Avohai
Zé Ramalho ocupa uma posição peculiar na música brasileira. Suas canções tem uma carga e uma marca forte... e uma delas, Avohai, tem uma história interessante. Para quem não sabe, Avohai é a canção de apresentação de Zé Ramalho ao grande público, pois é a primeira música do lado "A" do seu primeiro disco gravado em 1978.
Consta que a música seria uma homenagem ao seu avô Raimundo, que foi a referência masculina de Zé, haja vista que seu pai, Antonio de Pádua Pordeus Ramalho, falecera afogado num açude no sertão da Paraíba, quando Zé tinha apenas 2 anos.
Consta que o ainda criança Zé Ramalho chamava seu Raimundo de Avô Rai, e daí teria surgido a expressão "Avohai". No seu próprio site, consta que este nome lhe fora "soprado por entidades extra-terrestres ou sensoriais", 20 anos depois da morte de seu pai.Certa vez, numa entrevista, Zé Ramalho afirmara:
"Quando eu fiz esta música eu criei esta palavra. Ela significa avô e pai. É uma espécie de homenagem ao meu avô, que foi a pessoa que me criou. Ele fazia o papel de avô e de pai. Meu pai morreu muito jovem, nos açudes do sertão, morreu afogado quando eu era garotinho. Então foi meu avô que me educou, foi quem me ensinou a seguir o caminho do bem, a batalhar minhas coisas. Eu me inspirei na imagem dele. E me chegou a palavra [avohai]... Ao mesmo tempo ela é interpretada pelas pessoas que a ouvem das mais diversas formas. É uma coisa muito mística também, representa a continuidade da espécie, ou seja, passar a sabedoria de uma geração para a outra... O avô passa para o pai, que passa para o filho e aí por diante..."
A letra tem algo de místico e contempla um mosaico de imagens nordestinas, em que há claras referências a Brejo da Cruz, sua cidade natal.
Mas no seu próprio sítio digital (www.zeramalho.com.br) o próprio artista, num depoimento a Jorge Salomão, em 1998, conta um pouco de outras influências que inspiraram a letra de Avohai:
"Lia muitos livros esotéricos, poesia, Carlos Castañeda, discos voadores, eram os que mais me interessavam. E livros de alquimia. Absorvi muita coisa disso tudo no meu trabalho. Eu produzo uma certa química nas pessoas que prestam atenção no meu trabalho. Uma sensação de viagem. Comunguei também no início dos anos 70 com o psicodelismo, o LSD, aqueles chás de cogumelo, essas coisas todas foram importantes para mim. Misturei tudo isso e saiu a primeira leva de músicas: Avôhai, Vila do Sossego e Chão de Giz. Essas músicas foram feitas na época dessas experiências. Era 73. Essas experiências me deram intuição, vontade de projetar essas luzes para me apresentar como autor. Minha proposta desde o início era fazer uma coisa diferente, no sentido de idéias, criar situações, criar imagens com as letras e com o máximo de alucinação possível. Avôhai, por exemplo, tem a descrição de viagem na própria letra da música."
A letra: Um velho cruza a soleira
De botas longas, de barbas longas
De ouro o brilho do seu colar
Na laje fria onde quarava
Sua camisa e seu alforje
De caçador...
Oh! Meu velho e Invisível
Avôhai!
Oh! Meu velho e Indivisível
Avôhai!
Neblina turva e brilhante
Em meu cérebro coágulos de sol
Amanita matutina
E que transparente cortina
Ao meu redor...
E se eu disser
Que é meio sabido
Você diz que é bem pior
E pior do que planeta
Quando perde o girassol...
É o terço de brilhante
Nos dedos de minha avó
E nunca mais eu tive medo
Da porteira
Nem também da companheira
Que nunca dormia só...
Avôhai!
Avô e Pai
Avôhai!
O brejo cruza a poeira
De fato existe
Um tom mais leve
Na palidez desse pessoal
Pares de olhos tão profundos
Que amargam as pessoas
Que fitar...
Mas que devem sua vida
Sua alma na altura que mandar
São os olhos, são as asas
Cabelos de Avôhai...
Na pedra de turmalina
E no terreiro da usina
Eu me criei
Voava de madrugada
E na cratera condenada
Eu me calei
Se eu calei foi de tristeza
Você cala por calar
E calado vai ficando
Só fala quando eu mandar...
Rebuscando a consciência
Com medo de viajar
Até o meio da cabeça do cometa
Girando na carrapeta
No jogo de improvisar
Entrecortando
Eu sigo dentro a linha reta
Eu tenho a palavra certa
Prá doutor não reclamar...
Avôhai! Avôhai!
Avôhai! Avôhai!
Fonte(s):
http://www.viafanzine.jor.br/entrevista; http://www.zeramalho.com.br
De Mais Ninguém
A música "De Mais ninguém" poderia passar despercebida no disco "Verde anil amarelo cor-de-rosa e carvão", de 1994, talvez o disco que marque a maturidade de Marisa como cantora. Na verdade, a música é um belíssimo choro, gravado por Marisa Monte e o grupo Época de Ouro (que, na época contava, entre outros, com Dino 7 cordas, mestre de Raphael Rabello).
A composição é de Marisa Monte em parceria com Arnaldo Antunes, e a música parece mesmo uma daquelas músicas antigas, com uma bela letra melancólica....
De mais ninguém se refere à substituição da pessoa amada pelo sentimento da dor, a quase prazerosa dor... se ela (a pessoa amada) foi embora, porque quis ficar sozinha ou já tem um "outro bem", a dor não pode ir embora. A dor pertence ao "eu-lírico", como algo inalienável, insubstituível, que reconforta e preenche o vazio da ausência. Por isso, quase como um ato orgulhoso, o "eu-lírico" devolve a dó que eventualmente se sinta dele, pois ele exibe sua dor, marcas e cicatrizes com certo orgulho.
A dor então entra em substituição ao ser amado, e dessa vez como algo que não pode ser tirado ou perdido, como a pessoa amada se foi. E na casa, no peito e nos braços vazios, a dor acaba de se aninhar e ficar.
Se ela me deixou, a dor
É minha só, não é de mais ninguém
Aos outros eu devolvo a dó,
Eu tenho a minha dor
Se ela preferiu ficar sozinha,É minha só, não é de mais ninguém
Aos outros eu devolvo a dó,
Eu tenho a minha dor
Ou já tem um outro bem.
Se ela me deixou a dor é minha,
A dor é de quem tem.
É meu troféu, é o que restou,
É o que me aquece sem me dar calor
Se eu não tenho o meu amor,
Eu tenho a minha dor.
A sala, o quarto, a casa está vazia,
A cozinha, o corredor
Se nos meus braços ela não se aninha,
A dor é minha.
É o meu lençol, é o cobertor,
É o que me aquece sem me dar calor
Se eu não tenho o meu amor
Eu tenho a minha dor (...)
Quando lembro da massa da mandioca, mãe...
O ano: 1980. A Rede Globo resolve reeditar os festivais da canção, com o denominado MPB 80. Um cantor baiano contagia o público com sua canção, e fica classificado em terceiro lugar. A composição até hoje ecoa... Raimundo Sodré, cantando a sua música, feita em parceria com Jorge Portugal. Seu nome: A MASSA.
Quando se ouve a introdução, universal e regional, com samba-de-roda e de chula, já se percebe tratar-se de uma canção diferenciada.
A massa é, ao mesmo tempo, sujeito e objeto, a nossa dor é a dor do menino acanhado, do menino bezerro que vira massa no curral do mundo. A mão que amassa a comida, também molda e amassa "a massa dos homens normais".
A canção tem uma série de interpretações, desde a crítica social dos meninos marcados que amassama a mandioca em casas de farinha, bem como a desindividualização do homem, que como jerimum amassado, é colocado como parte de uma massa, massa de meninos...
Essa dor se revela num gemido calado, que salta aos olhos, mas parece não haver alternativa a viver nesse moinho de homens, que amassam e são amassados, e a massa amassada é mansa (reparem na aliteração da massa que amassa e mansa é amassada), e que, quando se lembra da massa da mandioca, o que acontece?
Raimundo Sodré, numa entrevista ao site http://aqueimaroupa.com.br, disse, sobre a canção e sua apresentação no maracanãzinho, em 1980: :
- Ver aquele mundo de gente cantando A Massa foi muito especial pra mim, lá na frente meu pai pulando e cantando, segurando as bolsas de todo mundo e vibrando comigo! Ficamos em terceiro lugar, atrás de Oswaldo Montenegro e Amelinha. A música já era um verdadeiro sucesso, tocava em todas as rádios do país", pontua Sodré.
Sobre a inspiração que o levou a compor a música "A Massa", Raimundo Sodré conta que estava assistindo a um telejornal e viu uma notícia sobre determinada reivindicação da classe média e uma outra sobre a mandioca, quando deu o "estalo":
- Fui dormir, quando acordei no outro dia, já estava com o refrão da música na minha cabeça, ‘quando eu lembro da massa da mandioca mãe, a massa...' (cantarola). Ainda falei com minha mulher, imagine o Maracanãzinho cantando essa música... Dito e certo, previ o sucesso! Mas, antes, gravei a música, em 1976, e levei pra Jorge Portugal fazer a letra, aí ele fez e quando eu ouvi, me emocionei demais. Essa música foi coisa de Deus, porque quando peguei o violão para fazer os acordes, eles casavam perfeitamente com o refrão, acho que Deus colocou no meu ouvido... mas, minha maior tristeza é saber que minha mãe não acompanhou o sucesso da Massa, uma pena! - revela o artista.
E o que acontece quando a gente lembra da massa da mandioca?? Fazendo referências em inglês e francês, a "massa" pode ser lembrada como uma referência à maconha, quando fala que "nunca mais me fizeram aquela presença", em que "massa" e "presença" eram gírias referentes ao consumo...
Mas ele deixa claro que a massa que fala "é a que passa fome", para, em seguida, fazer referências a samba-de-roda, pontos de candomblé. A beleza dessa música não é a mesma de pouco mais de 30 anos atrás, é uma beleza nova, diferente, que se renova e transforma.Vale a pena ouvi-la....
A dor da gente é dor de menino acanhadoMenino-bezerro pisado no curral do mundo a penar
Que salta aos olhos igual a um gemido calado
A sombra do mal-assombrado é a dor de nem poder chorar
Moinho de homens que nem jerimuns amassados
Mansos meninos domados, massa de medos iguais
Amassando a massa a mão que amassa a comida
Esculpe, modela e castiga a massa dos homens normais
Quando eu lembro da massa da mandioca mãe, da massa
When I remember of "massa" of manioc
Nunca mais me fizeram aquela presença, mãe
Da massa que planta a mandioca, mãe
A massa que eu falo é a que passa fome, mãe
A massa que planta a mandioca, mãe
Quand je rappele de la masse du manioc, mére
Quando eu lembro da massa da mandioca
Lelé meu amor lelé no cabo da minha enxada não conheço "coroné"
Eu quero mas não quero (camarão).
Minha mulher na função (camarão)
Que está livre de um abraço,
mas não está de um beliscão
Torno a repetir meu amor: ai, ai, ai!
É que o guarda civil não quer a roupa no quarador
Meu Deus onde vai parar, parar essa massa
Meu Deus onde vai rolar, rolar essa massa
Fonte: http://aqueimaroupa.com.br/2010/07/25/sodre-o-cantador-das-dores-e-amores-da-massa/
Frio - Monique Kessous
Será que há novas maneira de cantar velhas histórias de amor? É que cada história de amor alheia pode ser igual para os outros, mas única para quem as vive. E para cada história que vem, vai, aparece e reaparece, surgem velhas e novas canções...
Tudo isso para fazer referência à bela canção "Frio", de Monique Kessous....
Monique quem? Para quem não sabe, essa carioca nascida em 1984, com uma voz de soprano que faz lembrar a voz de Marisa Monte, tem já uma carreira que começou a chamar a atenção de Roberto Menescal quando ela tinha por volta de 20 anos, mas que agora vai aos poucos consolidadndo sua posição como cantora e compositora.
Multiinstrumentista, Monique chegou a afirmar que, para ela, cada instrumento é como um brinquedo que é entregue a uma criança. Sua bela voz de soprano e seu talento para composição faz ela merecer destaque como cantora, num país que cada vez mais é das cantoras.
Sua música mais conhecida "coração", que está na trilha sonora da já encerrada novela Cordel Encantado.
Mas quero falar aqui da canção "Frio", outra música composta e cantada por Monique, que conta a história de um amor que resiste ao tempo. Um amor que parece ter acabado, mas que na verdade permanece mais forte.
Primeiro, porque é um amor que não dá para se esquecer, e que, mesmo sendo triste, não se conforma com a tristeza de não estar ao lado da pessoa amada. Já que existe o amor, e por essa razão o eu-lírico insiste, mesmo que sinta frio...
Nesta canção sem rimas, o eu-lírico apela para o companheirismo, não como um fardo, mas como a vontade de estar do lado da pessoa amada, mesmo diante de todas as adversidades. Há o desejo e a promessa de estar ao lado da pessoa amada "até não ter vento" (será o vento que traz o frio e as folhjas jogadas? Não importa. Os passos de quem canta sempre vão caminhar pelo amor, e até a pessoa que se ama...
Uma nova forma de cantar um amor antigo? Segue a bela voz de Monique...
Cada vez que eu penso em te ver
Vejo que não dá pra esquecer
Todo tempo que já passou
Tanta coisa ainda ficou
Como pode ser triste assim
Se eu te amo e sei que não tem razão
Eu ainda quero ser seu
Não me importa se eu sentir frio
Se eu sentir frio
Eu fico acordado
Fico ao seu lado até não ter vento
Folhas jogadas
Minhas pegadas
Vão caminhando até você