SÉRIE: A VIDA E OS ENSINAMENTOS DE JESUS - A ÉPOCA DA AUTO-OUTORGA DE MICHAEL (2)
Esta série foi
extraída do Livro de Urântia. Os 77 capítulos, mais de 700 páginas, que
ocupam um terço do livro, dão dia a dia, toda a vida de Jesus Cristo
desde sua infância. Dão 16 vezes mais informações sobre a vida e os
ensinamentos de Jesus do que a Bíblia. É o relato mais espiritual sobre
Jesus até hoje escrito.
Atuando sob a supervisão de uma comissão de doze membros da Irmandade Unida dos Intermediários de Urântia, promovida conjuntamente pelo presidente da nossa ordem e o Melquisedeque relator; eu, sendo o intermediário que esteve outrora destinado ao apóstolo André, estou autorizado a colocar neste registro a narrativa dos atos de Jesus de Nazaré, do modo como foram observados pela minha ordem de criaturas terrenas e como foram posteriormente registrados, de uma maneira parcial, pelo indivíduo humano que esteve sob a minha guarda temporal. Sabendo o quanto o seu Mestre evitava, tão escrupulosamente, deixar registros escritos atrás de si, André recusou-se firmemente a efetuar em profusão cópias da sua narrativa escrita. Uma atitude semelhante da parte dos outros apóstolos de Jesus atrasou bastante a redação dos evangelhos.
Jesus não veio a este mundo durante uma idade de decadência espiritual. Na época do seu nascimento, Urântia estava passando por um renascimento do pensamento e da vivência religiosos, como não havia conhecido em toda a sua história anterior pós-Adâmica, nem conheceria em qualquer era, desde então. Quando Michael encarnou em Urântia, o mundo apresentava a condição mais favorável para a auto-outorga do Filho Criador, entre todas as que haviam prevalecido anteriormente, ou que haviam sido geradas, desde então. Durante os séculos imediatamente anteriores a essa época, a cultura e a língua gregas haviam-se espalhado pelo Ocidente e pelo Oriente próximos, e os judeus, sendo de uma raça levantina de natureza meio ocidental e meio oriental, estavam, pois, eminentemente qualificados para utilizar esse quadro cultural e linguístico na disseminação eficaz de uma nova religião, tanto para o leste quanto para o oeste. Tais circunstâncias ficaram mais favoráveis ainda com o governo dos romanos, politicamente tolerante para com o Mundo Mediterrâneo.
Toda essa combinação de influências mundiais é bem ilustrada pelas atividades de Paulo, que, tendo a cultura religiosa de um hebreu entre os hebreus, proclamou o evangelho de um Messias judeu, na língua grega, enquanto ele próprio era um cidadão romano.
Nada como a civilização da época de Jesus foi visto no Ocidente, antes ou depois daquela época. A civilização européia foi unificada e coordenada sob uma extraordinária influência tríplice:
Quando Jesus nasceu, todo o Mundo Mediterrâneo era um império unificado. Boas estradas interligavam vários dos maiores centros, pela primeira vez na história do mundo. Os mares estavam isentos de piratas, e uma grande era de comércio e de viagens estava rapidamente avançando. A Europa não gozou novamente de um período como esse, de viagens e de comércio, até o século dezenove depois de Cristo.
Não obstante a paz interna e a prosperidade superficial do mundo greco-romano, uma maioria de habitantes do império definhava em uma miséria sórdida. A classe superior, pouco numerosa, era rica; e uma classe inferior miserável empobrecida abrangia a massa da Humanidade. Não havia, naqueles dias, uma classe média feliz e próspera, essa classe mal havia começado a surgir na sociedade romana.
As primeiras lutas entre os Estados de Roma e da Pérsia haviam sido concluídas, em um passado recente, deixando a Síria nas mãos dos romanos. Nos tempos de Jesus, a Palestina e a Síria estavam gozando de um período de prosperidade, de paz relativa e de grandes relações comerciais com as nações do Oriente e do Ocidente.
Os judeus eram uma parte da raça semítica mais antiga, que também incluía os babilônios, os fenícios e os cartagineses, inimigos mais recentes de Roma. Durante o início do primeiro século depois de Cristo, os judeus eram, dentre os povos semitas, o grupo de maior influência e aconteceu que eles ocuparam uma posição geográfica peculiarmente estratégica no mundo, que, naquela época, era governado e organizado para o comércio.
Muitas das grandes estradas ligando as nações da antiguidade passavam pela Palestina, que se tornou assim um ponto de confluência onde se cruzavam as estradas de três continentes. Os viajantes, o comércio e os exércitos da Babilônia, da Assíria, do Egito, da Síria, da Grécia, da Pérsia e de Roma atravessaram a Palestina sem cessar. Desde tempos imemoriais, muitas frotas de caravanas do Oriente passavam por alguma parte dessa região, indo para os poucos portos marinhos da extremidade oriental do Mediterrâneo, de onde os barcos carregavam as suas cargas para todo o Ocidente marítimo. E mais da metade desse tráfego de caravanas passava por dentro ou próximo da pequena cidade de Nazaré, na Galiléia.
Embora a Palestina fosse a terra da cultura religiosa judaica e o local de nascimento do cristianismo, os judeus estavam espalhados pelo mundo, morando em muitas nações e fazendo comércio em todas as províncias dos estados de Roma e da Pérsia.
A Grécia contribuiu com uma língua e uma cultura, Roma construiu as estradas e unificou um império, mas, com as suas mais de duzentas sinagogas e comunidades religiosas bem organizadas, espalhadas aqui e ali, em todo o mundo romano, a dispersão dos judeus forneceu os centros culturais nos quais o novo evangelho do Reino do céu teve a sua recepção inicial, e dos quais, subsequentemente, ele espalhou-se até os confins do mundo.
Cada sinagoga judaica tolerava uma faixa à parte de crentes gentios, de homens “devotos” ou “tementes a Deus”, e foi nessa faixa de prosélitos que Paulo fez a maior parte dos seus primeiros convertidos ao cristianismo. Até mesmo o templo em Jerusalém possuía uma área especial decorada para os gentios. Havia uma ligação muito estreita entre a cultura, o comércio e o culto, entre Jerusalém e a Antióquia. Na Antióquia, os discípulos de Paulo foram chamados de “cristãos” pela primeira vez.
A centralização do culto no templo judaico em Jerusalém constituía não apenas o segredo da sobrevivência do monoteísmo deles, mas também a promessa da manutenção e disseminação, para o mundo, de um conceito novo e ampliado daquele único Deus de todas as nações e Pai de todos os mortais. O serviço, no templo em Jerusalém, representava a sobrevivência de um conceito cultural religioso em face da queda da sucessão de suseranos nacionais gentios e de perseguidores raciais.
O povo judeu dessa época, embora sob a suserania dos romanos, desfrutava de um grau considerável de autogoverno. E, pois, relembrando os então recentes atos de heroísmo de libertação executados por Judas Macabeus e pelos seus sucessores imediatos estavam vibrantes na expectativa da aparição imediata de um libertador ainda mais magnífico, o Messias, há tanto tempo esperado.
O segredo da sobrevivência da Palestina, o reino dos judeus, como um Estado semi-independente, estava entregue à política externa do governo romano, que desejava manter o controle sobre as estradas na Palestina e que a ligavam à Síria e ao Egito, bem como aos terminais ocidentais das rotas das caravanas entre o Oriente e o Ocidente. Roma não queria nenhuma potência, surgindo no Levante, que pudesse restringir a sua expansão futura naquelas regiões. A política da intriga, que tinha por objetivo colocar a Síria seleucida e o Egito ptolomaico um contra o outro, necessitava de que se fortalecesse a Palestina como um Estado separado e independente. A política romana, a degeneração do Egito e o enfraquecimento progressivo dos seleucidas, diante da emergência do poder da Pérsia, explicam por que, durante muitas gerações, um grupo, assim pequeno e sem poder, de judeus houvesse sido capaz de manter a sua independência, apesar de ter contra si os seleucidas ao norte e os ptolomaicos ao sul. Essa liberdade e independência fortuitas dos governos políticos dos povos vizinhos mais poderosos eram atribuídas pelos judeus ao fato de que eles eram o “povo escolhido”, e à interferência direta de Yavé. Tal atitude de superioridade racial tornou mais difícil, para eles, resistirem à suserania romana, quando, finalmente, ela se abateu sobre a terra deles. Ainda assim, mesmo nessa hora triste, os judeus recusaram-se a compreender que a sua missão no mundo era espiritual, não política.
Os judeus achavam-se extraordinariamente apreensivos e suspeitosos, durante a época de Jesus, porque eles estavam então sendo governados por um estrangeiro, Herodes, o idumeu que, insinundo-se espertamente por entre os governantes romanos, havia tomado a si a suserania da Judéia. Embora Herodes professasse lealdade às observâncias cerimoniais dos hebreus, ele continuava a erigir templos para muitos deuses estranhos.
As relações amistosas de Herodes com os governantes romanos permitiam que os judeus viajassem com segurança pelo mundo, e assim abriram caminho para a penetração crescente dos judeus, até mesmo nas partes distantes do império romano e em nações estrangeiras com as quais Roma mantinha tratados, levando o novo evangelho do Reino do céu. O reino de Herodes também contribuiu muito para a fusão ulterior das filosofias hebraica e helênica.
Herodes construiu o porto de Cesaréia, que, mais tarde, ajudou a transformar a Palestina em um ponto de confluência das estradas do mundo civilizado. Ele morreu no ano 4 a.C., e o seu filho, Herodes Antipas, governou a Galiléia e a Peréia durante a juventude e o ministério de Jesus, até o ano 39 d.C. Antipas, como o seu pai, era um grande construtor. Ele construiu muitas das cidades da Galiléia, incluindo o importante centro comercial de Séforis.
Os galileus não tinham muito prestígio junto aos líderes religiosos, nem junto aos mestres rabinos de Jerusalém. A Galiléia era mais dos gentios do que dos judeus, quando Jesus nasceu.
Embora
as condições sociais e econômicas do estado romano não fossem da ordem
mais elevada, reinava uma paz doméstica bem disseminada, e a
prosperidade era propícia para a auto-outorga de Michael. No primeiro
século depois de Cristo, a sociedade do Mundo Mediterrâneo consistia de
cinco substratos bem definidos:
1. A aristocracia. As classes superiores, com dinheiro e poder oficial, os grupos governantes privilegiados.
2. Os grupos de negócios. Os príncipes mercadores e os banqueiros, os negociantes – os grandes importadores e exportadores –, os mercadores internacionais.
3. A pequena classe média. Embora esse grupo fosse de fato pequeno, era muito influente e constituiu a coluna dorsal da igreja cristã inicial, pois esta encorajava tais grupos a continuar nos seus vários ofícios e comércios. Entre os judeus, muitos dos fariseus pertenciam a essa classe de comerciantes.
4. O proletariado livre. Esse grupo tinha uma posição social baixa ou nula. Embora orgulhosos da sua liberdade, eles estavam em grande desvantagem, porque eram forçados a competir com o trabalho escravo. As classes altas dedicavam-lhes um certo desdém, pois consideravam que eram inúteis, exceto para os “propósitos da reprodução”.
5. Os escravos. Metade da população do estado romano era de escravos; muitos deles eram indivíduos superiores que rapidamente abriram seu caminho para o livre proletariado, e mesmo para o comércio. A maioria ou era medíocre, ou muito inferior.
A escravidão, mesmo a de povos superiores, era um aspecto das conquistas militares romanas. O poder do senhor sobre o seu escravo era irrestrito. A igreja cristã inicial, em grande parte, compunha-se das classes mais baixas e desses escravos.
Os escravos superiores muitas vezes recebiam salários e, por meio de economias, tornavam-se capazes de comprar a sua liberdade. Muitos desses escravos emancipados alcançaram altas posições no Estado, na Igreja e no mundo dos negócios. E foram exatamente tais possibilidades que tornaram a igreja cristã inicial tão tolerante com essa forma modificada de escravidão.
Não havia nenhum problema social generalizado no império romano, no primeiro século depois de Cristo. A maior parte da população considerava-se como pertencente àquele grupo cuja sorte as levara a nascer. Havia, sempre aberta, uma porta através da qual os indivíduos talentosos e capazes poderiam ascender do substrato inferior ao superior da sociedade romana; mas o povo, em geral, compunha-se de pessoas contentes com a sua posição social. Elas não possuíam consciência de classe, nem consideravam essas distinções de classe como sendo injustas ou erradas. O cristianismo não foi, em nenhum sentido, um movimento econômico, tendo como propósito melhorar as misérias das classes oprimidas.
Embora a mulher gozasse de mais liberdade em todo o império romano do que na sua posição restrita na Palestina, a devoção e a afeição familiar natural dos judeus ultrapassavam em muito as do mundo gentio.
Os gentios eram, de um ponto de vista moral, um pouco inferiores aos judeus, mas havia, presente nos corações dos gentios mais nobres, um solo abundante de bondade natural e de potencial de afeição humana no qual era possível à semente do cristianismo germinar e produzir uma abundante colheita de caráter moral e de realização espiritual. Então, o mundo gentio estava dominado por quatro grandes filosofias, todas derivadas mais ou menos do platonismo anterior dos gregos. Essas escolas de filosofia eram:
1. A epicuriana. Essa escola de pensamento dedicava-se à busca da felicidade. Os melhores epicurianos não eram dados a excessos sensuais. Ao menos essa doutrina ajudou a livrar os romanos de uma forma mais nefasta de fatalismo, pois ensinou que os homens poderiam fazer alguma coisa para melhorar o seu status terrestre. E combateu, com eficácia, as superstições ignorantes.
2. A estóica. O estoicismo era a filosofia superior das classes melhores. Os estóicos acreditavam que um controle do Destino-Razão dominava toda a natureza. Ensinavam que a alma do homem era divina; que estava aprisionada no corpo mau da natureza física. A alma do homem alcançava a liberdade, vivendo em harmonia com a natureza, com Deus; assim, a virtude tornava-se a sua própria recompensa. O estoicismo elevou-se até uma moralidade sublime, a ideais nunca transcendidos por qualquer sistema puramente humano de filosofia. Embora os estóicos professassem ser “a progênie de Deus”, eles não tiveram êxito em conhecê-Lo e, portanto, falharam em encontrá-Lo. O estoicismo permaneceu como uma filosofia; nunca se transformou em uma religião. Os seus seguidores buscaram sintonizar as suas mentes com a harmonia da mente Universal, mas deixaram de ver-se como os filhos de um Pai amoroso. Paulo inclinou-se fortemente para o estoicismo, quando escreveu: “Eu aprendi que, em qualquer estado em que me encontre, devo estar contente”.
3. A cínica. Embora a filosofia dos cínicos remonte a Diógenes de Atenas, eles tiraram uma boa parte da sua doutrina dos ensinamentos remanescentes de Maquiventa Melquisedeque. O cinismo havia sido, anteriormente, mais uma religião do que uma filosofia. Ao menos, os cínicos fizeram da sua religião-filosofia algo democrático. Nos campos e nas praças dos mercados eles pregavam continuamente a sua doutrina, segundo a qual “o homem podia salvar a si próprio, se quisesse”. Eles pregavam a simplicidade e a virtude, e estimulavam os homens a enfrentar a morte destemidamente. Esses pregadores cínicos itinerantes muito fizeram no sentido de preparar a população, espiritualmente faminta, para os missionários cristãos posteriores. O seu plano de pregação popular estava bastante de acordo com o modelo e com o estilo das Epístolas de Paulo.
4. A cética. O ceticismo afirmava que o conhecimento era falacioso, e que a convicção e a certeza eram impossíveis. Era uma atitude puramente negativa, e nunca se tornou difundida de um modo geral.
Essas filosofias eram semi-religiosas; e, muitas vezes, eram revigorantes, éticas e enobrecedoras, mas, em geral, estavam acima da gente comum. Com exceção possivelmente do cinismo, eram filosofias para o forte e o sábio; não eram religiões de salvação, nem para o pobre, nem para o fraco.
Durante as idades precedentes, a religião havia sido, principalmente, um assunto da tribo ou da nação; e, dificilmente, um assunto de preocupação do indivíduo. Os deuses eram tribais ou nacionais, não pessoais. Tais sistemas religiosos proporcionavam pouca satisfação para as aspirações espirituais individuais da pessoa comum.
Nos tempos de Jesus, as religiões do Ocidente incluíam:
1. Os cultos pagãos. Estes eram uma combinação da mitologia helênica e latina, de patriotismo e de tradição.
2. O culto ao imperador. Essa deificação do homem como símbolo do Estado era muito seriamente ressentida pelos judeus e os primeiros cristãos, e desembocou diretamente nas perseguições amargas a ambas as igrejas pelo governo romano.
3. A astrologia. Essa pseudo ciência da Babilônia desenvolveu-se como uma religião por todo o Império Greco-Romano. Mesmo o homem do século vinte ainda não se libertou totalmente dessa crença supersticiosa.
4. As religiões dos mistérios. Nesse mundo de tanta fome espiritual, uma enchente de cultos misteriosos irrompeu: eram religiões novas e estranhas do Levante que seduziam a gente comum e que prometiam a salvação individual. Essas religiões rapidamente tornaram-se as crenças aceitas pelas classes mais baixas do mundo greco-romano. E fizeram muito para preparar o caminho para a disseminação rápida dos ensinamentos vastamente superiores do cristianismo, que apresentavam às pessoas inteligentes um conceito majestoso da Deidade associado a uma teologia excitante e uma oferta generosa de salvação de todos, incluindo os homens comuns ignorantes, mas espiritualmente famintos, daqueles dias.
As religiões dos mistérios marcaram o fim das crenças nacionais e resultaram no nascimento dos inúmeros cultos pessoais. Os mistérios eram muitos, mas eram todos caracterizados por:
1. Alguma lenda mítica, um mistério – daí o seu nome. Em geral, esse mistério dizia respeito à história da vida, à morte e à ressurreição de algum deus, como ilustrado nos ensinamentos do mitraísmo, que, durante um certo tempo, foi contemporâneo e competidor do culto cristão crescente de Paulo.
2. Os mistérios eram não nacionais e inter-raciais. Eram pessoais e fraternais, dando surgimento a irmandades religiosas e a inúmeras sociedades sectárias.
3. Eles eram, nos seus serviços, caracterizados por cerimônias elaboradas de iniciação e por sacramentos espetaculares de adoração. Os seus ritos e rituais secretos algumas vezes eram horríveis e revoltantes.
4. Não importando a natureza das suas cerimônias, nem o grau dos seus excessos, esses mistérios invariavelmente prometiam a salvação aos seus devotos, “a libertação do mal, a sobrevivência depois da morte e uma vida duradoura em reinos abençoados além deste mundo de tristezas e de escravidão”.
Não cometais, contudo, o erro de confundir os ensinamentos de Jesus com os dos mistérios. A popularidade dos mistérios revela a busca do homem pela sobrevivência, retratando, assim, a fome e a sede real de religião pessoal e de retidão individual. Embora os mistérios hajam fracassado em satisfazer adequadamente a essa aspiração, eles prepararam o caminho para o surgimento posterior de Jesus, que verdadeiramente trouxe a este mundo o pão e a água da vida.
Paulo, em um esforço de aproveitar a adesão ampla dos tipos melhores das religiões dos mistérios, fez certas adaptações dos ensinamentos de Jesus, de modo a torná-los mais aceitáveis para um número maior de convertidos em potencial. No entanto, os ensinamentos de Jesus (o cristianismo), mesmo com as concessões de Paulo, eram superiores ao melhor dos mistérios, porque:
1. Paulo ensinou uma redenção moral, uma salvação ética. O cristianismo abriu o caminho de uma nova vida e proclamou um novo ideal. Paulo abandonou os ritos mágicos e as cerimônias de encantamento.
2. O cristianismo apresentava uma religião que atacava o problema humano com soluções finais, pois não apenas oferecia a salvação da tristeza e mesmo da morte, mas também prometia a libertação do pecado, seguida da graça de um caráter reto de qualidades de sobrevivência eterna.
3. Os mistérios eram edificados sobre mitos. O cristianismo, como Paulo o pregava, fundava-se em um fato histórico: a auto-outorga de Michael, o Filho de Deus, doando-se à humanidade.
A moralidade entre os gentios não era necessariamente relacionada nem à filosofia nem à religião. Fora da Palestina, nem sempre ocorria às pessoas que um sacerdote de uma religião deveria levar uma vida moral. A religião judaica e, subsequentemente, os ensinamentos de Jesus e, mais tarde, o cristianismo em evolução, de Paulo, foram as primeiras religiões européias a colocar uma mão na moral e outra na ética, insistindo em que os religiosos dessem alguma atenção a ambas.
E foi em uma tal geração de homens, dominada por sistemas tão incompletos de filosofia e em meio à perplexidade, por causa de cultos religiosos complexos, que Jesus nasceu na Palestina. E a essa mesma geração ele posteriormente deu o seu evangelho de religião pessoal – de filiação a Deus.
Ao final do primeiro século antes de Cristo, o pensamento religioso de Jerusalém havia sido fortemente influenciado e um tanto modificado pelos ensinamentos culturais gregos e mesmo pela filosofia grega. Na longa divergência entre as visões da escola de pensamento hebreu do Ocidente e do Oriente, Jerusalém e o restante do Ocidente e do Levante, em geral, adotaram a visão judaica oriental ou o ponto de vista helenista modificado.
Nos dias de Jesus, três línguas predominavam na Palestina: o povo comum falava algum dialeto do aramaico; os sacerdotes e os rabinos falavam o hebreu; as classes educadas e o substrato melhor dos judeus em geral falavam o grego. As primeiras traduções das escrituras dos hebreus para o grego em Alexandria foram responsáveis, em uma grande medida, pela predominância subsequente da ramificação grega na cultura e na teologia judaicas. E os escritos dos educadores cristãos estavam para surgir, em breve, nessa mesma língua. A renascença do judaísmo data da tradução, para o grego, das escrituras dos hebreus. Isso foi uma influência vital que determinou, mais tarde, a tendência do culto cristão de Paulo de ir na direção do Ocidente, em vez de ir na direção do Oriente.
Embora as crenças judaicas helenizadas fossem pouco influenciadas pelos ensinamentos dos epicurianos, elas foram bastante afetadas, materialmente, pela filosofia de Platão e pelas doutrinas de auto-abnegação dos estóicos. A grande invasão do estoicismo é exemplificada pelo Quarto Livro dos Macabeus; a influência tanto da filosofia platônica quanto das doutrinas estóicas é demonstrada na sabedoria de Salomão. Os judeus helenizados trouxeram, para as escrituras dos hebreus, uma interpretação de tal modo alegórica que eles não encontraram nenhuma dificuldade em conformar a teologia dos hebreus à filosofia aristotélica reverenciada por eles. Tudo isso, porém, levou a uma confusão desastrosa, até que tais problemas fossem encampados pela mão de Filo de Alexandria, que harmonizou e sistematizou a filosofia grega e a teologia dos hebreus em um sistema compacto e bastante consistente de crenças e práticas religiosas. Era esse ensinamento ulterior da filosofia grega, conjugado com a teologia dos hebreus, que prevalecia na Palestina, enquanto Jesus viveu e ensinou, e que Paulo utilizou como fundação sobre a qual construir o seu culto cristão, mais avançado e iluminado.
Filo era um grande educador; desde Moisés, nenhum homem vivera que houvesse exercido uma influência tão profunda sobre o pensamento ético e religioso do mundo ocidental. Na questão da combinação dos melhores elementos dos sistemas contemporâneos de ensinamentos éticos e religiosos, houve sete educadores humanos que se destacaram: Setard, Moisés, Zoroastro, Lao-tsé, Buda, Filo e Paulo.
Muitas, mas não todas, inconsistências de Filo, resultantes do esforço de combinar a filosofia mística grega e as doutrinas estóicas dos romanos com a teologia legalista dos hebreus, Paulo identificou-as e eliminou-as, sabiamente, na sua teologia básica pré-cristã. Filo franqueou a Paulo um caminho amplo para restaurar o conceito da Trindade do Paraíso, que havia muito estava adormecido na teologia dos judeus. Apenas em um ponto Paulo deixou de se manter à altura de Filo ou de transcender os ensinamentos desse rico e educado judeu da Alexandria, e esse foi o da doutrina da expiação; Filo ensinava a necessidade da libertação da doutrina de que o perdão não seria obtido senão pelo derramamento de sangue. Ele possivelmente visualizou a realidade e a presença dos Ajustadores do Pensamento mais claramente do que o conseguiu Paulo. Contudo, a teoria de Paulo sobre o pecado original, as doutrinas da culpa hereditária e do mal inato e da sua redenção eram parcialmente de origem mitraica, tendo pouco em comum com a teologia hebraica, com a filosofia de Filo ou com os ensinamentos de Jesus. Alguns aspectos dos ensinamentos de Paulo acerca do pecado original e da expiação eram originários dele próprio.
O evangelho de João, a última das narrativas da vida terrena de Jesus, foi endereçado aos povos ocidentais e apresenta a sua história sobremaneira à luz do ponto de vista dos cristãos tardios de Alexandria, que eram também discípulos dos ensinamentos de Filo.
Por volta da época de Cristo, uma estranha reviravolta de sentimentos para com os judeus ocorreu em Alexandria e desse antigo bastião dos judeus surgiu uma onda virulenta de perseguição estendendo-se até Roma, de onde muitos milhares deles foram banidos. Todavia, essa campanha de deturpação dos fatos não se prolongou; logo o governo imperial restaurou total e amplamente as liberdades dos judeus em todo o império.
Em todo o vasto mundo, não importando por onde os judeus se encontrassem dispersados, por causa do comércio ou da opressão, eles mantinham, de comum acordo, os seus corações centrados no templo sagrado de Jerusalém. A teologia judaica sobreviveu do modo como foi interpretada e praticada em Jerusalém, não obstante haver sido, por muitas vezes, salva do esquecimento por intervenções oportunas de certos educadores babilônios.
Cerca de dois milhões e meio desses judeus dispersados tinham o hábito de vir a Jerusalém, para a celebração dos festivais nacionais religiosos. E, não importando as diferenças teológicas ou filosóficas entre os judeus do Oriente (os babilônios) e os do Ocidente (os helênicos), todos eles estavam de acordo sobre Jerusalém ser o centro do seu culto e sobre terem sempre esperança na vinda do Messias.
Na época de Jesus, os judeus haviam chegado a um conceito estabelecido sobre a sua origem, história e destino. Haviam construído um muro rígido de separação entre eles próprios e o mundo gentio; e encaravam todos os hábitos gentios com um extremo desprezo. O seu culto seguia a letra da lei e eles entregavam-se a uma forma de hipocrisia baseada no orgulho falso da sua descendência. Eles haviam formado noções preconcebidas a respeito do Messias prometido, e a maioria dessas expectativas visualizava um Messias que viria como parte da sua história nacional e racial. Para os hebreus daqueles dias, a teologia judaica estava irrevogavelmente estabelecida, fixada para sempre.
Os ensinamentos e práticas de Jesus a respeito da tolerância e da bondade iam contra a atitude bem antiga dos judeus para com outros povos, que eles consideravam pagãos. Durante gerações, os judeus haviam nutrido uma atitude para com o mundo exterior que tornou impossível a eles aceitarem os ensinamentos do Mestre sobre a irmandade espiritual dos homens. Eles não estavam dispostos a compartilhar Yavé em termos de igualdade com os gentios e, do mesmo modo, não se dispunham a aceitar, como sendo Filho de Deus, um homem que ensinava doutrinas tão novas e estranhas.
Os escribas, os fariseus e o sacerdócio mantinham os judeus em uma escravidão terrível de ritualismo e de legalismo, uma escravidão muito mais real do que a do governo político romano. Os judeus da época de Jesus não eram mantidos apenas sob o jugo da lei, mas estavam igualmente presos às exigências escravizadoras das tradições, que envolviam e invadiam todos os domínios da vida pessoal e social. Essas regulamentações minuciosas de conduta perseguiram e dominaram todos os judeus leais, e não é estranho que rejeitassem prontamente qualquer um dentre eles que presumisse ignorar as suas tradições sagradas e que ousasse desprezar as suas regras de conduta social já havia tanto tempo honradas. Dificilmente poderiam eles ver favoravelmente os ensinamentos de um homem que não hesitava em se contrapor aos dogmas que eles consideravam como tendo sido ordenados pelo próprio Pai Abraão. Moisés havia dado a eles as suas leis e eles não se comprometeriam em concessões.
À época do primeiro século depois de Cristo, a interpretação oral da lei feita pelos educadores reconhecidos, os escribas, havia-se transformado em uma autoridade mais alta do que a própria lei escrita. E tudo isso tornou mais fácil para alguns líderes religiosos dos judeus predispor o povo contra a aceitação de um novo evangelho.
Tais circunstâncias tornaram impossível para os judeus realizar o seu destino divino como mensageiros do novo evangelho de liberdade religiosa e de liberdade espiritual. Eles não podiam quebrar as cadeias da tradição. Jeremias dissera sobre a “lei a ser escrita nos corações dos homens”, Ezequiel falara sobre um “novo espírito que viveria na alma do homem”, e o salmista orara para que Deus viesse “criar um coração interior limpo e um espírito reto renovado”. Quando, porém, a religião judaica das boas obras e da escravidão à lei caiu como vítima da estagnação da inércia tradicionalista, o movimento de evolução religiosa deslocou-se para o Ocidente, para os povos europeus.
E assim, um povo diferente foi convocado a levar ao mundo uma teologia avançada, um sistema de ensinamentos que incorporava a filosofia dos gregos, a lei dos romanos, a moralidade dos hebreus e o evangelho da santidade da personalidade e da liberdade espiritual; como fora formulado por Paulo, com base nos ensinamentos de Jesus.
O culto cristão de Paulo tinha, na sua moralidade, um sinal judeu de nascimento. Os judeus consideravam a história como consequência da providência de Deus – do trabalho de Yavé. Os gregos trouxeram ao novo ensinamento os conceitos mais claros da vida eterna. As doutrinas de Paulo foram influenciadas, na teologia e na filosofia, não apenas pelos ensinamentos de Jesus, mas também por Platão e Filo. Na ética, ele se inspirou não apenas em Cristo, mas também nos estóicos.
O evangelho de Jesus, como foi incorporado no culto do cristianismo da Antióquia de Paulo, tornou-se um amálgama dos ensinamentos seguintes:
1. O raciocínio filosófico dos prosélitos gregos do judaísmo, incluindo alguns dos seus conceitos da vida eterna.
2. Os atraentes ensinamentos dos cultos dos mistérios que prevaleciam, especialmente as doutrinas mitraicas da redenção, da expiação e da salvação, por meio do sacrifício feito a algum deus.
3. A robusta moralidade da religião judaica estabelecida.
O império romano do Mediterrâneo, o reino Pártio e os povos adjacentes da época de Jesus alimentavam, todos, idéias imaturas e primitivas a respeito da geografia do mundo, da astronomia, da saúde e das doenças; e, naturalmente, eles ficaram impressionados com os pronunciamentos novos e surpreendentes do carpinteiro de Nazaré. As idéias da possessão pelos espíritos bons e maus aplicavam-se, não apenas a seres humanos, mas até mesmo às rochas e às árvores, e muitos viam-nas como sendo possuídas por espíritos. Essa foi uma idade encantada, e todos acreditavam em milagres como acontecimentos bastante comuns.
Tanto quanto possível, e consistentemente com o nosso mandato, nós nos esforçamos para utilizar e coordenar, em uma certa medida, os arquivos existentes, que são relacionados com a vida de Jesus em Urântia. Embora tenhamos desfrutado do acesso aos registros perdidos do apóstolo André, e nos hajamos beneficiado da colaboração de uma vasta hoste de seres celestes que esteve na Terra durante a época da auto-outorga de Michael (e, especialmente do seu Ajustador, agora Personalizado), tem sido o nosso propósito também fazer uso dos assim chamados evangelhos de Mateus, de Marcos, de Lucas e de João.
Esses registros do Novo Testamento tiveram a sua origem nas circunstâncias seguintes:
1. O evangelho segundo Marcos. João Marcos escreveu o primeiro registro (excetuando-se as notas de André), o mais breve e o mais simples, da vida de Jesus. Ele apresentou o Mestre como um ministro, como um homem entre os homens. Embora Marcos fosse um jovem, evoluindo em meio às muitas cenas que ele retrata, o seu registro é, na realidade, o evangelho segundo Simão Pedro. Inicialmente, ele fora mais ligado a Pedro, e, mais tarde, a Paulo. Marcos escreveu esse registro estimulado por Pedro e por um pedido sincero da igreja de Roma. Sabendo quão consistentemente o Mestre havia-se recusado a escrever os seus ensinamentos, quando na Terra e na carne, Marcos, como os apóstolos e outros discípulos importantes, hesitava em colocá-los por escrito. Pedro, porém, sentiu que a igreja de Roma requisitava a assistência dessa narrativa por escrito, e Marcos consentiu em prepará-la. Ele fez muitas notas antes de Pedro morrer, no ano 67 d.C., e de acordo com as linhas gerais, aprovadas por Pedro e pela igreja em Roma, ele começou a escrevê-los logo depois da morte de Pedro. O evangelho ficou pronto lá pelo final do ano 68 d.C. Marcos escreveu-o inteiramente de memória e a partir das memórias de Pedro. Esse registro, desde então, tem sido alterado consideravelmente; inúmeras passagens foram retiradas e algumas, mais tarde, foram acrescentadas, com a finalidade de repor o último quinto do evangelho original, que foi perdido do primeiro manuscrito antes de haver sido jamais copiado. Esse registro, feito por Marcos, em conjunção com as anotações de André e as de Mateus, foi a base escrita de todas as narrativas subsequentes dos Evangelhos que procuraram retratar a vida e os ensinamentos de Jesus.
2. O evangelho de Mateus. O chamado evangelho segundo Mateus é o registro da vida do Mestre que foi escrito para a edificação dos cristãos judeus. O autor desse registro procura continuamente mostrar que, na vida de Jesus, muito do que ele fez foi para que “pudesse ser cumprido aquilo que foi dito pelo profeta”. O evangelho de Mateus retrata Jesus como um filho de Davi, apresentando-o como se houvesse tido um grande respeito pela lei judaica e pelos profetas.
O apóstolo Mateus não escreveu esse evangelho. Foi escrito por Isador, um dos seus discípulos, que teve, no seu trabalho, a ajuda não apenas da lembrança pessoal de Mateus desses acontecimentos, mas também um certo registro que este último havia feito sobre as palavras de Jesus, exatamente depois da sua crucificação. Esse registro de Mateus foi escrito em aramaico; Isador escreveu-o em grego. Não houve a intenção de enganar, ao creditar-se a obra a Mateus. Era costume, naqueles dias, que os discípulos prestassem assim homenagem aos seus mestres.
O registro original de Mateus foi editado e recebeu aditamentos no ano 40 d.C., pouco antes de ele haver deixado Jerusalém para entrar em pregação evangelizadora. Era um registro particular, havendo a última cópia sido destruída pelo incêndio em um monastério sírio, no ano 416 d.C.
Isador escapou de Jerusalém no ano 70 d.C., depois da invasão da cidade pelos exércitos de Tito, levando consigo para Pela uma cópia das notas de Mateus. No ano 71 enquanto vivia em Pela, Isador escreveu o evangelho segundo Mateus. Ele também tinha consigo os primeiros quatro quintos da narrativa de Marcos.
3. O evangelho segundo Lucas. Lucas, o médico da Antióquia em Pisídia, era um gentio convertido por Paulo, e ele escreveu uma história totalmente diferente da vida do Mestre. Ele começou a seguir Paulo e a aprender sobre a vida e os ensinamentos de Jesus no ano 47 d.C. Lucas preserva muito da “graça do Senhor Jesus Cristo” no seu registro, pois ele reuniu esses fatos de Paulo e de outros. Lucas apresenta o Mestre como “o amigo de publicanos e pecadores”. Ele transformou em evangelho muitas das suas anotações, somente depois da morte de Paulo. Lucas escreveu-o no ano 82 d.C., em Acáia. Ele planejou três livros tratando da história de Cristo e da cristandade, mas morreu no ano 90 d.C. pouco antes de terminar o segundo desses trabalhos, os “Atos dos Apóstolos”.
Para material de compilação desse evangelho, Lucas primeiro usou da história da vida de Jesus, como Paulo a relatara a ele. O evangelho de Lucas é, portanto, de algum modo, o evangelho segundo Paulo. Lucas, no entanto, tinha outras fontes de informação. Ele não apenas entrevistou dezenas de testemunhas oculares dos inúmeros episódios da vida de Jesus, que ele registrou, mas também ele tinha consigo uma cópia do evangelho de Marcos, isto é, os primeiros quatro quintos da narrativa de Isador, e um breve registro feito no ano 78 d.C., em Antióquia, por um crente chamado Cedes. Lucas também possuía uma cópia mutilada e muito modificada de algumas notas que supostamente teriam sido feitas pelo apóstolo André.
4. O evangelho de João. O evangelho segundo João relata grande parte do trabalho de Jesus na Judéia e perto de Jerusalém, que não consta em outros registros. Esse é o assim chamado evangelho segundo João, o filho de Zebedeu, e embora João não o haja escrito, ele o inspirou. Desde a primeira vez que foi escrito, foi editado várias vezes, de modo a fazê-lo parecer ter sido escrito pelo próprio João. Quando esse registro foi feito, João estava de posse dos outros Evangelhos, e viu que muita coisa havia sido omitida; e, desse modo, no ano 101 d.C., ele encorajou o seu discípulo, Natam, um judeu grego de Cesaréia, a começar a escrevê-lo. João forneceu o seu material de memória, e sugeriu que ele se baseasse nas referências feitas nos três registros já existentes. João nada tinha que houvesse sido escrito por ele próprio. A epístola conhecida como “Primeira de João” foi escrita pelo próprio João, como uma carta de apresentação para o trabalho que Natam executara sob a sua direção.
Todos esses escritores apresentaram retratos honestos de Jesus como eles o viam, lembravam ou haviam aprendido dele, e como os conceitos que eles tinham desses acontecimentos distantes foram afetados pela sua posterior adoção da teologia cristã de Paulo. E esses registros, imperfeitos como eram, foram suficientes para mudar o curso da história de Urântia por quase dois mil anos.
[Esclarecimentos: Ao cumprir a minha missão de reconstituir os ensinamentos, e de recontar a história dos feitos de Jesus de Nazaré, eu lancei mão livremente de todas as fontes de registro e de informações do planeta. A minha motivação principal foi preparar um documento que fosse esclarecedor, não apenas para a geração de homens que agora vive, mas que também pudesse ser de bastante proveito para todas as gerações futuras. Do vasto estoque de informações que se tornou disponível para mim, eu escolhi tudo que seria mais adequado à realização desse propósito. Tanto quanto possível eu retirei as minhas informações de fontes puramente humanas. Apenas quando tais fontes demonstravam ser insuficientes é que recorri aos arquivos supra-humanos. Sempre que as idéias e os conceitos da vida e dos ensinamentos de Jesus houverem sido expressos de um modo aceitável por uma mente humana, eu terei dado preferência, invariavelmente, a tais modelos de pensamentos aparentemente humanos. Embora tenha procurado ajustar a expressão verbal para que ela melhor se conformasse ao nosso conceito da significação real e da verdadeira importância da vida e dos ensinamentos do Mestre, eu me ative, tanto quanto possível, aos conceitos factuais e ao modelo de pensamento humano, em todas as minhas narrativas. Sei muito bem que os conceitos que tiveram origem na mente humana serão mais aceitáveis e de maior ajuda para todas as outras mentes humanas. Sempre que não me foi possível encontrar os conceitos necessários nos registros humanos, nem nas expressões humanas, em seguida, eu lancei mão dos recursos de memória da minha própria ordem de criaturas da Terra, os intermediários. E sempre que essa fonte secundária de informação se mostrou inadequada, eu recorri, sem hesitar, às fontes supraplanetárias de informação.
Os memorandos que eu reuni, e, a partir dos quais preparei esta narrativa da vida e dos ensinamentos de Jesus – independentemente do registro escrito da memória do apóstolo André –, abrangem preciosidades do pensamento e conceitos superiores dos ensinamentos de Jesus, reunidos por mais de dois mil seres humanos que viveram na Terra desde os dias de Jesus até a época da elaboração destes textos de revelação, ou, mais corretamente dizendo, de restabelecimentos deles. Recorreu-se à permissão para fazer revelações apenas quando os registros humanos e os conceitos humanos falharam em fornecer um modelo adequado de pensamento. A minha missão de revelar proibiu-me de recorrer a fontes extra-humanas, fosse de informação, fosse de expressão, antes do momento em que eu pudesse atestar que havia fracassado nos meus esforços de achar a expressão conceitual exigida, por intermédio de fontes puramente humanas.
Conquanto eu haja feito esta narrativa de acordo com o conceito que tenho de uma sequência efetiva para a sua organização, e em resposta à minha escolha imediata de expressão, e contando com a colaboração dos meus onze companheiros intermediários agregados, e sob a supervisão do Melquisedeque relator, todavia, a maioria das idéias e mesmo das expressões efetivas que eu utilizei, desse modo, tiveram a sua origem nas mentes dos homens de muitas raças que viveram na Terra, durante as gerações sucessivas até aquelas que ainda viviam na época deste trabalho. Na realidade, eu tenho servido mais como um colecionador e como um editor do que como um narrador original. Eu me apropriei, sem hesitar, daquelas idéias e conceitos, preferivelmente humanos, que me capacitaram a criar o retrato mais eficiente da vida de Jesus e que me qualificaram para restabelecer os seus ensinamentos sem par, por meio de um estilo de frases que fosse de mais proveito e mais universalmente elucidativo. Em nome da Irmandade dos Intermediários Unidos de Urântia, desejo expressar gratidão a todas as fontes de registros e conceitos que foram aqui utilizados para a elaboração destes nossos restabelecimentos da vida de Jesus, na Terra.]
A ÉPOCA DA AUTO-OUTORGA DE MICHAEL
Atuando sob a supervisão de uma comissão de doze membros da Irmandade Unida dos Intermediários de Urântia, promovida conjuntamente pelo presidente da nossa ordem e o Melquisedeque relator; eu, sendo o intermediário que esteve outrora destinado ao apóstolo André, estou autorizado a colocar neste registro a narrativa dos atos de Jesus de Nazaré, do modo como foram observados pela minha ordem de criaturas terrenas e como foram posteriormente registrados, de uma maneira parcial, pelo indivíduo humano que esteve sob a minha guarda temporal. Sabendo o quanto o seu Mestre evitava, tão escrupulosamente, deixar registros escritos atrás de si, André recusou-se firmemente a efetuar em profusão cópias da sua narrativa escrita. Uma atitude semelhante da parte dos outros apóstolos de Jesus atrasou bastante a redação dos evangelhos.
1. O OCIDENTE, NO PRIMEIRO SÉCULO DEPOIS DE CRISTO
Jesus não veio a este mundo durante uma idade de decadência espiritual. Na época do seu nascimento, Urântia estava passando por um renascimento do pensamento e da vivência religiosos, como não havia conhecido em toda a sua história anterior pós-Adâmica, nem conheceria em qualquer era, desde então. Quando Michael encarnou em Urântia, o mundo apresentava a condição mais favorável para a auto-outorga do Filho Criador, entre todas as que haviam prevalecido anteriormente, ou que haviam sido geradas, desde então. Durante os séculos imediatamente anteriores a essa época, a cultura e a língua gregas haviam-se espalhado pelo Ocidente e pelo Oriente próximos, e os judeus, sendo de uma raça levantina de natureza meio ocidental e meio oriental, estavam, pois, eminentemente qualificados para utilizar esse quadro cultural e linguístico na disseminação eficaz de uma nova religião, tanto para o leste quanto para o oeste. Tais circunstâncias ficaram mais favoráveis ainda com o governo dos romanos, politicamente tolerante para com o Mundo Mediterrâneo.
Toda essa combinação de influências mundiais é bem ilustrada pelas atividades de Paulo, que, tendo a cultura religiosa de um hebreu entre os hebreus, proclamou o evangelho de um Messias judeu, na língua grega, enquanto ele próprio era um cidadão romano.
Nada como a civilização da época de Jesus foi visto no Ocidente, antes ou depois daquela época. A civilização européia foi unificada e coordenada sob uma extraordinária influência tríplice:
1. O sistema político-social dos romanos.
2. A língua e a cultura gregas – em uma certa medida, também a filosofia grega
3. A influência, de veloz expansão, da religião e dos ensinamentos morais judeus.
Quando Jesus nasceu, todo o Mundo Mediterrâneo era um império unificado. Boas estradas interligavam vários dos maiores centros, pela primeira vez na história do mundo. Os mares estavam isentos de piratas, e uma grande era de comércio e de viagens estava rapidamente avançando. A Europa não gozou novamente de um período como esse, de viagens e de comércio, até o século dezenove depois de Cristo.
Não obstante a paz interna e a prosperidade superficial do mundo greco-romano, uma maioria de habitantes do império definhava em uma miséria sórdida. A classe superior, pouco numerosa, era rica; e uma classe inferior miserável empobrecida abrangia a massa da Humanidade. Não havia, naqueles dias, uma classe média feliz e próspera, essa classe mal havia começado a surgir na sociedade romana.
As primeiras lutas entre os Estados de Roma e da Pérsia haviam sido concluídas, em um passado recente, deixando a Síria nas mãos dos romanos. Nos tempos de Jesus, a Palestina e a Síria estavam gozando de um período de prosperidade, de paz relativa e de grandes relações comerciais com as nações do Oriente e do Ocidente.
2. O POVO JUDEU
Os judeus eram uma parte da raça semítica mais antiga, que também incluía os babilônios, os fenícios e os cartagineses, inimigos mais recentes de Roma. Durante o início do primeiro século depois de Cristo, os judeus eram, dentre os povos semitas, o grupo de maior influência e aconteceu que eles ocuparam uma posição geográfica peculiarmente estratégica no mundo, que, naquela época, era governado e organizado para o comércio.
Muitas das grandes estradas ligando as nações da antiguidade passavam pela Palestina, que se tornou assim um ponto de confluência onde se cruzavam as estradas de três continentes. Os viajantes, o comércio e os exércitos da Babilônia, da Assíria, do Egito, da Síria, da Grécia, da Pérsia e de Roma atravessaram a Palestina sem cessar. Desde tempos imemoriais, muitas frotas de caravanas do Oriente passavam por alguma parte dessa região, indo para os poucos portos marinhos da extremidade oriental do Mediterrâneo, de onde os barcos carregavam as suas cargas para todo o Ocidente marítimo. E mais da metade desse tráfego de caravanas passava por dentro ou próximo da pequena cidade de Nazaré, na Galiléia.
Embora a Palestina fosse a terra da cultura religiosa judaica e o local de nascimento do cristianismo, os judeus estavam espalhados pelo mundo, morando em muitas nações e fazendo comércio em todas as províncias dos estados de Roma e da Pérsia.
A Grécia contribuiu com uma língua e uma cultura, Roma construiu as estradas e unificou um império, mas, com as suas mais de duzentas sinagogas e comunidades religiosas bem organizadas, espalhadas aqui e ali, em todo o mundo romano, a dispersão dos judeus forneceu os centros culturais nos quais o novo evangelho do Reino do céu teve a sua recepção inicial, e dos quais, subsequentemente, ele espalhou-se até os confins do mundo.
Cada sinagoga judaica tolerava uma faixa à parte de crentes gentios, de homens “devotos” ou “tementes a Deus”, e foi nessa faixa de prosélitos que Paulo fez a maior parte dos seus primeiros convertidos ao cristianismo. Até mesmo o templo em Jerusalém possuía uma área especial decorada para os gentios. Havia uma ligação muito estreita entre a cultura, o comércio e o culto, entre Jerusalém e a Antióquia. Na Antióquia, os discípulos de Paulo foram chamados de “cristãos” pela primeira vez.
A centralização do culto no templo judaico em Jerusalém constituía não apenas o segredo da sobrevivência do monoteísmo deles, mas também a promessa da manutenção e disseminação, para o mundo, de um conceito novo e ampliado daquele único Deus de todas as nações e Pai de todos os mortais. O serviço, no templo em Jerusalém, representava a sobrevivência de um conceito cultural religioso em face da queda da sucessão de suseranos nacionais gentios e de perseguidores raciais.
O povo judeu dessa época, embora sob a suserania dos romanos, desfrutava de um grau considerável de autogoverno. E, pois, relembrando os então recentes atos de heroísmo de libertação executados por Judas Macabeus e pelos seus sucessores imediatos estavam vibrantes na expectativa da aparição imediata de um libertador ainda mais magnífico, o Messias, há tanto tempo esperado.
O segredo da sobrevivência da Palestina, o reino dos judeus, como um Estado semi-independente, estava entregue à política externa do governo romano, que desejava manter o controle sobre as estradas na Palestina e que a ligavam à Síria e ao Egito, bem como aos terminais ocidentais das rotas das caravanas entre o Oriente e o Ocidente. Roma não queria nenhuma potência, surgindo no Levante, que pudesse restringir a sua expansão futura naquelas regiões. A política da intriga, que tinha por objetivo colocar a Síria seleucida e o Egito ptolomaico um contra o outro, necessitava de que se fortalecesse a Palestina como um Estado separado e independente. A política romana, a degeneração do Egito e o enfraquecimento progressivo dos seleucidas, diante da emergência do poder da Pérsia, explicam por que, durante muitas gerações, um grupo, assim pequeno e sem poder, de judeus houvesse sido capaz de manter a sua independência, apesar de ter contra si os seleucidas ao norte e os ptolomaicos ao sul. Essa liberdade e independência fortuitas dos governos políticos dos povos vizinhos mais poderosos eram atribuídas pelos judeus ao fato de que eles eram o “povo escolhido”, e à interferência direta de Yavé. Tal atitude de superioridade racial tornou mais difícil, para eles, resistirem à suserania romana, quando, finalmente, ela se abateu sobre a terra deles. Ainda assim, mesmo nessa hora triste, os judeus recusaram-se a compreender que a sua missão no mundo era espiritual, não política.
Os judeus achavam-se extraordinariamente apreensivos e suspeitosos, durante a época de Jesus, porque eles estavam então sendo governados por um estrangeiro, Herodes, o idumeu que, insinundo-se espertamente por entre os governantes romanos, havia tomado a si a suserania da Judéia. Embora Herodes professasse lealdade às observâncias cerimoniais dos hebreus, ele continuava a erigir templos para muitos deuses estranhos.
As relações amistosas de Herodes com os governantes romanos permitiam que os judeus viajassem com segurança pelo mundo, e assim abriram caminho para a penetração crescente dos judeus, até mesmo nas partes distantes do império romano e em nações estrangeiras com as quais Roma mantinha tratados, levando o novo evangelho do Reino do céu. O reino de Herodes também contribuiu muito para a fusão ulterior das filosofias hebraica e helênica.
Herodes construiu o porto de Cesaréia, que, mais tarde, ajudou a transformar a Palestina em um ponto de confluência das estradas do mundo civilizado. Ele morreu no ano 4 a.C., e o seu filho, Herodes Antipas, governou a Galiléia e a Peréia durante a juventude e o ministério de Jesus, até o ano 39 d.C. Antipas, como o seu pai, era um grande construtor. Ele construiu muitas das cidades da Galiléia, incluindo o importante centro comercial de Séforis.
Os galileus não tinham muito prestígio junto aos líderes religiosos, nem junto aos mestres rabinos de Jerusalém. A Galiléia era mais dos gentios do que dos judeus, quando Jesus nasceu.
3. ENTRE OS GENTIOS
1. A aristocracia. As classes superiores, com dinheiro e poder oficial, os grupos governantes privilegiados.
2. Os grupos de negócios. Os príncipes mercadores e os banqueiros, os negociantes – os grandes importadores e exportadores –, os mercadores internacionais.
3. A pequena classe média. Embora esse grupo fosse de fato pequeno, era muito influente e constituiu a coluna dorsal da igreja cristã inicial, pois esta encorajava tais grupos a continuar nos seus vários ofícios e comércios. Entre os judeus, muitos dos fariseus pertenciam a essa classe de comerciantes.
4. O proletariado livre. Esse grupo tinha uma posição social baixa ou nula. Embora orgulhosos da sua liberdade, eles estavam em grande desvantagem, porque eram forçados a competir com o trabalho escravo. As classes altas dedicavam-lhes um certo desdém, pois consideravam que eram inúteis, exceto para os “propósitos da reprodução”.
5. Os escravos. Metade da população do estado romano era de escravos; muitos deles eram indivíduos superiores que rapidamente abriram seu caminho para o livre proletariado, e mesmo para o comércio. A maioria ou era medíocre, ou muito inferior.
A escravidão, mesmo a de povos superiores, era um aspecto das conquistas militares romanas. O poder do senhor sobre o seu escravo era irrestrito. A igreja cristã inicial, em grande parte, compunha-se das classes mais baixas e desses escravos.
Os escravos superiores muitas vezes recebiam salários e, por meio de economias, tornavam-se capazes de comprar a sua liberdade. Muitos desses escravos emancipados alcançaram altas posições no Estado, na Igreja e no mundo dos negócios. E foram exatamente tais possibilidades que tornaram a igreja cristã inicial tão tolerante com essa forma modificada de escravidão.
Não havia nenhum problema social generalizado no império romano, no primeiro século depois de Cristo. A maior parte da população considerava-se como pertencente àquele grupo cuja sorte as levara a nascer. Havia, sempre aberta, uma porta através da qual os indivíduos talentosos e capazes poderiam ascender do substrato inferior ao superior da sociedade romana; mas o povo, em geral, compunha-se de pessoas contentes com a sua posição social. Elas não possuíam consciência de classe, nem consideravam essas distinções de classe como sendo injustas ou erradas. O cristianismo não foi, em nenhum sentido, um movimento econômico, tendo como propósito melhorar as misérias das classes oprimidas.
Embora a mulher gozasse de mais liberdade em todo o império romano do que na sua posição restrita na Palestina, a devoção e a afeição familiar natural dos judeus ultrapassavam em muito as do mundo gentio.
4. A FILOSOFIA DOS GENTIOS
Os gentios eram, de um ponto de vista moral, um pouco inferiores aos judeus, mas havia, presente nos corações dos gentios mais nobres, um solo abundante de bondade natural e de potencial de afeição humana no qual era possível à semente do cristianismo germinar e produzir uma abundante colheita de caráter moral e de realização espiritual. Então, o mundo gentio estava dominado por quatro grandes filosofias, todas derivadas mais ou menos do platonismo anterior dos gregos. Essas escolas de filosofia eram:
1. A epicuriana. Essa escola de pensamento dedicava-se à busca da felicidade. Os melhores epicurianos não eram dados a excessos sensuais. Ao menos essa doutrina ajudou a livrar os romanos de uma forma mais nefasta de fatalismo, pois ensinou que os homens poderiam fazer alguma coisa para melhorar o seu status terrestre. E combateu, com eficácia, as superstições ignorantes.
2. A estóica. O estoicismo era a filosofia superior das classes melhores. Os estóicos acreditavam que um controle do Destino-Razão dominava toda a natureza. Ensinavam que a alma do homem era divina; que estava aprisionada no corpo mau da natureza física. A alma do homem alcançava a liberdade, vivendo em harmonia com a natureza, com Deus; assim, a virtude tornava-se a sua própria recompensa. O estoicismo elevou-se até uma moralidade sublime, a ideais nunca transcendidos por qualquer sistema puramente humano de filosofia. Embora os estóicos professassem ser “a progênie de Deus”, eles não tiveram êxito em conhecê-Lo e, portanto, falharam em encontrá-Lo. O estoicismo permaneceu como uma filosofia; nunca se transformou em uma religião. Os seus seguidores buscaram sintonizar as suas mentes com a harmonia da mente Universal, mas deixaram de ver-se como os filhos de um Pai amoroso. Paulo inclinou-se fortemente para o estoicismo, quando escreveu: “Eu aprendi que, em qualquer estado em que me encontre, devo estar contente”.
3. A cínica. Embora a filosofia dos cínicos remonte a Diógenes de Atenas, eles tiraram uma boa parte da sua doutrina dos ensinamentos remanescentes de Maquiventa Melquisedeque. O cinismo havia sido, anteriormente, mais uma religião do que uma filosofia. Ao menos, os cínicos fizeram da sua religião-filosofia algo democrático. Nos campos e nas praças dos mercados eles pregavam continuamente a sua doutrina, segundo a qual “o homem podia salvar a si próprio, se quisesse”. Eles pregavam a simplicidade e a virtude, e estimulavam os homens a enfrentar a morte destemidamente. Esses pregadores cínicos itinerantes muito fizeram no sentido de preparar a população, espiritualmente faminta, para os missionários cristãos posteriores. O seu plano de pregação popular estava bastante de acordo com o modelo e com o estilo das Epístolas de Paulo.
4. A cética. O ceticismo afirmava que o conhecimento era falacioso, e que a convicção e a certeza eram impossíveis. Era uma atitude puramente negativa, e nunca se tornou difundida de um modo geral.
Essas filosofias eram semi-religiosas; e, muitas vezes, eram revigorantes, éticas e enobrecedoras, mas, em geral, estavam acima da gente comum. Com exceção possivelmente do cinismo, eram filosofias para o forte e o sábio; não eram religiões de salvação, nem para o pobre, nem para o fraco.
5. AS RELIGIÕES DOS GENTIOS
Durante as idades precedentes, a religião havia sido, principalmente, um assunto da tribo ou da nação; e, dificilmente, um assunto de preocupação do indivíduo. Os deuses eram tribais ou nacionais, não pessoais. Tais sistemas religiosos proporcionavam pouca satisfação para as aspirações espirituais individuais da pessoa comum.
Nos tempos de Jesus, as religiões do Ocidente incluíam:
1. Os cultos pagãos. Estes eram uma combinação da mitologia helênica e latina, de patriotismo e de tradição.
2. O culto ao imperador. Essa deificação do homem como símbolo do Estado era muito seriamente ressentida pelos judeus e os primeiros cristãos, e desembocou diretamente nas perseguições amargas a ambas as igrejas pelo governo romano.
3. A astrologia. Essa pseudo ciência da Babilônia desenvolveu-se como uma religião por todo o Império Greco-Romano. Mesmo o homem do século vinte ainda não se libertou totalmente dessa crença supersticiosa.
4. As religiões dos mistérios. Nesse mundo de tanta fome espiritual, uma enchente de cultos misteriosos irrompeu: eram religiões novas e estranhas do Levante que seduziam a gente comum e que prometiam a salvação individual. Essas religiões rapidamente tornaram-se as crenças aceitas pelas classes mais baixas do mundo greco-romano. E fizeram muito para preparar o caminho para a disseminação rápida dos ensinamentos vastamente superiores do cristianismo, que apresentavam às pessoas inteligentes um conceito majestoso da Deidade associado a uma teologia excitante e uma oferta generosa de salvação de todos, incluindo os homens comuns ignorantes, mas espiritualmente famintos, daqueles dias.
As religiões dos mistérios marcaram o fim das crenças nacionais e resultaram no nascimento dos inúmeros cultos pessoais. Os mistérios eram muitos, mas eram todos caracterizados por:
1. Alguma lenda mítica, um mistério – daí o seu nome. Em geral, esse mistério dizia respeito à história da vida, à morte e à ressurreição de algum deus, como ilustrado nos ensinamentos do mitraísmo, que, durante um certo tempo, foi contemporâneo e competidor do culto cristão crescente de Paulo.
2. Os mistérios eram não nacionais e inter-raciais. Eram pessoais e fraternais, dando surgimento a irmandades religiosas e a inúmeras sociedades sectárias.
3. Eles eram, nos seus serviços, caracterizados por cerimônias elaboradas de iniciação e por sacramentos espetaculares de adoração. Os seus ritos e rituais secretos algumas vezes eram horríveis e revoltantes.
4. Não importando a natureza das suas cerimônias, nem o grau dos seus excessos, esses mistérios invariavelmente prometiam a salvação aos seus devotos, “a libertação do mal, a sobrevivência depois da morte e uma vida duradoura em reinos abençoados além deste mundo de tristezas e de escravidão”.
Não cometais, contudo, o erro de confundir os ensinamentos de Jesus com os dos mistérios. A popularidade dos mistérios revela a busca do homem pela sobrevivência, retratando, assim, a fome e a sede real de religião pessoal e de retidão individual. Embora os mistérios hajam fracassado em satisfazer adequadamente a essa aspiração, eles prepararam o caminho para o surgimento posterior de Jesus, que verdadeiramente trouxe a este mundo o pão e a água da vida.
Paulo, em um esforço de aproveitar a adesão ampla dos tipos melhores das religiões dos mistérios, fez certas adaptações dos ensinamentos de Jesus, de modo a torná-los mais aceitáveis para um número maior de convertidos em potencial. No entanto, os ensinamentos de Jesus (o cristianismo), mesmo com as concessões de Paulo, eram superiores ao melhor dos mistérios, porque:
1. Paulo ensinou uma redenção moral, uma salvação ética. O cristianismo abriu o caminho de uma nova vida e proclamou um novo ideal. Paulo abandonou os ritos mágicos e as cerimônias de encantamento.
2. O cristianismo apresentava uma religião que atacava o problema humano com soluções finais, pois não apenas oferecia a salvação da tristeza e mesmo da morte, mas também prometia a libertação do pecado, seguida da graça de um caráter reto de qualidades de sobrevivência eterna.
3. Os mistérios eram edificados sobre mitos. O cristianismo, como Paulo o pregava, fundava-se em um fato histórico: a auto-outorga de Michael, o Filho de Deus, doando-se à humanidade.
A moralidade entre os gentios não era necessariamente relacionada nem à filosofia nem à religião. Fora da Palestina, nem sempre ocorria às pessoas que um sacerdote de uma religião deveria levar uma vida moral. A religião judaica e, subsequentemente, os ensinamentos de Jesus e, mais tarde, o cristianismo em evolução, de Paulo, foram as primeiras religiões européias a colocar uma mão na moral e outra na ética, insistindo em que os religiosos dessem alguma atenção a ambas.
E foi em uma tal geração de homens, dominada por sistemas tão incompletos de filosofia e em meio à perplexidade, por causa de cultos religiosos complexos, que Jesus nasceu na Palestina. E a essa mesma geração ele posteriormente deu o seu evangelho de religião pessoal – de filiação a Deus.
6. A RELIGIÃO DOS HEBREUS
Ao final do primeiro século antes de Cristo, o pensamento religioso de Jerusalém havia sido fortemente influenciado e um tanto modificado pelos ensinamentos culturais gregos e mesmo pela filosofia grega. Na longa divergência entre as visões da escola de pensamento hebreu do Ocidente e do Oriente, Jerusalém e o restante do Ocidente e do Levante, em geral, adotaram a visão judaica oriental ou o ponto de vista helenista modificado.
Nos dias de Jesus, três línguas predominavam na Palestina: o povo comum falava algum dialeto do aramaico; os sacerdotes e os rabinos falavam o hebreu; as classes educadas e o substrato melhor dos judeus em geral falavam o grego. As primeiras traduções das escrituras dos hebreus para o grego em Alexandria foram responsáveis, em uma grande medida, pela predominância subsequente da ramificação grega na cultura e na teologia judaicas. E os escritos dos educadores cristãos estavam para surgir, em breve, nessa mesma língua. A renascença do judaísmo data da tradução, para o grego, das escrituras dos hebreus. Isso foi uma influência vital que determinou, mais tarde, a tendência do culto cristão de Paulo de ir na direção do Ocidente, em vez de ir na direção do Oriente.
Embora as crenças judaicas helenizadas fossem pouco influenciadas pelos ensinamentos dos epicurianos, elas foram bastante afetadas, materialmente, pela filosofia de Platão e pelas doutrinas de auto-abnegação dos estóicos. A grande invasão do estoicismo é exemplificada pelo Quarto Livro dos Macabeus; a influência tanto da filosofia platônica quanto das doutrinas estóicas é demonstrada na sabedoria de Salomão. Os judeus helenizados trouxeram, para as escrituras dos hebreus, uma interpretação de tal modo alegórica que eles não encontraram nenhuma dificuldade em conformar a teologia dos hebreus à filosofia aristotélica reverenciada por eles. Tudo isso, porém, levou a uma confusão desastrosa, até que tais problemas fossem encampados pela mão de Filo de Alexandria, que harmonizou e sistematizou a filosofia grega e a teologia dos hebreus em um sistema compacto e bastante consistente de crenças e práticas religiosas. Era esse ensinamento ulterior da filosofia grega, conjugado com a teologia dos hebreus, que prevalecia na Palestina, enquanto Jesus viveu e ensinou, e que Paulo utilizou como fundação sobre a qual construir o seu culto cristão, mais avançado e iluminado.
Filo era um grande educador; desde Moisés, nenhum homem vivera que houvesse exercido uma influência tão profunda sobre o pensamento ético e religioso do mundo ocidental. Na questão da combinação dos melhores elementos dos sistemas contemporâneos de ensinamentos éticos e religiosos, houve sete educadores humanos que se destacaram: Setard, Moisés, Zoroastro, Lao-tsé, Buda, Filo e Paulo.
Muitas, mas não todas, inconsistências de Filo, resultantes do esforço de combinar a filosofia mística grega e as doutrinas estóicas dos romanos com a teologia legalista dos hebreus, Paulo identificou-as e eliminou-as, sabiamente, na sua teologia básica pré-cristã. Filo franqueou a Paulo um caminho amplo para restaurar o conceito da Trindade do Paraíso, que havia muito estava adormecido na teologia dos judeus. Apenas em um ponto Paulo deixou de se manter à altura de Filo ou de transcender os ensinamentos desse rico e educado judeu da Alexandria, e esse foi o da doutrina da expiação; Filo ensinava a necessidade da libertação da doutrina de que o perdão não seria obtido senão pelo derramamento de sangue. Ele possivelmente visualizou a realidade e a presença dos Ajustadores do Pensamento mais claramente do que o conseguiu Paulo. Contudo, a teoria de Paulo sobre o pecado original, as doutrinas da culpa hereditária e do mal inato e da sua redenção eram parcialmente de origem mitraica, tendo pouco em comum com a teologia hebraica, com a filosofia de Filo ou com os ensinamentos de Jesus. Alguns aspectos dos ensinamentos de Paulo acerca do pecado original e da expiação eram originários dele próprio.
O evangelho de João, a última das narrativas da vida terrena de Jesus, foi endereçado aos povos ocidentais e apresenta a sua história sobremaneira à luz do ponto de vista dos cristãos tardios de Alexandria, que eram também discípulos dos ensinamentos de Filo.
Por volta da época de Cristo, uma estranha reviravolta de sentimentos para com os judeus ocorreu em Alexandria e desse antigo bastião dos judeus surgiu uma onda virulenta de perseguição estendendo-se até Roma, de onde muitos milhares deles foram banidos. Todavia, essa campanha de deturpação dos fatos não se prolongou; logo o governo imperial restaurou total e amplamente as liberdades dos judeus em todo o império.
Em todo o vasto mundo, não importando por onde os judeus se encontrassem dispersados, por causa do comércio ou da opressão, eles mantinham, de comum acordo, os seus corações centrados no templo sagrado de Jerusalém. A teologia judaica sobreviveu do modo como foi interpretada e praticada em Jerusalém, não obstante haver sido, por muitas vezes, salva do esquecimento por intervenções oportunas de certos educadores babilônios.
Cerca de dois milhões e meio desses judeus dispersados tinham o hábito de vir a Jerusalém, para a celebração dos festivais nacionais religiosos. E, não importando as diferenças teológicas ou filosóficas entre os judeus do Oriente (os babilônios) e os do Ocidente (os helênicos), todos eles estavam de acordo sobre Jerusalém ser o centro do seu culto e sobre terem sempre esperança na vinda do Messias.
7. JUDEUS E GENTIOS
Na época de Jesus, os judeus haviam chegado a um conceito estabelecido sobre a sua origem, história e destino. Haviam construído um muro rígido de separação entre eles próprios e o mundo gentio; e encaravam todos os hábitos gentios com um extremo desprezo. O seu culto seguia a letra da lei e eles entregavam-se a uma forma de hipocrisia baseada no orgulho falso da sua descendência. Eles haviam formado noções preconcebidas a respeito do Messias prometido, e a maioria dessas expectativas visualizava um Messias que viria como parte da sua história nacional e racial. Para os hebreus daqueles dias, a teologia judaica estava irrevogavelmente estabelecida, fixada para sempre.
Os ensinamentos e práticas de Jesus a respeito da tolerância e da bondade iam contra a atitude bem antiga dos judeus para com outros povos, que eles consideravam pagãos. Durante gerações, os judeus haviam nutrido uma atitude para com o mundo exterior que tornou impossível a eles aceitarem os ensinamentos do Mestre sobre a irmandade espiritual dos homens. Eles não estavam dispostos a compartilhar Yavé em termos de igualdade com os gentios e, do mesmo modo, não se dispunham a aceitar, como sendo Filho de Deus, um homem que ensinava doutrinas tão novas e estranhas.
Os escribas, os fariseus e o sacerdócio mantinham os judeus em uma escravidão terrível de ritualismo e de legalismo, uma escravidão muito mais real do que a do governo político romano. Os judeus da época de Jesus não eram mantidos apenas sob o jugo da lei, mas estavam igualmente presos às exigências escravizadoras das tradições, que envolviam e invadiam todos os domínios da vida pessoal e social. Essas regulamentações minuciosas de conduta perseguiram e dominaram todos os judeus leais, e não é estranho que rejeitassem prontamente qualquer um dentre eles que presumisse ignorar as suas tradições sagradas e que ousasse desprezar as suas regras de conduta social já havia tanto tempo honradas. Dificilmente poderiam eles ver favoravelmente os ensinamentos de um homem que não hesitava em se contrapor aos dogmas que eles consideravam como tendo sido ordenados pelo próprio Pai Abraão. Moisés havia dado a eles as suas leis e eles não se comprometeriam em concessões.
À época do primeiro século depois de Cristo, a interpretação oral da lei feita pelos educadores reconhecidos, os escribas, havia-se transformado em uma autoridade mais alta do que a própria lei escrita. E tudo isso tornou mais fácil para alguns líderes religiosos dos judeus predispor o povo contra a aceitação de um novo evangelho.
Tais circunstâncias tornaram impossível para os judeus realizar o seu destino divino como mensageiros do novo evangelho de liberdade religiosa e de liberdade espiritual. Eles não podiam quebrar as cadeias da tradição. Jeremias dissera sobre a “lei a ser escrita nos corações dos homens”, Ezequiel falara sobre um “novo espírito que viveria na alma do homem”, e o salmista orara para que Deus viesse “criar um coração interior limpo e um espírito reto renovado”. Quando, porém, a religião judaica das boas obras e da escravidão à lei caiu como vítima da estagnação da inércia tradicionalista, o movimento de evolução religiosa deslocou-se para o Ocidente, para os povos europeus.
E assim, um povo diferente foi convocado a levar ao mundo uma teologia avançada, um sistema de ensinamentos que incorporava a filosofia dos gregos, a lei dos romanos, a moralidade dos hebreus e o evangelho da santidade da personalidade e da liberdade espiritual; como fora formulado por Paulo, com base nos ensinamentos de Jesus.
O culto cristão de Paulo tinha, na sua moralidade, um sinal judeu de nascimento. Os judeus consideravam a história como consequência da providência de Deus – do trabalho de Yavé. Os gregos trouxeram ao novo ensinamento os conceitos mais claros da vida eterna. As doutrinas de Paulo foram influenciadas, na teologia e na filosofia, não apenas pelos ensinamentos de Jesus, mas também por Platão e Filo. Na ética, ele se inspirou não apenas em Cristo, mas também nos estóicos.
O evangelho de Jesus, como foi incorporado no culto do cristianismo da Antióquia de Paulo, tornou-se um amálgama dos ensinamentos seguintes:
1. O raciocínio filosófico dos prosélitos gregos do judaísmo, incluindo alguns dos seus conceitos da vida eterna.
2. Os atraentes ensinamentos dos cultos dos mistérios que prevaleciam, especialmente as doutrinas mitraicas da redenção, da expiação e da salvação, por meio do sacrifício feito a algum deus.
3. A robusta moralidade da religião judaica estabelecida.
O império romano do Mediterrâneo, o reino Pártio e os povos adjacentes da época de Jesus alimentavam, todos, idéias imaturas e primitivas a respeito da geografia do mundo, da astronomia, da saúde e das doenças; e, naturalmente, eles ficaram impressionados com os pronunciamentos novos e surpreendentes do carpinteiro de Nazaré. As idéias da possessão pelos espíritos bons e maus aplicavam-se, não apenas a seres humanos, mas até mesmo às rochas e às árvores, e muitos viam-nas como sendo possuídas por espíritos. Essa foi uma idade encantada, e todos acreditavam em milagres como acontecimentos bastante comuns.
8. OS REGISTROS ESCRITOS ANTERIORES
Tanto quanto possível, e consistentemente com o nosso mandato, nós nos esforçamos para utilizar e coordenar, em uma certa medida, os arquivos existentes, que são relacionados com a vida de Jesus em Urântia. Embora tenhamos desfrutado do acesso aos registros perdidos do apóstolo André, e nos hajamos beneficiado da colaboração de uma vasta hoste de seres celestes que esteve na Terra durante a época da auto-outorga de Michael (e, especialmente do seu Ajustador, agora Personalizado), tem sido o nosso propósito também fazer uso dos assim chamados evangelhos de Mateus, de Marcos, de Lucas e de João.
Esses registros do Novo Testamento tiveram a sua origem nas circunstâncias seguintes:
1. O evangelho segundo Marcos. João Marcos escreveu o primeiro registro (excetuando-se as notas de André), o mais breve e o mais simples, da vida de Jesus. Ele apresentou o Mestre como um ministro, como um homem entre os homens. Embora Marcos fosse um jovem, evoluindo em meio às muitas cenas que ele retrata, o seu registro é, na realidade, o evangelho segundo Simão Pedro. Inicialmente, ele fora mais ligado a Pedro, e, mais tarde, a Paulo. Marcos escreveu esse registro estimulado por Pedro e por um pedido sincero da igreja de Roma. Sabendo quão consistentemente o Mestre havia-se recusado a escrever os seus ensinamentos, quando na Terra e na carne, Marcos, como os apóstolos e outros discípulos importantes, hesitava em colocá-los por escrito. Pedro, porém, sentiu que a igreja de Roma requisitava a assistência dessa narrativa por escrito, e Marcos consentiu em prepará-la. Ele fez muitas notas antes de Pedro morrer, no ano 67 d.C., e de acordo com as linhas gerais, aprovadas por Pedro e pela igreja em Roma, ele começou a escrevê-los logo depois da morte de Pedro. O evangelho ficou pronto lá pelo final do ano 68 d.C. Marcos escreveu-o inteiramente de memória e a partir das memórias de Pedro. Esse registro, desde então, tem sido alterado consideravelmente; inúmeras passagens foram retiradas e algumas, mais tarde, foram acrescentadas, com a finalidade de repor o último quinto do evangelho original, que foi perdido do primeiro manuscrito antes de haver sido jamais copiado. Esse registro, feito por Marcos, em conjunção com as anotações de André e as de Mateus, foi a base escrita de todas as narrativas subsequentes dos Evangelhos que procuraram retratar a vida e os ensinamentos de Jesus.
2. O evangelho de Mateus. O chamado evangelho segundo Mateus é o registro da vida do Mestre que foi escrito para a edificação dos cristãos judeus. O autor desse registro procura continuamente mostrar que, na vida de Jesus, muito do que ele fez foi para que “pudesse ser cumprido aquilo que foi dito pelo profeta”. O evangelho de Mateus retrata Jesus como um filho de Davi, apresentando-o como se houvesse tido um grande respeito pela lei judaica e pelos profetas.
O apóstolo Mateus não escreveu esse evangelho. Foi escrito por Isador, um dos seus discípulos, que teve, no seu trabalho, a ajuda não apenas da lembrança pessoal de Mateus desses acontecimentos, mas também um certo registro que este último havia feito sobre as palavras de Jesus, exatamente depois da sua crucificação. Esse registro de Mateus foi escrito em aramaico; Isador escreveu-o em grego. Não houve a intenção de enganar, ao creditar-se a obra a Mateus. Era costume, naqueles dias, que os discípulos prestassem assim homenagem aos seus mestres.
O registro original de Mateus foi editado e recebeu aditamentos no ano 40 d.C., pouco antes de ele haver deixado Jerusalém para entrar em pregação evangelizadora. Era um registro particular, havendo a última cópia sido destruída pelo incêndio em um monastério sírio, no ano 416 d.C.
Isador escapou de Jerusalém no ano 70 d.C., depois da invasão da cidade pelos exércitos de Tito, levando consigo para Pela uma cópia das notas de Mateus. No ano 71 enquanto vivia em Pela, Isador escreveu o evangelho segundo Mateus. Ele também tinha consigo os primeiros quatro quintos da narrativa de Marcos.
3. O evangelho segundo Lucas. Lucas, o médico da Antióquia em Pisídia, era um gentio convertido por Paulo, e ele escreveu uma história totalmente diferente da vida do Mestre. Ele começou a seguir Paulo e a aprender sobre a vida e os ensinamentos de Jesus no ano 47 d.C. Lucas preserva muito da “graça do Senhor Jesus Cristo” no seu registro, pois ele reuniu esses fatos de Paulo e de outros. Lucas apresenta o Mestre como “o amigo de publicanos e pecadores”. Ele transformou em evangelho muitas das suas anotações, somente depois da morte de Paulo. Lucas escreveu-o no ano 82 d.C., em Acáia. Ele planejou três livros tratando da história de Cristo e da cristandade, mas morreu no ano 90 d.C. pouco antes de terminar o segundo desses trabalhos, os “Atos dos Apóstolos”.
Para material de compilação desse evangelho, Lucas primeiro usou da história da vida de Jesus, como Paulo a relatara a ele. O evangelho de Lucas é, portanto, de algum modo, o evangelho segundo Paulo. Lucas, no entanto, tinha outras fontes de informação. Ele não apenas entrevistou dezenas de testemunhas oculares dos inúmeros episódios da vida de Jesus, que ele registrou, mas também ele tinha consigo uma cópia do evangelho de Marcos, isto é, os primeiros quatro quintos da narrativa de Isador, e um breve registro feito no ano 78 d.C., em Antióquia, por um crente chamado Cedes. Lucas também possuía uma cópia mutilada e muito modificada de algumas notas que supostamente teriam sido feitas pelo apóstolo André.
4. O evangelho de João. O evangelho segundo João relata grande parte do trabalho de Jesus na Judéia e perto de Jerusalém, que não consta em outros registros. Esse é o assim chamado evangelho segundo João, o filho de Zebedeu, e embora João não o haja escrito, ele o inspirou. Desde a primeira vez que foi escrito, foi editado várias vezes, de modo a fazê-lo parecer ter sido escrito pelo próprio João. Quando esse registro foi feito, João estava de posse dos outros Evangelhos, e viu que muita coisa havia sido omitida; e, desse modo, no ano 101 d.C., ele encorajou o seu discípulo, Natam, um judeu grego de Cesaréia, a começar a escrevê-lo. João forneceu o seu material de memória, e sugeriu que ele se baseasse nas referências feitas nos três registros já existentes. João nada tinha que houvesse sido escrito por ele próprio. A epístola conhecida como “Primeira de João” foi escrita pelo próprio João, como uma carta de apresentação para o trabalho que Natam executara sob a sua direção.
Todos esses escritores apresentaram retratos honestos de Jesus como eles o viam, lembravam ou haviam aprendido dele, e como os conceitos que eles tinham desses acontecimentos distantes foram afetados pela sua posterior adoção da teologia cristã de Paulo. E esses registros, imperfeitos como eram, foram suficientes para mudar o curso da história de Urântia por quase dois mil anos.
[Esclarecimentos: Ao cumprir a minha missão de reconstituir os ensinamentos, e de recontar a história dos feitos de Jesus de Nazaré, eu lancei mão livremente de todas as fontes de registro e de informações do planeta. A minha motivação principal foi preparar um documento que fosse esclarecedor, não apenas para a geração de homens que agora vive, mas que também pudesse ser de bastante proveito para todas as gerações futuras. Do vasto estoque de informações que se tornou disponível para mim, eu escolhi tudo que seria mais adequado à realização desse propósito. Tanto quanto possível eu retirei as minhas informações de fontes puramente humanas. Apenas quando tais fontes demonstravam ser insuficientes é que recorri aos arquivos supra-humanos. Sempre que as idéias e os conceitos da vida e dos ensinamentos de Jesus houverem sido expressos de um modo aceitável por uma mente humana, eu terei dado preferência, invariavelmente, a tais modelos de pensamentos aparentemente humanos. Embora tenha procurado ajustar a expressão verbal para que ela melhor se conformasse ao nosso conceito da significação real e da verdadeira importância da vida e dos ensinamentos do Mestre, eu me ative, tanto quanto possível, aos conceitos factuais e ao modelo de pensamento humano, em todas as minhas narrativas. Sei muito bem que os conceitos que tiveram origem na mente humana serão mais aceitáveis e de maior ajuda para todas as outras mentes humanas. Sempre que não me foi possível encontrar os conceitos necessários nos registros humanos, nem nas expressões humanas, em seguida, eu lancei mão dos recursos de memória da minha própria ordem de criaturas da Terra, os intermediários. E sempre que essa fonte secundária de informação se mostrou inadequada, eu recorri, sem hesitar, às fontes supraplanetárias de informação.
Os memorandos que eu reuni, e, a partir dos quais preparei esta narrativa da vida e dos ensinamentos de Jesus – independentemente do registro escrito da memória do apóstolo André –, abrangem preciosidades do pensamento e conceitos superiores dos ensinamentos de Jesus, reunidos por mais de dois mil seres humanos que viveram na Terra desde os dias de Jesus até a época da elaboração destes textos de revelação, ou, mais corretamente dizendo, de restabelecimentos deles. Recorreu-se à permissão para fazer revelações apenas quando os registros humanos e os conceitos humanos falharam em fornecer um modelo adequado de pensamento. A minha missão de revelar proibiu-me de recorrer a fontes extra-humanas, fosse de informação, fosse de expressão, antes do momento em que eu pudesse atestar que havia fracassado nos meus esforços de achar a expressão conceitual exigida, por intermédio de fontes puramente humanas.
Conquanto eu haja feito esta narrativa de acordo com o conceito que tenho de uma sequência efetiva para a sua organização, e em resposta à minha escolha imediata de expressão, e contando com a colaboração dos meus onze companheiros intermediários agregados, e sob a supervisão do Melquisedeque relator, todavia, a maioria das idéias e mesmo das expressões efetivas que eu utilizei, desse modo, tiveram a sua origem nas mentes dos homens de muitas raças que viveram na Terra, durante as gerações sucessivas até aquelas que ainda viviam na época deste trabalho. Na realidade, eu tenho servido mais como um colecionador e como um editor do que como um narrador original. Eu me apropriei, sem hesitar, daquelas idéias e conceitos, preferivelmente humanos, que me capacitaram a criar o retrato mais eficiente da vida de Jesus e que me qualificaram para restabelecer os seus ensinamentos sem par, por meio de um estilo de frases que fosse de mais proveito e mais universalmente elucidativo. Em nome da Irmandade dos Intermediários Unidos de Urântia, desejo expressar gratidão a todas as fontes de registros e conceitos que foram aqui utilizados para a elaboração destes nossos restabelecimentos da vida de Jesus, na Terra.]