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14 de mai. de 2011

Mitologia Egípcia



Alguns Deuses Egípcios:

OSIRIS: pode-se dizer que foi o senhor do sub-solo. Casado com Isis, e teve dois filhos (Anubis e Horus). Era irmão de Set.

SET: seu domínio era o deserto, senhor das tempestades (areia e chuva). Também foi um grande caçador e traidor.

ISIS: foi uma deusa celestial, mas por ser casada com Osiris, também dominava a Terra. Seria a mais confiável das deusas.

ANUBIS: senhor das almas, da morte, segundo os mitos, teria a face de um chacal. Era filho de Osiris.

ATON: o povo egípcio seguia o politeísmo, porém durante a dinastia do faraó Akienatón, que foi um faraó monoteísta, considerou esse deus como sendo o único Deus verdadeiro, sabe-se que esse faraó era membro da Grande Fraternidade Branca existente no Egito e ramificada na Palestina.

NÉFTIS: deusa da escuridão, das trevas, senhora do poder oculto e do poder das sombras.

TÔT: considerado o sábio dos sábios, era chamado como o deus do conhecimento, da sabedoria, segundo a lenda, todo o conhecimento universal demandava desse deus.
ANÚBIS

Qual estrela reinventado a imanência da sua luz no cosmos da imortalidade, onde a mítica constelação da vida se traduzia e renovava num fulgor eterno, Anúbis (Anupu em egípcio) iluminava a noite do panteão egípcio enquanto pilar que sustinha o templo de um mito intemporal que prometia às almas a eternidade. Escravizados pelo alento de vogarem no regaço da imortalidade, superando os próprios limites da existência, os Egípcios conceberam a arte do embalsamamento, que, ao conservar os seus corpos, os arrebatava ao abominável espectro da deterioração, tal como sugere uma das muitas inscrições talhadas sobre os caixões: “Eu não deteriorarei. O meu corpo não será alimento dos vermes, pois ele é durável e não será aniquilado no país da eternidade”. Esta arte divina, apta a enfeitiçar o tempo, tornando-o escravo daqueles que a ela recorriam, era ditada, reinventada e abençoada por Anúbis, guardião das sublimes moradas da eternidade, Soberano das mumificações e embalsamamentos, intermediário entre o defunto e o tribunal que o aguardava no Além e deidade cuja aparência é estigmatizada pelas incumbências de que é investido. Por conseguinte, e numa flagrante evocação dos cães e chacais que velavam pelas inóspitas e desérticas necrópoles, esta divindade surge como um animal da família dos Canídeos ou, então, como um homem detentor de uma cabeça de chacal. A mitologia egípcia revela-nos que Anúbis era fruto de uma ilegítima noite de amor vivida por Osíris nos braços de Néftis. A lenda revela-nos que tão inusitada união dera-se quando do retorno do então Soberano do Egito ao seu magnífico país. Extenuando de uma viagem que o mantivera longe da sua pátria por uma eternidade, Osíris ardia em desejo de sentir o Sol que raiava no olhar de Ísis despir a mortalha de nuvens, tecida pela saudade, que vestia e sufocava os céus de sua alma. Ao vislumbrar Néftis, o deus enlaça-a então em seus braços, tomando-a pela sua esposa. E os seus sentidos, cegos pela paixão, revelam-se impotentes para lhe desvendar a traição que ele cometia, antes desta encontrar-se consumada. Graças a uma coroa de meliloto abandonada por Osíris no leito de Néftis, Ísis abraça a percepção de que o seu amado esposo havia-lhe sido infiel e, desesperada, confronta a sua irmã, que lhe revela que de tão elidias núpcias nascera um filho, Anúbis, o qual, temendo a cólera do seu esposo legítimo, Seth, ela havia ocultado algures nos pântanos. Ísis, a quem não fora concedido o apanágio de conceber um filho de Osíris, enleia então a resolução de resgatá-lo ao seu esconderijo, percorrendo assim todo o país até encontrar a criança. Ato contínuo, e numa notória demonstração da benevolência que lhe era característica, a deusa amamenta Anúbis, criando-o para tornar-se o seu protetor e mais fiel companheiro. A lenda de Osíris comprova que Ísis foi coroada de sucesso, uma vez que, após o desmembramento do corpo de seu esposo, Anúbis voluntariou-se prontamente para auxiliar a deusa a reunir os inúmeros fragmentos do defunto. Posteriormente, Anúbis participa com igual dedicação nos rituais executados com o fim de restituir a Osíris o sopro de vida e que lhe facultaram a concepção da primeira múmia, fato que legitimou a sua conversão no venerado deus do embalsamamento, eterna guia do defunto no Além. A sua crescente influência garantiu-lhe um posto relevante no tribunal composto por quarenta e dois juizes que julgava os recém-inumados. De fato, é ele quem conduz o morto até Osíris, apresentando-o ao tribunal por ele presidido, para de seguida proceder à pesagem do coração. Se porventura o morto desejar mais tarde regressar a terra, é Anúbis quem ele tem a obrigação de notificar previamente, dado que esta surtida só será exeqüível com o seu consentimento expresso, formalmente consignado sob a forma de um decreto. As suas múltiplas funções permitem a este deus deter diversas denominações, embora todas elas se encontrem intrincadamente relacionadas com o seu papel na vida póstuma dos egípcios. Assim, Anúbis é reconhecido como “o das ligaduras”, como patrono dos embalsamadores, “presidente do pavilhão divino”, enquanto soberano do edifício onde a poesia da mumificação era declamada por peritos, senhor da necrópole” ou então “aquele que está em cima da montanha”, designações que exaltavam a sua posição enquanto guardião dos túmulos e condutor dos defuntos nos traiçoeiros labirintos do mundo inferior. Como tal, não é de todo inusitado o rol interminável de hinos e preces a ele destinado, que encontramos não raras vezes nas paredes das mastabas mais antigas e igualmente no famigerado “Texto das Pirâmides”. Anúbis constitui igualmente a deidade tutelar da décima sétima província do Alto Egito, cuja capital, Cinopólis (“A Cidade dos Cães”), era o âmago do seu culto, não obstante a sua imagem ser também uma constante em relevos e textos figurativos existentes nas sepulturas reais ou plebéias do vale do Nilo. Com efeito, ao longo de toda a época faraônica, Anúbis usufruiu uma inefável popularidade que se refletiu na sólida implantação do seu culto nos díspares centros religiosos do país, particularmente em Tebas ou Mênfis. Em Charuna, localidade próxima do seu principal santuário, deparamo-nos com uma necrópole de cães mumificados, os quais eram venerados enquanto animais sagrados do deus. Mas afinal que arte era esta que Anúbis protegia e representava? Originalmente, antes de haverem alcançado o seu meticuloso método de mumificação, os Egípcios envolviam os seus defuntos numa esteira ou pele de animal, visando que o calor e o vento dissecassem os cadáveres. Após um moroso processo evolutivo, os embalsamadores conseguiram enfim obter de forma artificial tal conservação natural, mediante um prolixo tratamento, que se prolongava por setenta dias. Uma vez ser necessário quantidades abundantes de água para lavrar os corpos, este ritual era realizado na margem Ocidental do rio Nilo (a considerável distância das habitações), onde os embalsamadores trabalhavam numa tenda arejada. Ultimado o referido período de tempo, os defuntos seguiam para as designadas “Casas de Purificação”, meras salas reservadas para as práticas de mumificação, onde cada gesto dos embalsamadores era talhado no olhar vigilante dos sacerdotes. Segundo inúmeros baixos-relevos e pinturas, estes primeiros ostentavam máscaras com a efígie do deus-chacal Anúbis, a deidade protetora dos mortos, talvez num desejo de atrair a sua benevolência.

ÁTON

Saciados os céus no faustoso festival de luz que exaltava o excelso palácio do dia, o Sol abdica do seu eterno trono de turquesas e, velando a sua mística silhueta d’ ouro com as exóticas sedas do poente, estira-se languidamente no lendário tálamo do horizonte, preludiando a noite que já brotava no Infinito. À semelhança de tantas outras civilizações da Antiguidade, os egípcios veneravam o Sol como a mais importante deidade da sua inebriante religião, prestando-lhe um culto sincero e apaixonado enquanto deus primordial, ourives da criação que nos primórdios da existência talhara a jóia do universo, fonte da vida e alimento perpétuo. No panteão egípcio, inúmero são as deidades que encarnam o sublime regente dos céus, e, em particular, o seu rutilante centro de luz ou a força criadora que em seu extasiante esplendor se renovava, como é o caso de Horakhti, “o Hórus do Horizonte”, identificável como um homem de cabeça de falcão, sobre a qual repousa um disco solar; ou Ámon-Rá, deidade venerada em Tebas, cujo fastígio de luz, cálice solar derramado ao florir da aurora, sublimava o firmamento e conduzia a humanidade até à apoteose divina. Todavia, o desejo de se designar o astro-rei em si ou de evocar o disco solar somente era satisfeito através do pronunciar de uma única palavra: Áton. Enquanto variante aperfeiçoada de Ré-Horakthi, Áton era já alvo de um culto modesto mesmo antes da radical subversão de Akhenaton. Na realidade, as primeiras menções ao seu nome, enquanto designação do globo luminoso, data do Antigo Império, podendo ser encontrada no “Textos das Pirâmides”. Porém, é somente na 18ª dinastia, mais exatamente no reinado de Amenófis III, que Áton torna-se centro de um desafio a toda a realidade conhecida, ao satisfazer o desejo deste faraó e, de seguida, do seu filho Amenófis IV, de centrar a religião egípcia num único deus. Mas que caminhos trilhou Áton até alcançar o estatuto supremo, ou seja, o de divindade dinástica? Ao longo de dezessete anos, a alma do Egito ardeu no cálido e conturbado vórtice de uma revolução, fruto de paixões fervidas e imensuráveis, concebidas por um coração eivado de poesia e espiritualidade: o de Akhenaton, “O Herético”, faraó cujo reinado se encontra envolto num obscuro véu de densos enigmas, propiciados pela escassez de materiais históricos concretos. Fruto da união entre o faraó Amenófis III e a rainha Teie, Amenófis IV galgou as veredas da infância e os labirintos da adolescência entre o fastígio do imponente palácio tebano de Malgatta, onde se submeteu a uma educação rigorosa, que visava despertar e esculpir, diligentemente, não somente as suas faculdades intelectuais, como as suas capacidades físicas. O seu mentor, Amenotep, filho de Hapu, inculcou no espírito algo sonhador do jovem príncipe o respeito pela Luz Criadora, cujo fulgor animava igualmente os deveres sagrados inerentes ao trono, que Amenófis IV ocupou em 1364 a.C., quando detinha apenas quinze anos. A seu lado, resplandecia uma jovem de beleza esplendorosa, Nefertiti, a quem, todavia, se havia unido por imposição de dirigentes egípcios, que ignoravam a devastadora paixão que entrelaçaria, posteriormente, as almas dos dois soberanos. Esta jovem rainha, Nefertiti, cujo nome significa “a bela veio”, pertencia, segundo a opinião de diversos historiadores, a uma famigerada família de um poderoso elemento da corte, versão contestada por alguns que afirmam que a soberana era na realidade filha de Amenófis III.

ÁMON

Entre os cerúleos pilares de lápis-lazuli do enleante templo dos céus, o Sol, sedutor feiticeiro do Infinito, transfigurava, através da mística alquimia da luz, a noite da inexistência, perpétua algoz da alma humana, no resplandecente dia da vida eterna. E seus lábios luzentes, pétalas de luz da fragrante rosa de fogo que a aurora desfolhava sobre o leito do horizonte, na ânsia de perfumar as núpcias do céu e da terra, albergavam o berço da humanidade e a matriz da perfeição universal. No Antigo Egito, Ámon-Ré, imanente encarnação do astro-rei, era soberano do sublime éden de fruição espiritual, de cujo seio de apoteoses divinas brotava o fruto da harmonia cósmica que deuses e homens cobiçavam. Ávidos de saciar a sua sede no néctar de paz intemporal dele resvalado, estes coroavam os céus com arco –íris talhados em hinos esplendorosos que exaltavam a magnificência do excelso regente dos deuses: “Único é o oculto que permanece velado para os deuses, sem que a sua verdadeira forma seja conhecida. Nenhum deles conhece a sua verdadeira natureza que não é revelada em nenhum escrito. Ninguém o pode descrever, é demasiado vasto para ser apreendido, demasiado misterioso para ser conhecido. Quem pronunciasse o seu nome secreto seria fulminado.” (Hino a Ámon). Todavia, oráculo algum preconizara que tal deidade, quase escrava do anonimato total no Antigo Império, viria a coroar-se “rei dos deuses” (nesu-netjeru) e incontestável soberano do vasto reino dos céus. Com efeito, é apenas no decorrer do Médio Império, que Ámon, efígie do Sol criador, após haver vagueado, enquanto peregrino de luz, pelos ignotos céus do desconhecimento, alcança por fim o santuário de magia imarcescível, erguido no horizonte da fé em honra do panteão egípcio, onde, volvida uma viagem mágica, que lhe permitiu a absorção de diversas outras deidades, o deus solar renasce, cantando a Aurora do seu poder como divindade nacional, dinástica, universal e criadora. Os jardins onde a mitologia egípcia semeou as origens de Ámon constituem ainda um paraíso proibido, cujos encantos florescentes se oferecem somente à nossa Imaginação nômade. Porém, alguns egiptólogos crêem que originalmente Ámon não era senão uma deidade do ar, que no Infinito nas crenças egípcias, partilhava as características de Chu, estatuto do qual não jamais se viu privado, mesmo após a sua meteórica ascensão até ao trono celeste. É, de fato, como rosa de vento, orvalhada de doces brisas, que Ámon desabrocha para a Primavera da popularidade na região tebana de Ermant. Esta teoria é, contudo, contestada por uma fração oponente, a qual defende que Ámon, na realidade, floresceu na mitologia egípcia enquanto um dos membros da Ogdóade de Hermopólis, formando assim com Amonet, sua parceira feminina, um dos quatro casais que a constituíam. Nesta representação, Ámon e a sua esposa encarna os princípios primordiais, suspensos nos braços da escuridão, que se transfiguravam num hipotético dinamismo criador. A introdução de Ámon na região tebana ofereceu-lhe uma inaudita ascensão no seio da Ogdoáde, ao indigitá-lo líder dos deuses que a formavam.

HÓRUS

Hórus, mítico soberano do Egito, desdobra as suas divinas asas de falcão sob a cabeça dos faraós, não somente meros protegidos, mas, na realidade, a própria encarnação do deus do céu. Pois não era ele o deus protetor da monarquia faraônica, do Egito unido sob um só faraó, regente do Alto e do Baixo Egito? Com efeito, desde o florescer da época história, que o faraó proclamava que neste deus refulgia o seu ka (poder vital), na ânsia de legitimar a sua soberania, não sendo pois inusitado que, a cerca de 3000 a. C., o primeiro dos cinco nomes da titularia real fosse exatamente “o nome de Hórus”. No panteão egípcio, diverso são as deidades que se manifestam sob a forma de um falcão. Hórus, detentor de uma personalidade complexa e intrincada, surge como a mais célebre de todas elas. Mas quem era este deus, em cujas asas se reinventava o poder criador dos faraós? Antes de mais, Hórus representa um deus celeste, regente dos céus e dos astros neles semeados, cuja identidade é produto de uma longa evolução, no decorrer da qual Hórus assimila as personalidades de múltiplas divindades. Originalmente, Hórus era um deus local de Sam- Behet (Tell el- Balahun) no Delta, Baixo Egito. O seu nome, Hor, pode traduzir-se como “O Elevado”, “O Afastado”, ou “O Longínquo”. Todavia, o decorrer dos anos facultou a extensão do seu culto, pelo que num ápice o deus tornou-se patrono de diversas províncias do Alto e do Baixo Egito, acabando mesmo por usurpar a identidade e o poder das deidades locais, como, por exemplo, Sopedu (em zonas orientais do Delta) e Khentekthai (no Delta Central). Finalmente, integra a cosmogonia de Heliópolis enquanto filho de Ísis e Osíris, englobando díspares divindades cuja ligação remonta a este parentesco. O Hórus do mito osírico surge como um homem com cabeça de falcão que, à semelhança de seu pai, ostenta a coroa do Alto e do Baixo Egito. É igualmente como membro desta tríade que Hórus saboreia o expoente máximo da sua popularidade, sendo venerado em todos os locais onde se prestava culto aos seus pais. A Lenda de Osíris revela-nos que, após a celestial concepção de Hórus, benção da magia que facultou a Ísis o apanágio de fundir-se a seu marido defunto em núpcias divinas, a deusa, receando represálias por parte de Seth, evoca a proteção de Ré-Atum, na esperança de salvaguardar a vida que florescia dentro de si. Receptivo às preces de Ísis, o deus solar velou por ela até ao tão esperado nascimento. Quando este sucedeu, a voz de Hórus inebriou então os céus: “ Eu sou Hórus, o grande falcão. O meu lugar está longe do de Seth, inimigo de meu pai Osíris. Atingi os caminhos da eternidade e da luz. Levanto vôo graças ao meu impulso. Nenhum deus pode realizar aquilo que eu realizei. Em breve partirei em guerra contra o inimigo de meu pai Osíris, calcá-lo-ei sob as minhas sandálias com o nome de Furioso... Porque eu sou Hórus, cujo lugar está longe dos deuses e dos homens. Sou Hórus, o filho de Ísis.” Temendo que Seth abraçasse a resolução de atentar contra a vida de seu filho recém-nascido, Ísis refugiou-se então na ilha flutuante de Khemis, nos pântanos perto de Buto, circunstância que concedeu a Hórus o epíteto de Hor- heri- uadj, ou seja, “Hórus que está sobre a sua planta de papiro”. Embora a natureza inóspita desta região lhe oferecesse a tão desejada segurança, visto que Seth jamais se aventuraria por uma região tão desértica, a mesma comprometia, concomitantemente, a sua subsistência, dada a flagrante escassez de alimentos característica daquele local. Para assegurar a sua sobrevivência e a de seu filho, Ísis vê-se obrigada a mendigar, pelo que, todas as madrugadas, oculta Hórus entre os papiros e erra pelos campos, disfarçada de mendiga, na ânsia de obter o tão necessário alimento. Uma noite, ao regressar para junto de Hórus, depara-se com um quadro verdadeiramente aterrador: o seu filho jazia, inanimado, no local onde ela o abandonara. Desesperada Ísis procura restituir-lhe o sopro da vida, porém a criança encontrava-se demasiadamente débil para alimentar-se com o leite materno. Sem hesitar, a deusa suplica o auxílio dos aldeões, que, todavia se relevam impotentes para a socorrer.

HÁTHOR

Amor... Rutilante véu de estrelas que veste de luz o corpo de pérolas negras da noite da humanidade... Rosa de fogo, orvalhada por uma poesia em chamas, despontando nos jardins do horizonte, para almas vagantes inebriar com o perfume de um imortal Sol de felicidade... Cálice de sonhos e feitiços derramados sobre os corações dos Antigos Egípcios pela sensual Háthor, soberana de um éden de felicidade perene, em cujo esplendor brotava o cobiçado fruto do amor, nascia a maviosa nascente da música, em cujas águas vogava a sensualidade das danças, desabrochavam as orquídeas selvagens do erotismo e brincava a doce brisa da alegria. Sua alma, cosmos de amores constelados, renovava-se nos semblantes de todas as apaixonadas que devotadamente a inundavam de preces ardentes, na esperança de escravizarem o coração dos seus amados e, por conseguinte, alcançarem “a felicidade e um bom marido”. Venerada em Dendera por nas suas mãos divinas florescer o amor, a bela deusa, filha de Rá, inúmeras vezes representada sob a forma de uma vaca, desempenhava, tal como sucedia a um rol imensuráveis de outros deuses díspares papéis, em diferentes zonas do Egito. Podemos afirmar que as suas origens remontam a uma época longínqua da história, já que a deusa consta do documento egípcio mais antigo conhecido até ao momento: a “Paleta de Narmer”, cuja leitura nos permite conhecer a unificação do Egito por Narmer, primeiro faraó da I Dinastia, acontecimento que constitui a inauguração da instituição faraônica. Ambas as faces destes documentos estão ornadas com cabeças de vaca que, tal como referido anteriormente, simbolizam a deusa Háthor. No Delta, é associada ao céu, sustendo o disco-solar no seu toucado, enquanto, em Tebas, surgia como uma deusa da morte. Enquanto protetora da necrópole tebana, Háthor é representada como uma vaca emergindo de uma montanha escarpada que simboliza a falésia onde estão escavados os túmulos. Aqueles que se aproximavam da morte, suplicavam, assim, pela sua proteção, ao longo das suas viagens até ao além. Com efeito, tal como a maioria das divindades egípcias, Hátor sabia mostrar-se cruel e devastadora. Tomemos como exemplo uma das lendas, que procura explicar as mudanças de estação, na qual, após uma feroz discussão com o seu pai, Hátor refugia-se no deserto, permitindo que as trevas invadissem a terra, uma vez que o Sol somente ocuparia o seu legítimo lugar, quando a deusa retornasse. A euforia rasga tão profundo pesar, quando, persuadida por seu pai, Hátor regressa, enfim, banindo a noite. Em torno desta personagem, tece-se ainda outra narrativa, notavelmente, violenta. Indignado por a humanidade lhe haver desobedecido, Rá toma a decisão de massacrá-la, enviando, para este fim, a sua filha, tornada num olho solar fulminante. Porém, ao contemplar a devastação que a sua filha causava, Rá compadece-se daqueles que lhe haviam desobedecido e toma a resolução de por fim a tão hediondo crime. Deste modo, convida a sua filha a sorver uma cerveja cor de sangue, que, além de a embriagar, lança-a num sono profundo. Ao despertar, a sua cólera insaciável havia-se desvanecido, pelo que os derradeiros sobreviventes da sua chacina permaneceram incólumes.

ISÍS

Nenhuma personalidade do panteão egípcio pode rivalizar com a deusa Ísis, sublime essência da alma de uma das mais excelsas e proeminentes civilizações da antiguidade e maga detentora do esplendor ofuscante que a conduziu até ao auge da popularidade. Surgindo na teologia heliopolitana como fruto dos amores entre o céu (Nut) e a terra (Geb), Ísis reinara com uma sabedoria incontestável nas Duas Terras, o Alto e o baixo Egito, muito antes do nascimento das dinastias. O amor que unia Ísis a Osíris em ternos esponsais vestia a sua alma com uma felicidade que abraçava o Infinito. Todavia, em breve a doce melodia que tão mítica perfeição dedilhava na harpa da sua vida seria, pelas trevas, resumida a um rol de acordes dissonantes, orquestrados numa sinfonia de silêncio e dor. Tão vil prelúdio de uma noite sem fim surgiu sob a forma de um convite de Seth, que solicitava afavelmente a presença de seu irmão Osíris num banquete. Sem jamais cogitar que se tratava de uma ímpia conjuração, Osíris não declinou a oferta, colocando-se então à mercê de um execrável assassino. Algures no decorrer do banquete, Seth apresentou um caixão de proporções verdadeiramente excepcionais, assegurando que recompensaria generosamente aquele que nele coubesse. Imprudente Osíris aceitou prontamente o desafio, permitindo que Seth e os seus acólitos pregassem a tampa e conseqüentemente o tornassem escravo da morte. Cometido o hediondo crime, o assassino Seth, que cobiçava ocupar o trono de seu irmão, lança a urna ao Nilo, para que o rio a conduzisse até ao mar, aonde veio a perder-se. Este trágico incidente deu-se no décimo sétimo dia do mês Athyr, quando o Sol se encontra sob o signo de Escorpião. Quando Ísis tomou conhecimento do ocorrido, baniu de sua alma todo o desespero que a assombrava e abraçou a resolução de procurar o seu marido, a fim de lhe restituir o sopro da vida. Assim, cortou uma madeixa do seu cabelo, estigma da sua desolação, colocou o seu vestuário matutino e errou por todo o Egito, na ânsia de ver a sua diligência coroada de êxito. Por seu turno, e após haver dançado nas ondas do mar, a urna atingiu finalmente uma praia, perto da Babilônia, na costa do Líbano, enlaçando-se nas raízes de uma jovem tamarindo, cujo prolixo crescimento a prendeu no interior do seu tronco. Ao alcançar o clímax da sua beleza, a imponente árvore atraiu a atenção do rei desse país, persuadindo-o a ordenar ao seu séqüito que a tamarindo fosse derrubado, com o fito de ser utilizado como pilar na sua casa. Em simultâneo com o crescimento da referida árvore, Ísis prosseguia tão exaustiva busca pelo cadáver de seu marido, pelo que, ao escutar as histórias tecidas em torno da surpreendente árvore, tomou de imediato a resolução de ir à Babilônia, na esperança de ultimar enfim e com sucesso a sua odisséia. Ao chegar ao seu destino, Ísis sentou-se perto de um poço, ostentando um disfarce humilde e brindou os transeuntes que por ela passavam com um rosto lavado em lágrimas. Os relatos da sua inusitada condição rapidamente chegaram aos reis da Babilônia, que, intrigados, propuseram-se a conhecer o motivo de tanto desespero. Quando Ísis os viu estancar defronte de si, presenteou-os com saudações cordiais, reverentes e, solicitou-lhes que permitissem que os seus cabelos ela entrançasse. Uma vez que os regentes, embora servos da perplexidade, não impuseram qualquer veto ao seu convite, Ísis uniu o gesto à palavra, incensado as tranças que talhava pouco a pouco com o divino perfume exalado por seu ástreo corpo. Ultimado tão peculiar ritual, a rainha da Babilônia apressou-se a contemplar o resultado final, sendo enfeitiçada pelo irresistível aroma que seus cabelos emanavam. Literalmente inebriada por tão doce perfume dos céus, a rainha ordenou então a Ísis que a acompanhasse até ao palácio. Com a urna em seu poder, Ísis regressou ao Egito, onde a abriu, ocultando-a, seguidamente, nas margens do Delta. Numa noite, quando Ísis a deixou sem vigilância, Seth descobriu-a e apoderou-se, uma vez mais dela, com o intento de retirar do seu interior o corpo do irmão e cortá-lo em 14 pedaços, que foram, em seguida, arremessados ao Nilo. Ao tomar conhecimento do ocorrido, Ísis reuniu-se com a sua irmã Néftis, que não também tolerava a conduta de Seth, embora este fosse seu marido, e, juntas, recuperaram todos os fragmentos do cadáver de Osíris, à exceção, segundo refere Plutarco, escritor grego, do seu sexo, que fora comido por um peixe. Novamente deparamo-nos com alguma controvérsia, uma vez que outras fontes egípcias afirmam que todo o corpo foi recuperado. Ato contínuo, Ísis organizou uma vigília fúnebre, na qual suspirou ao cadáver reconstituído do marido: “Eu sou a tua irmã bem amada. Não te afastes de mim, clamo por ti! Não ouves a minha voz? Venho ao teu encontro e, de ti, nada me separará!” Durante horas, Ísis e Néftis, de corpo purificado, inteiramente depilado, com perucas perfumadas e boca purificada por natrão (carbonato de soda), pronunciaram encantamentos numa câmara funerária ignota, que o incenso queimado impregnava de espiritualidade. A deusa invocou então todos os templos e todas as cidades do país, para que estes se juntassem à sua dor e fizessem a alma de Osíris retornar do Além. Uma vez que todos os seus esforços revelavam-se vãos, Ísis assumiu então a forma de um falcão, cujo esvoaçar restituiu o sopro de vida ao defunto, oferecendo-lhe o apanágio da ressurreição. Seguidamente, Ísis posou no sítio do desaparecido sexo de Osíris, fazendo-o reaparecer por magia, e manteve-o vivo o tempo suficiente para que este a engravidasse. Em contraste, outras fontes garantem que Osíris e a sua esposa conceberam o seu filho, antes do deus ser assassinado pelo seu irmão, embora a versão mais comum seja a relatada, primeiramente. Assim, ao retornar à terra, Ísis encontrava-se agora grávida do filho, a quem protegeria até que este achasse-se capaz de enfrentar o seu tio, apoderando-se (como legítimo herdeiro) do trono que Seth havia usurpado. Alguns declaram que Ísis, algum tempo antes do parto, fora aprisionada por Seth, mas que Toth, vízir de Osíris, a auxiliara a libertar-se. Porém, muitos concordam que ela ocultou-se, secretamente, entre os papiros do Delta, onde se preparou para o nascimento do filho, o deus-falcão Hórus. Quando este nasceu, Ísis tomou a decisão de dedicar-se inteiramente à árdua incumbência de velar por ele. Todavia, a necessidade de ir procurar alimentos, coagiam-na pontualmente a ausentar-se, deixando assim o pequeno deus sem qualquer proteção. Numa dessas ocasiões, Seth transformou-se numa serpente, visando espalhar o seu veneno pelo corpo de Hórus, pelo que quando Ísis regressou da sua diligência, encontrou o seu filho já próximo da morte. Todavia, a sua vida não foi ceifada, devido a um poderoso feitiço executado pelo deus - sol, Ra. Dada a sua devotada proteção, Ísis era constantemente representada na arte egípcia a amamentar tanto o seu filho, como os faraós. Sendo um dos mais populares vultos da mitologia egípcia, cujo nome é representado por um trono (e crê-se que terá mesmo esse significado), Ísis assume o lugar de deusa da família e do casamento, a quem foram concedidos extraordinários poderes curativos, empregues, essencialmente, para salvar crianças de mordeduras de cobras. Devido às suas qualidades maternais, surge, por vezes, com a forma de uma porca ou de uma vaca, o que leva a que seja confundida com Háthor (deusa do amor), com quem, na realidade, se fundiu, na Época Baixa (664-332 a.C./ XXVI- XXX Dinastias), período de tempo em que o seu culto atingiu o auge. Deste modo, o seu culto proliferou-se por toda a bacia mediterrânea, na qualidade de Ísis-Afrodite, o que demonstra bem a forma como os romanos lhe prestavam culto, esculpindo imagens em sua homenagem, nas quais ela surgia, muitas vezes, com uma túnica que flutua ao vento e com um toucado composto por espigas, chifres de vaca, um disco solar e penas de avestruz. Exasperada por Rá se negar a atender á sua reivindicação, Ísis solicitou, novamente: “Diz-me o teu nome, meu divino Pai! Porque o homem só revive quando é chamado pelo seu nome!” Escravizado pelo desespero, a personificação da luz oferece a Ísis um rol interminável de nomes falsos, na ânsia de que a deusa não alcançasse a percepção de que ele procurava ludibriá-la. Todavia, Ísis replicou: “ O teu nome não está entre aqueles que citaste! Diz-me e o veneno abandonará o teu corpo, porque o homem revive quando o seu nome é pronunciado.” Subjugado pela dor, Rá aceita o ultimato, mesmo sabendo que tal concederia a Ísis autoridade sobre a sua pessoa. Num suspiro, declara então: “Olha, minha filha Ísis, de modo que o meu nome passe do meu corpo para o teu... Mal ele saia do meu coração, repete-o ao teu filho Hórus, submetendo-o a um juramento divino!” Na realidade, todas as deusas egípcias possuíam esta dualidade, que as colocava entre a crueldade extrema e a indulgência infinita, num jogo de luzes e sombras que não as impediram de ser adoradas através dos tempos. A sua imagem é omnipresente e tanto cobre os suntuosos santuários do Vale do Nilo, como os mais íntimos testemunhos de devoção pessoal. Porém, ao percorrermos o Egito, deparamo-nos com três locais particularmente abençoados com a magia de Ísis: Behbeit el-Hagar, no Delta, onde um suntuoso templo foi erigido em honra de Ísis. Malogradamente, o halo de magia e espiritualidade que nimbo esta excelsa deidade revelou-se impotente para deter aqueles que, não votando qualquer respeito pela sua índole sagrada, cometeram a ignomínia de destruir tão colossal santuário, onde os céus se refletiam e renovavam num jogo divino, a fim de o transformar numa pedreira. Conseqüentemente, Behbeit el-Hagar é na atualidade um local quase literalmente desconhecido dos turistas e que semeia uma franca desilusão nos corações dos intrépidos que ainda o ousam visitar, pois a grandeza daquele que fora outrora um templo dedicado a uma divindade verdadeiramente excepcional resume-se agora a um monte de escombros e blocos de calcário ornados de cenas rituais. Dendera, no alto Egito, eterno berço de feitiços onde Ísis desabrochou para a vida, onde nos deparamos com um santuário de Háthor parcialmente conservado, com um templo coberto e com o mammisi, ou seja, “(templo do nascimento de Hórus), assim como com um exíguo santuário, onde a etérea Ísis nasceu, deslumbrando o mundo com sua pele rosada e revolta cabeleira negra”. Filae, ilha-templo de Ísis, que serviu de refúgio à derradeira comunidade iniciática egípcia, mais tarde (séc. VI d.C., mais precisamente) exterminada por cristãos escravos do fanatismo.

MAET

Verdade... Etérea harpista de Sol que ritualiza em seu mavioso tocar o florir do dia numa Primavera de Luz, mera melodia de manhãs intemporais, cuja harmonia divina recria a ordem universal, inebria a humanidade com a sabedoria ancestral, semeia no jardim do mundo a rosa da justiça e coroa a árvore da vida com as excelsas flores do equilíbrio cósmico...No Antigo Egito, longe de constituir um conceito trivial isento de sentido ou alma, quiçá uma utopia impressiva banalizada pelo tempo, a "Verdade" surgia como o mais sublime caminho para a fruição espiritual. Encarnada pela deusa Maet, a verdade é assim sinônimo de retidão, lealdade, justiça, em suma, de todos os princípios básicos que asseguram não apenas o equilíbrio cósmico, mas igualmente o aperfeiçoamento intelectual e espiritual do indivíduo. É, por conseguinte, graças ao equilíbrio oferecido por Maet que o mundo organizado mantém a sua integridade e o Universo conserva a harmonia que lhe fora concedida no ato da Criação. Maet parece suspirar-nos que a verdade, a vida e o conhecimento deveriam constituir a nossa religião primordial, que a Justiça deveria por nós ser eleita dogma universal e o que bem e a liberdade deveriam ser abraçados como a base das nossas preces. A deusa Maet, simultaneamente filha e mãe de Rá, num eterno reinventar de um cosmos renascido, era representada como uma jovem elegante, portadora de uma cabeleira que acariciava graciosamente os seus ombros. Na sua cabeça, a deusa ostentava uma pena de avestruz, empregue igualmente pelos egípcios de forma isolada, como símbolo da deusa Maet (nome próprio ) ou do conceito de verdade em si (nome comum). Em suas mãos, a deusa acolhe alguns dos mais eficazes símbolos profiláticos, como é o caso do uase ou uadj, ceptros também empunhados por diversas outras deidades do panteão egípcio. Principio sagrado entre os egípcios, Maet consistia num rito incontornável não apenas para os simples mortais, mas também para os faraós e até mesmo para os deuses. Com efeito, a maviosa melopeia entoada por esta deusa era brisa sagrada que alimentava, inebriava e renovava os sentidos das restantes deidades, permitindo-lhes assim preservar a harmonia universal que ela encarna. O culto diário prestado aos deuses conhecia o seu apogeu com a oferta de Maet. Relevos de determinados templos tardios permitem-nos conquistar o tempo e, na mais sagrada lacuna da Imaginação, reviver as intrínsecas cerimônias do ofertório, legadas à eternidade nas paredes do mais íntimo dos santuários. Extasiados, quase abraçamos a prerrogativa de encarnar o sacerdote oficiante, eterno representante do faraó, que num rito pleno de magia oferece Maet, sob a forma de uma figurinha transportada num pequeno cesto, à deidade local, saciando assim a sua sede no cálice da ordem Universal, que o entoar de um hino derrama docemente: "(...) Salve a ti, que estás provido de maet, autor do que existe, criador do que és. (...) Tu surges com Maet, tu unes os teus membros em Maet (...)". É de fato graças a este ritual de uma beleza inefável que Maet, não residindo em nenhum templo específico, se encontra presente em todos os santuários do Vale do Nilo. A presença de Maet, embaixatriz da Verdade e da Justiça, revelava-se vital para o bom funcionamento do tribunal osírico, uma vez que, caso privado da sua benção, os defuntos seriam alvo de um julgamento iníquo e imparcial. Conduzidos por Anúbis, o deus da cabeça de chacal, os defuntos compareciam diante do tribunal de Osíris, onde as suas almas seriam julgadas, revelando o seu destino. O tribunal divino erigia-se na "Sala das duas Justiças", intermediária entre o além e o submundo, rodeado por 42 demônios (este valor estava relacionado com o número de distritos- 42- que dividiam o Egito Antigo). Perante cada uma destas temíveis entidades, o morto deveria declarar-se inocente de um pecado, resumindo-se estas 42 faltas em algumas categorias distintas: blasfêmia, perjúrio, assassínio, luxúria, roubo, mentira, calúnia e falso testemunho. Para alcançar a absolvição, os réus deveriam não somente afirmar que haviam alimentado os esfomeados, saciado a sede dos sequiosos, entregue roupas àqueles que não as possuíam e concedido auxílio na travessia de um rio a quem não detinha qualquer embarcação, mas igualmente permitir que o seu coração fosse pesado, uma vez que este representava, para os egípcios, o cerne real da personalidade, a base da razão, da vontade e da consciência moral. Desta forma, sobre a vigilância de Anúbis, o coração do defunto (ib) é depositado num dos pratos de uma balança, confrontando o seu peso com o de uma pena de avestruz, símbolo de Maet. Esta prova, a que ninguém se pode eximir para aceder ao reino de Osíris, permite determinar se a alma do defunto se encontra em conformidade com Maet, isto é, se de fato, nela impera a harmonia oferecida pelo cumprimento das normas morais e espirituais que regem a sociedade. Enfim, os resultados seriam registrados por Toth, deus da escrita, para, em seguida, serem comunicados por Hórus a seu pai Osíris, que absolveria o morto, caso os dois pratos se equilibrassem ou se o seu coração se revelasse mais leve do que a pena. Neste caso, seria oferecido ao falecido um sublime paraíso, localizado a ocidente, onde as espigas de trigo elevavam-se a muitos metros do chão e a vida irradiava uma felicidade ímpar e desmedida. Todavia, a “Grande Devoradora”, um misto aterrador de crocodilo, pantera e hipopótamo acham-se, igualmente, presente em todos os julgamentos esperando, impacientemente, pelo deleite de tragar todos aqueles, cujo coração detivesse um peso excessivo. Atormentados com a perspectiva das suas quimeras de ressurreição serem, abruptamente, devastadas pelo aniquilamento das suas existências, os Egípcios entregavam-se, ao longo das suas vidas, a um imensurável rol de precauções. Deste modo, com o fito de auxiliarem os mortos na sua derradeira diligência ao Império dos Mortos, surgiram inúmeras fórmulas mágicas, que, gradualmente, se reuniram no famigerado "Livro dos Mortos", cujo conteúdo era inculcado num rolo de papiro (embora anteriormente fosse apenas gravado nos caixões ou nas paredes)colocado nos túmulos, junto dos cadáveres. Na realidade, inicialmente apenas os faraós poderiam usufruir as referidas fórmulas de encantamento, mas, mais tarde, estas se proliferaram, igualmente, pelos funcionários e sacerdotes mais bem sucedidos, que, assim, poderiam, enfrentar os inúmeros demônios, emergidos das trevas sob a forma de serpentes, crocodilos gigantes ou dragões, ao longo de toda a viagem. Porém, devido aos seus elevados custos, o "Livro dos Mortos" manteve-se inacessível para as classes mais pobres. Aqueles que o procuravam, poderiam adquirir o "Livro dos Mortos", totalmente pronto, restando-lhes apenas acrescentar o nome do proprietário. A crença popular referia que este documento havia sido concebido pelo próprio Toth, que oferecia aos viajantes o meio de afastarem-se de um passo em falso. Por exemplo, ao serem abordados por um crocodilo, os defuntos deveriam pronunciar as seguintes palavras: "Passa de largo! Vai-te, crocodilo maldito! Tu não te aproximarás de mim, pois eu vivo de palavras mágicas, nascidas da força que está em mim!". Porém, fundidos com estas fórmulas, também foram registrados no "Livro dos Mortos" pensamentos dogmáticos, como o apresentado, seguidamente "O homem deverá ser julgado pela forma como se conduziu na Terra", que representa uma clara divergência para com os restantes textos, divergência esta que pode ser explicada pelo fato desta obra não merecer, de todo, o epíteto de homogênea, uma vez que os seus capítulos acompanharam os díspares estados de evolução das ideologias egípcias. Com efeito, as partes mais antigas desta obra surgem nas paredes da pirâmide do faraó Unas, derradeiras soberano da Quinta Dinastia, enquanto que as mais recentes datam do século VII a.C. Embora não correspondessem já às concepções religiosas dos Egípcios, os textos mais arcaicos do "Livro dos Mortos" nunca foram retirados do mesmo, graças ao respeito que esta civilização dedicava a tudo o que pertencia ao passado. Como conseqüência, esta obra tornou-se, progressivamente, num espelho refletor da evolução da religião egípcia.

NÉFTIS

Qual peregrino de luz, o magnificente Sol da alma humana vagueia, cativo de um rumo fadado pela harmonia cósmica, pela excelsa abóbada celeste da vida, até alcançar, no apogeu da teosofia de seu esplendor, o etéreo santuário da paz eterna, edificado pela imortalidade do espírito sobre as nuvens elísias da sus extinção terrena. Franquear as portas do Ocidente, eternas pátria de luz, onde os justos, despojados da sua mortalidade, celebravam o rito da felicidade intemporal, constituía, no Antigo Egito, o expoente máximo da terrena peregrinação pela beatífica vereda da retidão espiritual. Saciados os céus da alma humana na tempestade do viver, eterno festival de paixões em chama, onde, entre a suntuosidade de um banquete de relâmpagos se brindava à luz da verdade, o corpo, lavado do seu sentir pela chuva da morte, era então convertido em múmia, para que, no fausto de um funeral destinado a contar a natureza eterna do espírito, este vosso sepultado de forma honrosa. Um surpreendente halo de festividade nimbava os funerais, quão clímax da existência, em torno do qual o pensamento dos Egípcios orbitava, entre um rol imensurável de preparativos e economias. Inebriados com promessas de imortalidade, apressavam-se a erguer e ornamentar túmulos, a adquirir os vitais caixões, seguidos de suntuosas imitações de componentes do seu quotidiano, que o defunto desejava que o acompanhassem na sua derradeira viagem. Na realidade, esta ideologia era alimentada por uma fração do produto nacional bruto, que, num ápice, desvanecia-se, entre as mãos de um conjunto econômico, encarregue de ocupar-se da fabricação de determinados arranjos funerários. A oeste das cidades egípcias, palco da extinção do fulgor solar, estende-se a imensidão da orla do deserto, sobre a qual foram, imponentemente, erigidas as sagradas necrópoles, sublimes complexos funerários. Desta forma, perto de Mênfis, saúdam-nos Saqqara, Guiza, Abusir, entre inúmeros outros. Por seu turno, Tebas entregou a sua necrópole à margem ocidental do Nilo, eterna residência de Meretseger, deusa do Ocidente, cujo nome significa “Aquela que ama o silêncio” e que, na realidade, se tornou na perpétua vigilante do deus-chacal Anúbis. Ultimados setenta dias nas moradias dos embalsamadores, o corpo já mumificado é enfim depositado num caixão aberto, faltosamente recamado, que se coloca, de seguida, sobre um carro de arrasto, puxado por uma junta de bois ao longo de todo o soberbo cortejo fúnebre. Precedendo-o, eleva-se a fragrância dos incensos espalhados pelos sacerdotes e os lamentos lancinantes das carpideiras ( elementos vitais num funeral, mas, que, dado o seu elevado custo, eram apenas acessíveis aos mais abastados), que caminham com os cabelos despenteados e os bustos nus; fulguram as jóias, móveis, vestes, cofres e cosméticos, transportados por escravos até à derradeira morada do morto; e escutam-se os passos lentos da família e dos amigos. Uma tempestade de lamentos sacia, num banquete de relâmpagos de dor e trovões de gritados pelo sofrimento, a sacra Natureza espiritual do defunto. Num eterno brinde à saudade, realizado que as lágrimas vertidas pelos céus de seus olhares, as carpideiras recitam fórmulas harmoniosas, que, quais estrelas guias, conduziriam a alma dos entes queridos até ao fecundo paraíso do Além. De facto, estas mulheres, cantoras da deusa Háthor, desfrutavam de um diversificado leque de textos e cânticos, nos quais era evocado o deserto de intempéries que o espírito nômade do defunto teria de atravessar, para alcançar o sublime oásis da regeneração, onde a sua sede de vida seria por fim saciada.

OSÍRIS

Osíris é, indubitavelmente a mais célebre deidade do panteão egípcio e igualmente uma das mais complexas, pelo que não é, pois, de estranhar que os teólogos tenham procurado sintetizar os díspares aspectos desta personagem, através da criação de uma lenda. Para infortúnio de todos os amantes da mitologia egípcia a denominada “Lenda de Osíris” não é relatada integralmente por nenhum documento egípcio, fragmentando-se assim em trechos esparsos que relatam uma ou outra circunstância. Na realidade, a descrição completa das suas aventuras é nos oferecida por Plutarco, filósofo e escritor grego, através da sua obra “Ísis e Osíris”, na qual podemos verificar que a lenda se encontra dividida em três momentos fundamentais: o ímpio assassinato de Osíris; o nascimento e a infância de Hórus, seu filho; e o reencontro entre este e Seth, aquele que lançara Osíris nos braços da morte. Mas quem é afinal este deus, venerado por reis e plebeus, cujo coração encarnava a felicidade eterna, oferecida por seu pulsar a todos aqueles que o escutassem? Osíris despontou do seio da famigerada éneade de Heliópolis, denominação concedida à família divina criada por Átum-Rá, e na qual se reuniam nove poderosas deidades, cujas origens são narrados num mito arcaico da criação: Do caos inerte, que envolvia o universo, sob a forma do primitivo oceano Nun, emergiu uma colina de lodo, na qual pisou, latente no corpo de um escaravelho ou serpente, o deus-criador Átum, "Senhor Uno de nome misterioso", que através do seu sêmen, gerou o primeiro casal divino, constituído por Shu, a atmosfera, e Tefnut, a umidade, os quais, por ser turno, procriaram Geb, a Terra, e Nut, o céu, cujos corpos achavam-se fundidos em eternas núpcias de luz. Devido à intervenção de Ra, a quem desagradava a visão de tal amor, Shu foi coagido a separar o céu e a terra. Porém, ao apartar tão sublimes amantes, o deus estava igualmente a sonhar uma imagem poética, incessantemente, representada pela arte egípcia, na qual, acima de Geb, surge um homem nu, alongado e enfeitado com plumas, erguendo nos braços Nut, de corpo semeado de estrelas. O nascimento de Osíris, fruto dos amores entre o céu e a terra é nos relatado por um mito que não carece de originalidade: Quando o deus-sol Ra abraçou a percepção de que no jardim da alma de Nut, desabrochava a rosa do desejo, cujo perfume incensava os seus encontros clandestinos com Geb, ele tomou a resolução de confiná-lo ao álgido Inferno de uma maldição: a deusa é proibida de dar à luz no período de tempo compreendido pelo calendário oficial. Desesperada, Nut, que se encontrava grávida de quíntuplos, resolve então pedir ajuda a Tot, senhor do tempo, que segundo alguns referem, lhe dedica uma paixão secreta. Após haver meditado sobre todas as soluções plausíveis, Tot enlaça então a resolução de jogar aos dados com a Lua. Abençoado pela Fortuna, o deus ganha a partida e obtém cinco dias suplementares no calendário. Nestes cinco dias, considerados como distintos do ano de doze meses, a maldição perdia o seu efeito, pelo que Osíris pôde enfim sublimar o mundo com seu nascimento, ocorrido no primeiro destes dias. Segundo a lenda, no instante em que Osíris floresceu para a vida, uma voz incendiou os céus com o fogo da seguinte anunciação: “O Senhor de tudo veio ao mundo!”. Algumas fontes referem também que um certo Pamyles escutou uma voz provinda de um templo tebano, que, num grito tonitruante lhe anunciou que o magnânimo Osíris, rei dos céus e da terra, havia nascido. No segundo dos dias suplementares, Nut deu à luz Hórus, o Antigo; no terceiro, o deus Seth; no quarto, Ísis; e, por fim, no quinto, Néftis, desposada por Seth.

TOT

Excelso lótus de névoas diamantinas, irresistivelmente perfumadas pelo mais místico delirar da poesia, que um ósculo da Via Láctea, lascivamente eivado de feitiçaria pagã, semeara nos lábios constelados do Infinito, a Lua saciava a sede de Tot com o orvalho de magia cósmica que as pétalas de seu corpo astral receava, docemente. Seu refulgente olhar de feitiços de prata, supremos vidente dos enigmáticos oráculos do Universo, convidava-o a colher o fruto de imortalidade que abençoava o seu paraíso de luz imaculada, etereamente recamado de nascentes de sapiência ancestral, que se ofereciam, na magnificência de seu esplendor secular, a todos aqueles que se proponham a errar pela noite da vida, guiados pela estrela peregrina do conhecimento, eterna pedra filosofal, esculpida por Tot no apogeu da Criação, que convertia as trevas plúmbeas da ignorância, qual abismo onde somente o caos se manifestava, na luz transcendental, inebriante brisa de ouro, que acariciava o nascimento do jardim da humanidade, a fim de nele depositar a semente da sabedoria divina. Com efeito, Tot era proclamado, pelos fervorosos teólogos de Hermopólis, eterno imo do seu culto, como o lídimo Ourives da Criação, que, qual demiurgo universal encarnara uma íbis, a fim de chocar o ovo do mundo, tingindo de seguida na tela do universo vítreo, a excelsa pintura da vida, numa obra de arte ímpar apenas concebida pela magnificência do som de sua voz.