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16 de dez. de 2010

Carta a um poeta!...


Meu amigo Poeta
ontem chegando em casa abatido e entediado
(e eu moro bem no alto, próximo a uma represa
e da minha janela a cidade distante
tem uma outra grandeza
e uma expressão parada de sonho e torpor...)
- abri teu livro
e confesso,
que muitas vez fechei-o deslumbrado
para bem penetrar toda a sua beleza
e para melhor sentir todo o seu esplendor!

Ao chegar tinha os ouvidos surdos, cheios
da algazarra das ruas
e nos lábios um gosto de poeira
e de fel,
(toda tarde, ao voltar, eu devo ter esse ar
mais morto do que vivo,
de um fugitivo
daquele mundo louco que anda lá por baixo
num tremendo escarcéu. . .)

Amigo Poeta,
quantas vezes já escancaraste tua janela
assim como quem pendura na parede do quarto
uma viva aquarela
onde a paisagem foge até perder de vista!
E em silêncio ficaste a pensar como eu fico
absorto, sem razão,
no quanto há de sublime em nossa alma
de artista,
bêbeda de sonho
e louca de inquietação!

Tu sabes, eu o sei, nós dois sabemos
quanto é inútil, sendo bela,
essa ânsia de tua alma eternamente inquieta
e esses desejos meus. . .
Mas, quem pode matar também dentro do Poeta
Essa fé que acredita em cousas que não cremos
E esse desejo louco de querer ser Deus?!

Os poetas são, pelo mundo, ora uma sombra amena
e distraída
que erra,
ora uma luz serena
e colorida
que a essência da própria Vida
descerra!
- são sobre-humanos troféus,
as lembranças que os deuses deixaram
na Terra
depois que um dia voltaram
para os céus!

Ao voltar para casa no silêncio
das horas de descanso
longe do mundo,
foragido
da vida, em seus tons mais fortes, mais diversos,
que bem faz um poente a fugir tão manso
e a gente se sentar, e abrir folha por folha
lentamente, comovido,
um livro cheio de versos!

Porque à hora em que o céu se enche todo de estrelas
que as mãos fecundas da noite vão semeando,
na alma da gente, azul, uma emoção penumbra
vai baixando
como a tarde que desce trêmula e discreta.. .

Essa hora, feita de tons, de meios-tons suaves
quando em bandos no céu, se recolhem as aves,
é sempre a melhor hora para conversarmos
com um poeta!

Meu amigo Poeta
como sabes sentir! os estranhos, os leigos
os ignorantes
dirão
que o que há pelos teus versos é imaginação,
beleza de linguagem
festa de imagens loucas,
mas não compreenderão
(ah! as almas como a tua são tão poucas!)
o que eu só pude ver, eu só pude entender
nessa encantada viagem,
porque eu sou teu irmão!

Não compreendem tua alma vivendo
agora um trecho feliz
depois de um dia tristonho
em mil segundos de intranqüilidade!
Coitados! não podem ver que essa imaginação
é a trepadeira verde que dá a flor do sonho
mas que nasceu no entanto
da verdade!

Não sabem que a alma da gente
por mais direita que se
contornando as surpresas e os espinhos,
é muita vez incoerente
e sinuosa, como os caminhos!

Não vêem que o que está no papel é a impressão
da nossa alma,
a ressonância da vida,
o que ficou cantando em nós, depois que a vida
passou...
aquele ruído do mar, nas conchas, que uma criança
tirou de dentro do oceano
e sem querer guardou!

Que o poeta é aquela concha, e aquela concha é um pouco
do coração imenso e louco
do mar!
Poesia é ressonância
é música à distância
é ânsia!
voz que vem não sei de onde, e que canta na sombra
e fica em suspenso no ar!

Se a vida é a noite, a sombra... a poesia é o luar!

O Poeta, quando é grande,
é a fronde que cresce, e se eleva, e se expande,
e se enche com a algazarra e a música dos ninhos,
e abriga o caminheiro exausto e trôpego
dos caminhos,
é fronde (folha e flor) é som, é movimento
de ramos, ao vento,
ou ao sopro suave
da viração. . .

E os outros homens são sementes que caíram
e não nasceram
nem se abriram
e ficaram estéreis dormindo no chão!

Meu grande amigo e Poeta
benditos os que como tu trazem
a alma de harmonias repleta,
felizes os que como nós,
podem desabafar consigo mesmo
e ainda encontram consolo ouvindo a própria voz!

Benditos os que foram sementes fecundas
e à luz do sol surgiram,
se abriram
e cresceram,
e sobre todos os quintais vizinhos
foram levar a música dos ninhos
e a alegria dos ramos que se enfloresceram!

No mundo exausto e cansado, na vida que entedia,
mesmo irrequieta,
bendito aquele dia,
em que numa poesia,
fez nascer o Sonho! E em que cantou o Poeta!