Blog

Blog

19 de dez. de 2010

Vivo ébrio de amor por você!...


É tarde já . . . Cheguei cansado e exausto, trago
dentro da alma um complexo estranhamente vago,
uma angústia que eu mesmo não sei definir...   
Acabei de dançar, de beber, de sorrir...                

Tenho os olhos ardendo, e eu sei, porque ainda há pouco
olhando-me no espelho tinha o olhar de um louco         
e a palidez de um doente... E pensei para mim                
que essa vida da noite é exatamente assim:                     
vale pela ilusão de que estamos contentes,                      
ninguém sabe o que eu sinto... e quem sabe o que sentes?

A alegria que espuma, é a espuma da bebida
que dá ao sangue a impulsão de um excesso de vida;
os gestos de que a alma inflamada é capaz   
sintonizam com os ritmos doidos do jazz,       
vamos buscar a vida, o prazer, e enojados      
saímos com a impressão de que fomos logrados!

Ora, o mundo afinal, não sendo mau nem bom             
lembra mesmo uma casa alegre de bas-fond;                
- na fachada a féerie dos letreiros piscando,                 
por dentro, uma algazarra falsa, transbordando          
sobre almas enfastiadas de tédio e de amor!                 
Por trás destes letreiros cheios de esplendor,                   
rebrilhantes, na névoa das horas já mortas,                 
quantos vultos sem rumo entre as frestas das portas    
quanta vida afinal desarvorada e ao léu!                      
Dentro de todo o ruído e de todo o escarcéu                 
sem se olhar para os lábios, - nos olhos, no fundo,     
há um drama que envergonha as platéias do mundo! 

Perdoa-me se escrevo estas coisas, perdoa,
nem sei bem o que escrevo, estou traçando à toa
estas linhas que lês... e esta filosofia         
barata, eu a pensei, já à luz baça do dia    
que anda clareando o céu e desenhando as ruas...
Cheguei; sentei-me aqui... e uma das cartas tuas
encontrei sobre a mesa esquecida: reli-a ...

Que amargura interior, que imensa nostalgia      
invadiu-me ! E conquanto isso pareça estranho
descobri por mim mesmo um desprezo tamanho  
que os meus olhos choraram sem saber porquê ...

É tarde... e é muito cedo... O dia se entrevê...
É uma difusa, extensa, e dúbia claridade,
como uma olheira roxa a envolver a cidade
que dorme... Ouvem-se ao longe, passos, raramente,
que ficam muito tempo no ouvido da gente
e se perdem distante... e mais longe... e mais longe...

(A noite é agora assim como um capuz de monge
sobre a face marmórea e pálida do dia              
esbranquiçando o espaço... Há uma funda poesia
ao redor, no silêncio... E eu penso que nesta hora
tu dormes... E antevendo, além, o vir da aurora,
invejo o Sol que vai teus olhos despertar...      
Como deves ser linda a dormir e a sonhar ! )    

Calco os olhos... e sinto as pálpebras pesadas
mal vejo no papel as letras rabiscadas;
a mão que as vai traçando, vacila, falseia,
como um ébrio que andasse a pisar sobre a areia ...
E nem queiras saber por que te escrevo, eu mesmo
não saberei dizer... faço esta carta, a esmo,
e lendo-a, pensarás talvez que enlouqueci...
Pois seja! Fiquei louco de pensar em ti!                  

Louco, sim! E entretanto se te visse agora               
eu não te abraçaria... eu mandar-te-ia embora   
ou gritaria então quando surgisses: - "Pára!          
olha os meus olhos! olha-os! fita-os bem, repara!  
não te encostes em mim! os teus lábios não sujes! 
porque há nos meus vestígios de ordinários ruges,
tenho-os vivos na boca! Ah, se as visses! Coitadas!
Nem me toques... As mãos, também tenho-as marcadas,
e ainda sinto ao redor do corpo, abraços frios,     
de braços que lembrando amarras de navios          
prendem-se a qualquer cais... jogam-se a qualquer porto!
Devo estar meio vivo, ou talvez meio morto!..."    

Se chegasses aqui, por milagre ou encanto
havias de me ver ( talvez cheia de espanto ),
ajoelhar-me aos teus pés... e pedir-te somente
que pousasses a mão na minha face ardente...
Nada mais... nada mais ousaria pedir       
eu que agora queria esquecer e dormir...   

Pensa o que tu quiseres, pensa que estou louco,      
mas não me queiras mal afinal por tão pouco...          

Cheguei... Sentei-me aqui, alma abatida e farta,
e encontrando ao acaso, esquecida, uma carta, reli-a ...
A tua carta, aquela que eu releio                   
chorando, a te adorar, e a pensar que te odeio...
Perdoa se te escrevo, esta é uma carta morta,
bem sei que nada há mais entre nós dois, - que importa
pois, que eu te fale ainda?... É um desabafo triste
já que tudo levaste... e nada mais subsiste...   

É tarde... o dia chega... a madrugada é alta.                 
Ah! Se pudesses ver como me fazes falta!