneas das crianças, como pais,
avós, irmãos e amigos. Para garantir a precisão e flagrar contradições,
as testemunhas são entrevistadas mais de uma vez, separadas umas das
outras. Entrevistas com a própria criança são feitas depois, para evitar
que o pequeno diga o que o entrevistado quer ouvir. Feito isso, o
psicólogo assume papel de detetive. Com a ajuda de colaboradores locais,
como jornalistas e religiosos, busca identificar pessoas mortas com
histórias que se encaixem no que as crianças contaram. Na última fase,
procura os registros da necropsia do morto (se houver) e analisa se há
correspondência entre possíveis ferimentos e eventuais marcas de
nascença. Aplicar esse método significa chegar a informações
consistentes em pouquíssimos casos. Na maioria das vezes, não é possível
levantar correlação significativa entre os relatos e o que de fato
ocorreu. A maior parte do trabalho de investigação de 30 anos do
pesquisador acaba mesmo sendo descartada. “No Sri Lanka, apenas 10% dos
casos apresentam evidências fortes; no Líbano, entre 20% e 30%.” O
aparente rigor e seus quase 100 artigos publicados não impedem, contudo,
que o tema de pesquisa de Haraldsson seja visto como marginal. Se
duvidar, é só perguntar a ele como a comunidade científica tradicional
reage a seus estudos. A resposta é simples e serena: “Não há reação.
Eles apenas não leem”.
No vídeo abaixo, mostra islandês indo de encontro com outra menina que, por curiosidade, também é no Sri Lanka.
Este vídeo nos foi enviado pela nossa leitora Lilianna Bertolucci. Meus sinceros agradecimentos! :)
É uma honra ter leitores e leitoras interagindo conosco. Melhor ainda de uma coelhinha
Carbonizadas, vítimas de homicídio, afogadas: boa parte das crianças ouvidas por Haraldsson é capaz de narrar, detalhe a detalhe, histórias de mortes violentas que teriam sofrido em outras encarnações. É o caso de Purnima Ekanayake, garota que o pesquisador conheceu quando tinha nove anos, na década de 90, em Bakamuna, um vilarejo do Sri Lanka. Purnima, uma “menina linda e encantadora”, melhor aluna da classe, aos três anos começou a contar aos pais sobre uma outra existência que teria vivido antes de nascer. Um dia, ao ver a mãe aborrecida por conta de um acidente de carro, comentou: “Não ligue para isso, mamãe. Eu vim para você depois de um acidente. Tinha um monte de ferro no meu corpo”.
A menina começou a contar histórias detalhadas sobre uma vida anterior, na qual teria sido um homem, funcionário de uma fábrica de incenso. Relatou a localização da fábrica, o nome da antiga mãe, deu detalhes sobre o número de irmãos, as marcas de incenso que eram produzidas, os carros da família, a escola… Seguindo as indicações, seus pais chegaram à família de Jinadasa Perera, fabricante de incensos que morrera atropelado por um ônibus dois anos antes de Purnima nascer.
“Este é Wijisiri, meu cunhado”, foi o que a menina, sem nunca tê-lo visto antes, disse ao entrar na antiga indústria de incenso, a 230 quilômetros da sua casa, segundo testemunhas entrevistadas por Haraldsson. A menina ainda olhou para as embalagens e perguntou: “Vocês mudaram a cor?”. A cor das embalagens havia sido alterada logo após a morte de Jinadasa. Ao analisar as informações dadas por Purnima antes desse encontro, Haraldsson concluiu que os relatos se encaixavam no perfil do morto. E foi além. Vasculhando os registros da necropsia de Jinadasa, apurou que o atropelamento havia ferido o fabricante de incenso no lado esquerdo do abdome — mesmo local onde o corpo da menina Purnima exibia manchas brancas de nascença.
TRÊS DÉCADAS DE REENCARNAÇÃO
Haraldsson identificou um padrão nessas narrativas. Na maioria dos casos, elas aparecem entre 2 e 5 anos e são comuns os relatos de morte violenta. Algumas das crianças pedem para conhecer os familiares da suposta outra vida. Outras, vão além. “Vocês não são meus pais de verdade” foi o que Dilukshi Nissanka passou a dizer desde que tinha três anos, para a tristeza de sua família, em Veyangoda, no Sri Lanka. A menina insistia em rever sua “outra mãe”, dizendo que seu nome verdadeiro era Shiromi e que havia se afogado num rio. Depois que a história foi publicada num jornal local (casos de reencarnação fazem tanto sucesso na imprensa popular do Sri Lanka como as mulheres-fruta nos nossos tabloides), os pais da garota foram contatados por uma família de outra cidade: eles contaram que, anos antes, a família havia perdido uma filha chamada Shiromi, afogada em um rio. Examinando declarações da garota antes do encontro entre as famílias, Haraldsson constatou que Dilukshi acertara várias informações sobre a família de Shiromi, como a região em que viviam, o número de filhos e a paisagem local.
COINCIDÊNCIA?
Apesar de apontar evidências que considera fortes, Haraldsson evita especular sobre se a reencarnação existe ou não em seus estudos. Prefere apresentar os fatos e deixar as interpretações para quem lê. “Sou um pesquisador empírico”, afirma. “Você pode encontrar uma grande correlação entre o que uma criança conta e a vida de alguém que morreu. Isto é um fato. O que significa já é outra questão.”
Haraldsson chegou a testar a hipótese de que os relatos poderiam ser explicados por questões como necessidade de chamar atenção ou transtornos mentais. Mas isso, de acordo com o psicanalista, não é o tipo de coisa que Freud explica. O islandês aplicou testes psicológicos em dois grupos de 30 crianças libanesas, um dos quais dizia se lembrar de outras vidas. O estudo não encontrou diferenças significativas, exceto em um ponto: as crianças que relatavam vida anterior tinham sintomas de estresse pós-traumático. Isso pode ser explicado pelo fato de que 80% delas contavam ter passado por mortes violentas. Real ou imaginário, um acidente mortal ou um homicídio são lembranças difíceis para a mente de uma criança.
MÉTODO
No vídeo abaixo, mostra islandês indo de encontro com outra menina que, por curiosidade, também é no Sri Lanka.
É uma honra ter leitores e leitoras interagindo conosco. Melhor ainda de uma coelhinha