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26 de set. de 2011

O toco mais bonito da história


Existia nessa época, em Atenas, uma mulher de rara beleza, chamada Teódota, que não fazia cerimônias em seguir quem quer que soubesse requisitá-la. Certo dia alguém falava dela e dizia não existirem palavras capazes de exprimir a beleza dessa mulher, que os pintores iam visitá-la com o intuito de toma-lá por modelo e ela não fazia mistério de seus encantos.

_Caramba! Só vendo! - exclamou Sócrates. - Não será ouvindo que se há de ter idéia do que não exprime a palavra.

_Não percamos tempo: acompanha-me - disse o narrador.

Dirigiram-se à casa de Teódota e, encontrando-a com um pintor que lhe estudava as formas, puseram-se a observa-la. Quando o pintor terminou:

_Amigos meus - disse Sócrates -, agradeceremos nós a Teódota o haver-nos deixado admirar sua beleza, ou deverá agradecer-nos ela por havê-la admirado? Se mais prazer teve ela exibindo-se, agradeça-nos ela. Se mais aproveitamos nós admirando-a, agradeçamos-lhe nós.

Tendo-lhe alguém dado razão:

_Admito - disse - que de nós não ganha ela senão elogios. Mas como os publicaremos à boca grande, ser-lhe-ão utilíssimos. Quanto a nós, presas do desejo de tocar o que admiramos, ir-nos-emos mordidos no coração, tomados de arrependimento. Depende, sermos nós escravos e ela soberana.

_Por Zeus! - disse Teódota. _ Se é assim cumpre-me agradecer-vos por vos ter oferecido o espetáculo.

A este ponto, vendo-a Sócrates ricamente adornada e, próxima, sua mãe, vestida de maneira pouco comum, depois numerosas escravas graciosas e enfeitadas, por fim uma casa abundantemente provida de todo o necessário:

_Uma coisa, Teódota - disse-lhe-, possuis terras?

_Nenhuma.

_Então possuis alguma casa que te proporcione rendas?

_Também não.

_Possuis escravos?

_Nenhum.

_De que diabo, então, vives?

_Do que me dão os amigos.

_Por Hera! Cara Teódota, um amigo é uma aquisição e tanto, e mais vale um punhado de 
amigos do que um rebanho de ovelhas, bois e cabras! Mas entregas-te á sorte, esperando que os amigos apareçam como as moscas, ou usas alguns artifícios?

_Como queres que empregue artifícios?

_Muito mais facilmente que as aranhas. Sabes como elas caçam a presa: tecem uma teia sutil e tudo o que nela cai lhes serve de alimento.

_Aconselhas-me, pois, a também tecer uma teia?

_Não penses que sem arte possam caçar-se amigos, a mais preciosa das presas. Não vês quanta astúcia empregam os caçadores para caçar as lebre, muito menos útil? Como as lebres pastem de noite, provêem-se eles de cães que enxerguem no escuro e põem-se na pista da caça. De dia as lebres põem sebo nas canelas, e então se munem eles de outros cães que, ao se recolherem elas do pasto para as tocas, as farejam e desentocam. Tão boas pernas têm as lebres, que mal as acompanha a vista: arranham-se cães, bastante ligeiros para alcançá-las na corrida. No entanto, algumas há que escapam: armam-se laços nas sendas por onde fogem para que neles caiam e sejam apanhadas.

_Mas que meio usarei para caçar amigos?

_Em vez de cão é preciso ter alguém que rastreie os ricaços apreciadores da beleza e, uma vez encontrados, excogite meios de os atrair a teus laços.

_que laços tenho eu?

_Um único, é verdade, mas o mais enextrincável de todos: teu corpo. e nesse corpo uma alma que te inspira o feitiço do olhar, a sedução da palavra, te ensina a receber quem te requisita, repelir quem te desdenha, visitar solícita um amigo doente, felicitar com calor quem bem se tenha portado, reconheçer de toda a alma as homenagens que te rendem. Sei que um amante te demonstra tanta ternura quanto benevolência. E se tens amantes ilustres, menos não os encantam tuas ações que tuas palavras.

_Juro-te_ declarou Teódota_ que não lanço mão de nenhum desses meios.
_Contudo, não é diferente saber tratar cada um conforme seu caráter, pois não é pela força qu se granjeia ou conserva um amigo: benevolência e prazer são o visgo que apreende e retém essa caça.

_Dizes a verdade.

_A uma, não peças aos que te solicitam mais do que poderiam dar. A outra, paga-os na mesma moeda. Assim te amarão mais, permanecereis unidos por mais tempo e far-te-ão maiores larguesas. Para agradá-los, nada melhor que conceder-lhes apenas o que desejam ardentemente. Vês que, serviços a quem não tenha apetite, nenhum sabor apresenta os mais delicados manjares e inspiram desgosto a convivas fartos, enquanto deliciosos se apresentam os alimentos mais simples a quem tem fome.

_Como excitar o apetite dos que me visitam?

_Nada mais lhes oferecendo quando estiverem saciados, não os chamando a uma segunda vez ao repasto da necessidade. Depois, reavivado ao desejo, dando-lhes a entender ser tua cativante familiaridade e teu assentimento um favor todo voluntário e por vezes até evitando-dos para a necessidade tocar o extremo. Muito perdem os favores de preço quando precedem o desejo.

_Pois bem, Sócrates - disse Téodota -, por que não me ajudas a caçar amigos?

_Por Zeus! Com todo o prazer, se a tanto me decidires.

_Decidir-te de que jeito?

_Busca-o tu mesma, e se necessitas de mim o encontrarás.

_Vem, pois, ver-me com frequência.

_Não será fácil encontrar tempo - respondeu Sócrates, zombando a propósito de seus afazeres. _Meus numerosos negócios particulares e públicos não me deixam folgas. Depois, possuo amantes que, graças aos filtros e feitiços que lhes ensinei, não me permitem deixá-las nem de dia nem de noite.

_O quê! Sócrates, sabes confeccionar filtros?

_Por que crês que Apolodoro e Antístenes não me largam um instante? Como julgas que Cebes e Símias se abalam de Tebas para ver-me? Fica sabendo que isso não se consegue sem filtros e encantamentos.

_Empresta-me então um filtro para conquistar-te.

_Essa é boa! Não quero ser conquistado: prefiro conquistar-te.

_Então irei ter contigo, mas hás de receber-me.

_Receber-teia se não tivesses em casa alguém a quem amo mais que ti.


Kakashi diz: Jutso de substituição!