Blog

Blog

7 de mai. de 2011

Meio - Ambiente

Brasil pode regredir em proteção ambiental


Desmatamento na floresta amazônica no estado do Acre por meio do corte e queima de árvores para criação de pastagens.
Reduzir a proteção das florestas é uma antiga aspiração de setores atrasados do agronegócio e de seus representantes no Congresso. Nos últimos anos, parlamentares têm se alternado nesse lobby, sempre associados a entidades ruralistas. Esse movimento voltou com força no início deste ano, focado em alterar o Código Florestal, lei construída desde os anos 1930 para proteger a vegetação nativa, as encostas, as águas e as populações.

Uma proposta redigida com apoio de ruralistas e apresentada pelo deputado federal comunista Aldo Rebelo pode ser votada na Câmara nos próximos dias, promovendo profundas alterações a uma das mais importantes leis ambientais do país. Ele alega que as mudanças atenderão a necessidades da agricultura nacional, especialmente de pequena escala.

Se for aprovado como está, sem levar em conta sugestões da comunidade científica, da sociedade civil e do próprio governo, a avaliação de entidades ambientalistas, agricultores familiares e de pesquisadores é de puro retrocesso e de grave ameaça ao cumprimento de metas internacionais ligadas à conservação da biodiversidade e ao corte de emissões de gases de efeito estufa. Algo péssimo para um país megadiverso que, ano que vem, será anfitrião da Rio+20, evento marcando as duas décadas da Cúpula da Terra (Rio92), sem contar eventos como Copa do Mundo e Olimpíadas.

“O deputado (Aldo Rebelo) criou armadilhas e agendas ocultas nas mudanças que propõe ao Código Florestal. Essa conduta está colocando em risco uma oportunidade histórica de construção de uma legislação que promova a conservação e beneficie realmente a produção rural. A sociedade civil organizada e os cientistas não foram ouvidos. Colocar o texto em votação sem esse processo seria um equívoco grave”, salientou Carlos Alberto de Mattos Scaramuzza, superintendente de conservação do WWF-Brasil.

Entre as “pegadinhas” de Aldo Rebelo, ele dá poder aos mais de 5,5 mil municípios para autorizarem o corte de florestas, inclusive em áreas protegidas, abre brechas para desmatamento em qualquer local voltado à “produção de alimentos”, e onera órgãos públicos obrigando-os a arcar com os custos para averbação de reservas legais – porções de vegetação que devem ser mantidas em cada propriedade rural.

A proposta tramitando na Câmara traz outras ameaças às riquezas naturais de todo o Brasil, não só da Amazônia. Entre elas, consolida desmatamentos ilegais feitos até julho de 2008, reduz a faixa protetora de vegetação na margem de rios e córregos, libera topos de morros e montanhas, serras e bordas de chapadas à criação de gado, permite corte de árvores ameaçadas de extinção, como a araucária, e reduz a função socioambiental das propriedades diminuindo a necessidade de manter vegetação nativa.

"A proposta ruralista cria um regime de exceções e dificuldades que inviabilizará a aplicação da lei. Está claro que não estão buscando soluções de consenso, mas sim impor seus pontos de vista sobre o uso do patrimônio natural brasileiro", ressaltou Scaramuzza.

Atrelado à mobilização nacional por alterações sérias e positivas para o Código Florestal, o WWF-Brasil apoiou a produção da cartilha Código Florestal: Entenda o que está em jogo com a reforma de nossa legislação ambiental. Com argumentos técnicos, científicos e históricos, ela explica as conseqüências das mudanças propostas pelos ruralistas à legislação. Em maio de 2010 e ao lado de outras entidades civis, foi promovido seminário para jornalistas sobre o Código Florestal.

À mesma época, foi lançada a Análise do impacto da aplicação do Código Florestal em municípios de alta produção agrícola, demonstrando manter florestas em áreas de preservação permanente nos municípios de Bento Gonçalves (RS), Três Pontas (MG), Vila Valério (ES) e Fraiburgo (SC) impactaria em apenas 1,5% em sua produção agrícola. Logo, reduzir a proteção das florestas para não travar o agronegócio, como argumentam ruralistas, não tem fundamento prático.

Mais prazo – Sem terem sido ouvidos, cientistas pedem debates amplos e sérios sobre alterações no Código Florestal. Entre julho de 2010 e abril de 2011, pesquisadores ligados à Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e à Academia Brasileira de Ciências (ABC) avaliaram a extensão da terra brasileira destinada à agricultura e as propostas ruralistas de alteração do Código Florestal.

A conclusão foi de que a legislação não serve mais à paisagem do país e precisa incorporar a ciência moderna. Todavia, o substitutivo de Aldo Rebelo piora em muito a situação, pois reduz a proteção das matas nas margens de rios e outros corpos d’água, de topo de morros e de encostas. Essas áreas são fundamentais para a proteção de populações e à conservação da biodiversidade.

“Se for votado da forma como foi proposto, esse será o primeiro Código Florestal elaborado no Brasil, desde 1934, que não tem o aporte da ciência. (Com mais tempo para debate) teríamos a oportunidade de ter uma legislação ambiental do século 21, moderna e iluminada pela ciência”, disse Agência Fapesp Antônio Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Clima em cheque – O Brasil se comprometeu junto às Nações Unidas em cortar cerca de um bilhão de toneladas de suas emissões de gases de efeito estufa até 2020. Mas, se as alterações propostas pela bancada ruralista e capitaneadas pelo deputado Aldo Rebelo forem aprovadas, tal meta vai por água abaixo, bem como a Política Nacional de Mudanças Climáticas. Estudo apresentado no fim de 2010 pelo time de ONGs do Observatório do Clima calcula que podem ser lançadas na atmosfera mais de 25 bilhões de toneladas de gases do efeito estufa com desmatamentos provocados por alterações inconseqüentes do Código Florestal. O montante é mais de 13 vezes as emissões do Brasil em 2007.

Prova disso é que, nas últimas semanas foram registrados desmatamentos de grande porte no estado de Mato Grosso.  Em abril, a fiscalização federal flagrou derrubadas com mais de mil hectares, prática incomum nos últimos três anos. Dados do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) já indicavam uma tendência de alta de 22% do desmatamento e de 225% na degradação florestal da Amazônia entre agosto/2010 e março/2011, em relação ao mesmo período do ano anterior.

Se for aprovado na Câmara, o texto que altera o Código Florestal seguirá para o Senado e sanção presidencial, onde ainda pode ser modificado.