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18 de out. de 2011

De volta ao passado


Ronda

Quando se pensa no samba de São Paulo, não se deve esquecer de três nomes: Adoniran Barbosa, Germano Mathias e Paulo Vanzolini. Este último, que, além de sambista, é biólogo (ou herptólogo, especializado em cobras e lagartos), compôs um dos maiores clássicos da música brasileira: o samba-canção "Ronda", cujos versos, mais de 50 anos depois, quase todo mundo conhece... "De noite, eu rondo a cidade, a te procurar..." 
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Numa entrevista ao Jornal Folha de São Paulo, Vanzolini disse que muitas vezes, na boemia de São Paulo, via mulheres chegando  na porta de um bar, olharem para dentro, certamente à procura de alguém, e ir embora em seguida. Noutra entrevista, ele contou a inspiração: 

“A coisa mais engraçada é que o povo acha que Ronda é um hino a São Paulo, mas na verdade ela é sobre uma mulher da vida (risos). Naquela época, servindo o Exército, eu patrulhava o baixo meretrício. Uma noite, na saída, eu estava tomando um chopeali pela avenida São João, quando vi uma mulher abrindo a porta do bar e olhando para dentro. Imaginei que ela estava procurando o namorado. Ele pensava que era para fazer as pazes, mas o que ela queria era passar fogo nele (risos).”

O mais interessante é que a música foi escrita em 1945, mas gravada, quase por acaso, em 1953, por Inezita Barroso, quando Vanzolini contou a história numa entrevista no programa Roda Viva:
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"Minha mulher é amiga da Inezita, e nós fomos para o Rio Fazer companhia para ela. Chegou no estúdio da gravação, o cara perguntou: 'E o lado B?' Nonguém tinha pensado em lado B. Aí Inezita diz: 'Eu sei muito da música, posso gravar o que vocês quiserem. Não, mas o autor tem que dar autorização'. O único autor que estava presente era eu; foi por isso que foi gravado Ronda" 
A história da mulher que sai numa busca incansável pelo ser amado, num misto de amor e sede de vingança, pela frustração de não encontrar o homem (que só é encontrado no sonho...), e a esperança de vê-lo... de encontrá-lo feliz, jogando, bebendo, na companhia de outras mulheres, apenas para dar vazão ao sentimento de sangue e de vingança, numa espécie de expiação do amor...

Duas curiosidades adicionais...

Vanzolini diz que muitos japoneses pedem a música nos Karaokês, como... cante a música da "Honda"....
Caetano Veloso, quando compôs Sampa, faz uma homenagem a Ronda, que, para muitos, é um hino extraoficial de São Paulo. A análise está no blog do Bollog: 

Enquanto Vinicius de Morais provocava os amigos, ao dizer que São Paulo era o túmulo do samba, Caetano iniciou sua linda homenagem à cidade de maior força econômica brasileira, enaltecendo seus mitos e seus símbolos. Ele começou SAMPA fazendo uma paráfrase musical de RONDA, do poeta e compositor Paulo Vanzolini (Ronda, que foi lindamente interpretada por Maria Betânia, irmã do poeta e cantor baiano).
Prova disso é que quando João Gilberto toca Sampa, ele sempre inicia com o último verso da criação inesquecível de Vanzolini: “Cenas de sangue num bar na avenida São João”, que musicalmente casa com perfeição com “Alguma coisa acontece no meu coração”. Durante  a música, Caetano retomou esse artifício melódico para deixar claro que não foi uma construção feita por mero acaso

A letra...

RONDA 


De noite eu rondo a cidade
A lhe procurar, sem encontrar
No meio de olhares espio
Em todos os bares
Você não está...

Volto prá casa abatida
Desencantada da vida
O sonho, alegria me dá
Nele você está...

Ah! Se eu tivesse
Quem bem me quisesse
Esse alguém me diria
Desiste, essa busca é inútil
Eu não desistia ...

Porém com perfeita paciência
Volto a te buscar
Hei de encontrar
Bebendo com outras mulheres
Rolando dadinhos
Jogando bilhar...

E nesse dia então
Vai dar na primeira edição
Cena de sangue num bar

O vídeo na voz de João Gilberto...
Fontes: 
" O melhor do Roda Viva -Cultura, organizado por Paulo Markun

Acalanto - De pai para filha. De Dorival para Nana Caymmi

Todos os filhos de Caymmi têm nomes que começam com a letra "D". Danilo, Dori e Dinahir. Mas, por causa de uma música composta por seu pai, até hoje ela é conhecida como "Nana". Nana Caymmi... e para ela foi feita uma linda canção de ninar... chamada Acalanto...
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Os fatos que vou narrar aqui foram contados por Stella Caymmi, neta de Dorival, Filha de Nana, em dois livros: “Dorival Caymmi: o mar e o tempo (editora 34)”, e “O melhor de Nana Caymmi" (Ed. Irmãos Vitale).
Quando Nana Caymmi nasceu, em 29 de abril de 1941, Dorival vivia uma vida intensa de compromissos como cantor. Sua mãe, Stella Maris, cuidava mais de Nana, e, como boa cantora que era, ninava sua filha com músicas do cancioneiro nacional....
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A letra é absolutamente confessional... Nana, de temperamento forte (que veio a se confirmar ao longo da vida) se recusava a dormir, pois já era tarde, e o pai Dorival, impressionado com o desgaste que Stella sofria para colocar Nana para dormir, compôs uma cantiga para fazer a mãe descansar.Dorival, com sua voz inconfundível, cantava baixinho junto ao berço para que a criança conciliasse o sono. Parte de uma antiga canção de ninar ( “Boi da cara preta”, cuja letra parece de assustar, mas sempre funciona com crianças....)...
Reza a lenda que, em 1952, Nana já com 11 anos, Caymmi, dando uma “canja” num aniversário de casamento, cantou “Acalanto”, e a filha do casal bocejou, ao que Caymmi respondera: “Essa é a intenção da música: causar sono”...
Em 1960, Dorivcal Caymmi iria gravar “Acalanto”, com participação de sua mulher Stella, que, não se sabe por qual razão, desistiu de cantar... coube a Aloysio de Oliveira, diretor artístico da Odeon, sugerir, então, que o dueto fosse feito com sua filha Nana, então com 18 anos...
Uma música de pai para filha, feita num momento de sono, mas com muito, muito amor.
Dedico a você, Bruninha....


É tão tarde
A manhã já vem
Todos dormem
A noite também
Só eu velo por você, meu bem
Dorme, anjo
O boi pega neném

Lá no céu deixam de cantar
Os anjinhos foram se deitar
Mamãezinha precisa descansar
Dorme, anjo
Papai vai te ninar

Boi, boi, boi
Boi da cara preta
Pega esta menina
Que tem medo de careta


Solidão que nada (feita depois de um beijo no aeroporto....)

Eu me divirto com a história de canções que surgem a partir de pequenos acontecimentos dos dia; músicas que viram verdadeiras limonadas a partir de um limão, isto é, um fragmento da criatividade que faz o caminho surgir a partir de pequenas coisas. Neste caso, me refiro à música "Solidão, que nada", uma música de George Israel que recebeu letra de Cazuza e Nilo Roméro, o "inspirador" da canção. o baixista Nilo Roméro contou a história da música, no livro Cazuza - Preciso dizer que te amo: todas as letras do poeta (Globo, 2001), que surgiu depois de um beijo de despedida num aeroporto...

"O meu nome no alto-falante do aeroporto interrompeu o beijo. Senhor Nilo Roméro, voo 427 para o Rio de janeiro, embarque imediato! Tchau, a gente se vê. Ah! E o telefone? Tem um papel? tenho. Cadê a caneta? Então tá. Saio correndo, subo as escadas e, finalmente, entro no avião. Me deparo então com todos os passageiros olhando para mim com aquela cara de reprovação. Caí na real. Procuro então com meu olhar os companheiros de banda, em busca de alguma cumplicidade. Estava atrasado, mas, afinal era por uma boa causa! Nào adiantou. Estava todo mundo puto., a fim de ir logo embora pra casa. Tudo bem, então vamos sentar. Mas cadê o meu lugar? Só tinha um lugarzinho no meio, e quem me conhece sabe que odeio viajar no meio. Sou meio claustrofóbico e gosto mesmo é de corredor. Sentado num das poltronas de corredor, observando tudo, estava Cazuza, uma das únicas pessoas de bom humor naquele avião. Ele sabia que eu detestava a poltrona do meio. 'Nilo Roméro' (ele tinha a mania de chamar as pessoas pelo nome e sobrenome). Trocamos. Na passagem, eu deixo cair um papel do bolso. cazuza pega, olha, me sacaneia e pronto. Ele iria chegar em casa e fazer uma de suas maravilhosas letras. Desta vez seria uma road song. Uma homenagem à vida na estrada, com todo seu glamour e vazio.

Cada aeroporto
É um nome num papel
Um novo rosto
Atrás do mesmo véu
Alguém me espera
E adivinha no céu
Que meu novo nome é
Um estranho que me quer
E eu quero tudo
No próximo hotel
Por mar, por terra
Ou via Embratel
Ela é um satélite
E só quer me amar
Mas não há promessas, não
É só um novo lugar
Viver é bom
Nas curvas da estrada
Solidão, que nada
Viver é bom
Partida e chegada
Solidão, que nada 

A música faz referência ao nome no papel, de um encontro em desencontro que se tem em cada aeroporto, em cada hotel, em cada viagem... esses amores que são deliciosos porque são fugidios, mas que também se tornam enfadonhos quando são repetitivos...
Estes são os amores fugazes da vida da estrada... o novo nome no aeroporto, o rosto novo, o véu antigo... uma pessoa estranha, um amor de retas perpendiculares, que se encontram num ponto da viagem, e depois se afastam para não mais se encontrar... e o refrão final é meio irônico... "Solidão, que nada... " ou, quem sabe, solidão...   

Outra vez

Diz a lenda que, na época que se lançavam LP's (hoje chamados de vinil), a música de trabalho seria a terceira do lado A (sim, os discos tinham lado A e lado B). Ninguém apostaria que a música de sucesso, que ficaria na história, seria a penúltima música do lado B. Mas essa é a história da música "Outra Vez"... 
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Segundo Paulo César Araújo, no livro "Roberto Carlos em Detalhes (Ed. Planeta, 2006), Roberto carlos já gravara algumas músicas dos irmãos Isolda e Milton Carlos, como "Pelo avesso" e "Um jeito estúpido de te amar", em 1976. No entanto, Milton Carlos morrera em 1977, num acidente de carro. 
Pouco tempo depois, em julho de 1977, Isolda estava reunida com amigas, num bar, e estavam relembrando velhos amores do passado, quando Isolda lembrou de um caso de amor antigo, que se chama Nilson Mucini. Narra Paulo César de Araújo: 
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Lá pelas tantas, as meninas começaram a falar sobre ex-namorados. "Qual foi o maior caso de amor de sua vida?", perguntou uma delas para Isolda. "Quer mesmo saber? Foi o meu primeiro namorado, o Nilson", respondeu. Uma outra amiga, que conhecia o caso, provocou: "Se fosse, você já teria telefonado pra ele.Você está solteira e guarda o número dele há muito tempo na sua bolsa. Por que não liga?". De fato, desde que o namoro dos dois terminara, havia sete anos, eles não mais se haviam falado. Ao longo desse tempo, Isolda casou, descasou e teve dois filhos. Agora estava solteira, e o que teria acontecido com Nilson?
Pois Isolda apostou com a amiga que tinha coragem de ligar sim.E que ligaria naquele momento do telefone do bar. Isolda ligou, mesmo já tendo passado da meia-noite.O próprio Nilson atendeu e, quando quis saber quem estava falando, Isolda respondeu com outra pergunta: "Qual foi o seu caso mais complicado?". Nilson não pensou um segundo para responder:"Isolda! Caramba, há quanto tempo!

A música  teria surgido durante do diálogo entre Isolda e Nilson, começando logo pela famoso trecho: "Você foi o maior dos meus casos"... a música foi gravada sem nenhuma pretensão de que fosse um dos dez maiores sucessos de Roberto Carlos, como disse, a penúltima música do lado B.

A canção trata de um amor passado e presente, e por isso absolutamente antitético, em que as dificuldades lembradas apenas reforçam o sentimento de amor. A canção remete a algo proibido, complicado, mas absolutamente prazeroso, sincero e intenso, como todo grande amor deve ser. 
É uma canção sem refrão, com letra longa, confessional, e que marcou o disco de Roberto Carlos em 1977. 
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Numa entrevista ao site www.gumarc.com, Isolda conta um pouco da história da canção:
Isolda
CE – Vamos agora falar de uma música especial na carreira de Roberto Carlos, “Outra vez”.
Is – “Outra vez” foi feita logo depois da morte do Milton. Eu fiz a canção e fui para o estúdio com o Sérgio Sá, para gravarmos uma fita demo, para mostrar ao Roberto. Nessa fita havia algumas coisas antigas que eu havia feito com o Milton um pouco antes de ele morrer e apenas uma musica só minha, que era “Outra vez”. Deixei a fita no escritório do Roberto e algum tempo depois liguei para saber se havia alguma novidade. Foi aí que soube que ele havia gravado “Outra vez”. Sinceramente, eu não esperava que o Roberto gravasse essa música, porque é uma letra muito comprida, não tem refrão e não é nem um pouco comercial. Eu quase não mandei “Outra vez” naquela fita. E não é que virou um enorme sucesso!

CE – Foi difícil compor “Outra vez”, esse marco da Música Popular Brasileira?
Is – Não. Até que foi fácil compor “Outra vez”. Um certo dia saí com alguns amigos e começamos a conversar sobre amores antigos. Cada um ia falando do maior romance que teve na vida e eu me lembrei do meu. Aí começou a pintar a letra e também a melodia. Fiz a música até com certa facilidade.

CE – Então você concorda quando Roberto fala, nos shows, que todo mundo já passou por aquela situação?
Is – Com certeza. Acho que todo mundo.

CE – “Outra vez” foi uma música feita para Roberto Carlos gravar?
Is – Não, nenhuma das músicas que faço visa um determinado artista para gravá-la. Eu faço o que sinto naquele momento. São coisas que já passei ou que estou passando, mas tudo é muito sincero. Minhas canções são sempre inspiradas em fatos verídicos. É difícil falar que não se conhece. Acho que usamos a música como terapia, desabafamos no violão, na letra... Quando à “Outra vez”, eu nunca pensei que ela fosse estourar. Eu acho a letra muito pessoal, muito íntima, e que só eu iria entendê-la. Com sinceridade, eu mandei essa música para o Roberto Carlos ouvir apenas porque havia sobrado espaço na fita. Para mim não havia nenhuma chance de ele gravar e é claro que nunca imaginei tal sucesso. Por isso acho que de intuição sou horrorosa.

CE – Para você, “Outra vez” é uma história de amor triste ou alegre?
Is – Algumas pessoas acham que é uma música de fossa mas a letra não fala de separação. A canção conta a história de um grande amor que existiu, e eu a acho feliz, é a saudade que eu gosto de ter, é uma saudade legal, como diz a letra. É uma saudade feliz.

CE – Algumas pessoas até acham que “Outra vez” é do Roberto e Erasmo. Como a autora encara isso?
Is – Sem o menor problema. Nem ligo! Só de ouvir Roberto cantando a minha música já está ótimo, é maravilhoso!

CE – Roberto Carlos mexeu na letra ou na melodia de “Outra vez”?
Is – Alguma coisa na melodia, mas bem pouca coisa. Na letra não mexeu, não tirou nenhuma vírgula. Isso é incrível, perto do que ele costuma fazer.

Você foi...
O maior dos meus casos
De todos os abraços
O que eu nunca esqueci
Você foi...
Dos amores que eu tive
O mais complicado
E o mais simples pra mim
Você foi...
O maior dos meus erros
A mais estranha história
Que alguém já escreveu
E é por essas e outras
Que a minha saudade
Faz lembrar
De tudo outra vez.
Você foi...
A mentira sincera
Brincadeira mais séria
Que me aconteceu
Você foi...
O caso mais antigo
E o amor mais amigo
Que me apareceu
Das lembranças
Que eu trago na vida
Você é a saudade
Que eu gosto de ter
Só assim!
Sinto você bem perto de mim
Outra vez...
Me esqueci!
De tentar te esquecer
Resolvi!
Te querer, por querer
Decidi te lembrar
Quantas vezes
Eu tenha vontade
Sem nada perder...
Ah!
Você foi!
Toda a felicidade
Você foi a maldade
Que só me fez bem
Você foi!
O melhor dos meus planos
E o maior dos enganos
Que eu pude fazer...
Das lembranças
Que eu trago na vida
Você é a saudade
Que eu gosto de ter
Só assim!
Sinto você bem perto de mim
Outra vez....

Bolero

Poucas pessoas sabem, mas a obra musical francesa mais executada no mundo em todos os tempos é "Bolero", peça composta por Joseph-Maurice Ravel, quando foi executada na Ópera Garnier, em Paris, no dia 22 de Novembro de 1928, causando escândalo devido à sensualidade da coreografia. Ravel, na época da composição, já tinha 53 anos (Ravel morreu menos de uma década depois, em 1937). 
A música foi um pedido da bailarina Ida Rubinstein, e até hoje é reconhecida nos seus primeiros acordes e compassos. No cinema, ela foi eternizada na coreografia feita por Maurice Béjart, no filme "Retratos da Vida" (1981), de Claude Lelouch, em que á música é executada no Trocadero, abaixo da Torre Eiffel.
Segundo a Wikipedia,"O Bolero tem um ritmo invariável (escrito para semínima = 72, ou seja, com a duração teórica de catorze minutos e dez segundos), e uma melodia uniforme e repetitiva. Deste modo, a única sensação de mudança é dada pelos efeitos de orquestração e dinâmica, com um crescendo progressivo e uma curta modulação em mi maior.
Forma uma obra singular, que Ravel considerava como um simples estudo de orquestração. A sua imensa popularidade tende a secundarizar a amplitude da sua originalidade e os verdadeiros objectivos do seu autor, que passavam por um exercício de composição privilegiando a dinâmica em que se pretendia uma redefinição e reinvenção dos movimentos de dança. O próprio Ravel ficou surpreendido com a divulgação e popularidade da obra, muito devido às variações que numerosos maestros, incluindo Willem Mengelberg e Arturo Toscanini, introduziram nas suas interpretações.

Posto aqui a famosa execução, no filme Retratos da vida.

Fontes: Ravel: man and musician (Arbie Orenstein)

Noite e dia. Contada por Lobão

Em homenagem à postagem anterior, eis aqui a história da música, contada pelo próprio Lobão...

Noite e Dia - Lobão (Alice e Marina)

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LOBÃO NO INÍCIO DOS ANOS 80
Pouca gente sabe, mas Lobão é um baterista, de ofício. Foi o primeiro instrumento que aprendeu a tocar, depois passando para o violãoe e a guitarra. E foi como baterista que Lobão integrou os primeiros conjuntos musicais de sua vida: o Vímana (que contava também com Lulu Santos e Ritchie), a banda que acompanhava a cantora Marina e uma banda que fez muito sucesso na década de 80, o Gang 90 e as Absurdettes, liderada por Julio Barroso (que falecera no dia 6 de julho de 1984 de uma queda acidental de seu apartamento). 
A primeira música de Lobão gravada por alguém foi "Noite e dia", na voz de Marina, e o seu conhecido refrão "você está me convidando/menina quer brincar de amar"
No livro "Lobão: 50 anos a mil", escrito com Claudi Tognolli, Lobão conta as circunstâncias em que a música foi composta, quando ele atuava como baterista da Banda Gang 90.  Na época, Julio Barroso namorava uma das Absurdettes, a Alice Pink Pank, holandesa que morava no Brasil, e Lobão, que conhecera Alice e se interessara por ela sem saber que se tratava da namorada de Julio. Na época, Lobão também tinha uma não confessada paixonite pela cantora Marina (hoje Marina Lima)...
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MARINA                                 ALICE
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No reveillon de 1982 a banda Gang 90 iria tocar na cidade de Florianópolis (Alice Pink, todavia, estava na Holanda), só que Lobão reparara que a bateria que estava à disposição não era adequada para tocar rock... e logo na primeira música, todos os tambores da bateria estavam com as peles furadas... como a banda não tinha condição de continuar, Julio Barroso dirigiu-se ao público, avisando que as pessoas da banda fariam uma seita, para meditar, e que logo voltariam...
JULIO BARROSO
Só que na verdade, como eles não teriam condições de tocar, a banda fugiu, saiu correndo e foram todos para o melhor hotel de Florianópolis, onde Julio Barroso engana o pessoal da recepção do hotel e consegue uma suíte duplex para a banda... 
Na cobertura, estão Lobão e Julio Barroso...Julio diz que quer fazer uma canção para Alice, sua gata.... quando Julio diz a Lobão que também está vidrado também na cantora Marina... uma paixão antiga... quando Lobão também declara estar apaixonado por duas mulheres... e, por coincidência ou não, as mesmas mulheres por quem Juilo estava apaiconado: Marina e Alice Pink Pank, a namorada de Julio... Lobão meio que se confessa a Julio, afinal, eles tocam na mesma banda e Alice é a namorada de Julio, que, na hora, retruca: 
"Sabe duma coisa, grande Lobo... depois a gente resolve isso na prática, mas agora eu só queria escrever uma canção de amor"
A partir daí, Julio foi trazendo os elementos da letra, os lençois da cama, o jeito de acordar, a gata garota, o fingir dormindo... e a letra de Julio foi se encaixando na melodia de Lobão...
Um dado curioso: o refrão "você está me convidando/menina quer brincar de amar", da autoria de Julio, seria "nem sempre se vê mágica no absurdo", que eram versos de Lobão, e que tornou-se o refrão de um dos seus maiores sucessos: Me chama... 
Obviamente, a música acabou enviada para Marina, que a gravou com grande sucesso no álbum Desta vida, desta arte
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Não sei se ela sabia da história da música, feita em homenagem a Alice Pink Pank por dois homens que estavam também apaixonados por Marina... Depois, a Gang 90 também gravou a música e Lobão fez o mesmo  no seu terceiro álbum, O rock errou
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Noite & Dia
Composição: Lobão / Julio Barroso

Nos lençóis da cama, bela manhã
No jeito de acordar
A pele branca, gata garota
No peito a ronronar
Seu fingir dormindo, lindo
Você está me convidando
Menina quer brincar de amar
Você esta me convidando
Menina quer brincar...
No escuro do quarto, bela na noite
Nas ondas do luar
Seus olhos negros, pantera nua
Vem me hipnotizar
Eu olho sorrindo, lindo!
Você está me convidando
Menina quer brincar de amar
Você está me convidando
Menina quer brincar...
Você está me convidando
Menina quer brincar de amar
Você esta me convidando
Menina quer brincar...

A bela história de "Cálice" - Gilberto Gil e Chico Buarque

 Há muito tempo eu tenho vontade de contar a história de uma belíssima música, uma rara parceria entre Gilberto Gil e Chico Buarque: a música Cálice, gravada em 1973. Tenho aqui a história, contada por Gil, no seu livro Todas as letras (Cia das letras, 1996) e no livro Chico Buarque: História das canções (Leya, 2009): 
Primeiro, a versão de Gil:
"A Polygram queria fazer um grande evento com todos os seus artistas no formato de encontros, e foi dada a mim e ao Chico a tarefa de compor e cantar uma música em dupla. 
Era Semana Santa e nós marcamos um encontro no sábado no apartamento dele, na Rodrigo de freitas (a lagoa referida, aliás, por ele na letra). Eu pensei em levar alguma proposta e, um dia antes, no fim da tarde, me sentei no tatame, onde eu dormia na época, e me pus a esvaziar os pensamentos circulantes para me concentrar. Como era Sexta-feira da Paixão, a idéia do calvário e do cálice de  Cristo me seduziu, e eu compus o refrão incorporando o pedido de Jesus no momento da agonia. Em seguida escrevi a primeira estrofe, que eu comecei lembrando de uma bebida amarga chamada Frenet, italiana, de que o Chico gostava e que ele me oferecia sempre que eu ia à sua casa.
No sábado não foi diferente: ele me trouxe um pouco da bebida, e eu já lhe mostrei o que tinha feito. Quando, chegando ao refrão, eu cheguei ao 'cálice', no ato ele percebeu a ambiguidade que a palavra, cantada, adquiria, e a associou com cale-se, introduzindo na canção o sentido da censura. Depois, como eu tinha trazido só o refrão melodizado, trabalhamos na musicalização da estrofe a partir de ideias que ele apresentou. e combinamos um novo encontro.
Ele acabou fazendo duas estrofes e eu mais uma, quatro no total, todas em oito decassílabos. Dois os três dias depois nos revimos e definimos a sequência. Eu achei que devíamos intercalar nossas estrofes, porque elas não apresentavam um enquadramento linear entre si. Ele concordou, e a ordem ficou esta: a primeira, minha, a segunda, dele; a terceira, minha, e a última, dele.
Na terceira, o quarto verso e os dois finais já foram influenciados pela ideia do Chico de usar o tema do silêncio. O termo, aliás, já aparecia na estrofe minha, anterior: 'silênciona cidade não se escuta', quer dizer: no barulho da cidade, não é possível escutar o silêncio; quer dizer: não adianta querer silêncio porque não há silêncio, ou seja, não há censura a censura é uma quimera; além do mais 'mesmo calada a boca, resta o peito' e 'mesmo calado o peito, resta a cuca' : se cortam uma copisa, aparece outra.
Aí no dia em que fomos apresentar a música pro show, desligaram o microfone logo depois de termos começado a cantá-la. Tenho a impressão de que ela tinha sido apresentada à censura, tendo-nos sido recomendado que não a cantássemos, mas nós fizemos uma desobediência vivil e quisemos cantá-la" (página 138)   
A história por Wagner Homem, no livro das cançôes de Chico: 
"Composta para o show Phono 73, realizado em maio de 1973 no Anhembi, São paulo, a música seria cantada pela dupla de autores. Gil mostrou a Chico a primeira estrofe e o refrão ´Pai afasta de mim esse cálice', referência à data em que os escrevera, uma Sexta-feira santa. O parceiro viu, mais do que depressa, o jogo de palavras ´cálice x cale-se'. Foi necessário apenas mais um encontro para que terminassem a canção de quatro estrofes - a primeira e a terceira de Gil, e as outras de Chico. 
No dia do show, souberam que a música havia sido proibida. Decidiram cantá-la sem letra, entremeada com palavras desconexas. Desta vez, porém, a censura contou com a colaboração da própria gravadora, que organizava o espetáculo e operou a truculência. Assim que começaram, o microfone de Chico foi desligado. Irritado, ele buscou outro microfone, que também foi desativado - e assim sucessivamente, até que se rendeu, dizendo: 'Vamos ao que pode', e cantou 'Baioque'
Quando, em 1978, a canção foi liberada, Chico a incluiu em seu LP, e aí a censura veio de lugares antes inimagináveis: bispos da mesma Igreja que - através da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - criticava a existência, em toda América Latina, de uma doutrina de segurança nacional que castrava as liberdades individuais proibiam a execução da música durante as missas'
Quinze anos depois do ocorrido, falando ao Correio Braziliense, Chico comentava as distorções que a censura provocava em todos os níveis:
'Às vezes, eu mesmo não sei o que eu quis dizer com algumas metáforas de músicas como 'Cálice', por exemplo (...) naquela época havia uma forçação de barra muito grande, tanto a favor quanto contra.Ambos os lados liam politicamente o que não era. (...) Já disseram que o verso 'de muito gorda a porca já não anda' de 'Cálice' era uma crítica ao Delfim Netto, que era ministro. E gordo [risos]. Indagado sobre o real significado, respondeu: 'não faço a mínima ideia. Esse verso é de Gil" (páginas 120-121)
A canção foi liberada em 1978, juntamente com outras músicas censuradas, como "Apesar de Você" e "Tanto Mar". Na gravação, Milton Nascimento cantou as estrofes compostas por Chico, fazendo coro com o MPB4, num belíssimo e contundente arranjo de Magro, um dos integrantes do grupo.  

Fonte - musicblog