Topetes,
lágrimas e comoção. Esse foi o resumão do que foi o show do cara mais
brilhante do cenário musical britânico: Morrissey. O homem que soube
converter lágrimas em sucesso e melancolia em multidões apaixonadas.
Demorei para escrever algo sobre o show, o qual tive o prazer
incomensurável de ir, por conta de tempo mesmo. Mas eu precisava falar
sobre isso. Já contei aqui como tive uma infância e adolescência
atribulada e extremamente solitária, já falei também que as músicas
foram e ainda são minhas companheiras, a bateria diária que eu
necessitava para superar as surras, os xingamentos e as humilhações. E
os Smiths, banda de onde Morrissey surgiu, tiveram papel fundamental
nesse processo. Suas letras, melancólicas e muitas vezes cruéis ao
extremo, retratavam em cada estrofe, a dor que era inerente a mim e a
outros milhares de adolescentes.
***
Fui sozinho, da Bahia para o Rio e graças às instruções e mapas feitos
por minha prima, consegui chegar são e salvo e sem problemas. Imaginei
que a fila estaria enorme e que certamente ficaria no fundão. Mas não,
graças a Deus, as coisas conspiravam ao meu favor. Depois de um pequeno
susto com o ingresso (o cara da portaria não encontrou meu nome na
lista) tudo foi resolvido e tomei meu lugar.
Logo passei a observar se conseguia identificar os tipos que compõe toda
fila nos shows a que já fui: o espertalhão que sabe tudo sobre o cara
(geralmente são arrogantes e grossos), a garota que organiza a fila
(geralmente intransigente e fria), a garota doce que é superfã, apesar
de ter apenas 17 anos (May), o cara que toca guitarra influenciado pelo
ídolo (meu chará), o casal gente boa que veio de longe (Sérgio e
Marianne) e o cara que já foi em vários shows e lista os tipos que estão
na fila (eu mesmo, prazer, Gabriel Matos).
Pois bem, tão logo cheguei, me deparei com um som que ecoava de dentro da Fundição Progresso e sim, o show foi ali naquele caldeirão pronto para explodir de tão quente. Pois então, um som tocava e fiquei a me perguntar se não seria a banda fazendo os últimos ajustes. Eu, May e Bianca, uma outra garota que conheci na fila, resolvemos tentar entrar pela porta que se encontrava aberta para a entrada da bebida. Foi tudo muito fácil e ao longe pudemos vislumbrar a banda que acompanha "o cara" mandando ver nas entradas das músicas que nos fariam enlouquecer mais tarde. Tentamos nos aproximar mais um pouco, porém havia um armário travestido de segurança que de pronto, barrou nossa entrada. Talvez, se tivéssemos ficado quietinhos teríamos visto toda a passagem de som. Porém nos afobamos e fomos escurraçados dali como cães sarnentos por uma mal encarada produtora.
Não tinha problema, pudemos ouvir e ver, mesmo ao longe e por pouco tempo, a banda do cara que revolucionou o rock britânico.
O tempo não passava e a fila só crescia. A ansiedade só aumentava,
porém o período em que ficamos na fila foi muito bom. Conversamos e
compartilhamos histórias. Pessoas até então desconhecidas tornando-se
amigas por conta de uma predileção em comum.
Eis que as grades chegam e a fila começa a ser organizada, um pequeno
burburinho se forma, mas logo se finda. A hora se aproxima, "o cara" já
está na casa.
***
Desespero é o nome do meio daqueles que se encontravam na frente da fila
prontos para entrar na pista premium e num revés do destino se
atrapalham indo parar na pista comum, perdendo assim seu tão sonhado
lugar mais próximo e no meio do palco, para tentar quem sabe, tocar a
mão que escreveu as músicas que embalaram gerações.
Revés do destino para uns, sorte para outros (nós). Enquanto víamos todos se encaminharem para trás do alambrado que separava a pista premium da comum, enxerguei lá na frente uma plaquinha que indicava ser ali a entrada da premium. Corremos, absolutamente felizes e incrédulos.
Revés do destino para uns, sorte para outros (nós). Enquanto víamos todos se encaminharem para trás do alambrado que separava a pista premium da comum, enxerguei lá na frente uma plaquinha que indicava ser ali a entrada da premium. Corremos, absolutamente felizes e incrédulos.
Enfim, depois de quase quinze anos, ali estava eu: em frente ao palco que abrigaria uma das maiores lendas vivas, que para mim, fora de uma importância ímpar no sentido de me manter por sobre essa terra árida e cruel.
Eis que, depois de um sofrível e irritante showzinho de uma cantora americana chamada Kristen Esqueci o Sobrenome, surge ele, o cara, sem efeitos especiais, sem explosões, sem truques de mágica nem jogos de luzes.
Apenas ele, Morrissey e sua aura.
A partir daquele momento, tudo não parecia mais tão real, o tempo acelerou e eu, num enlouquecedor desespero, filmo até a sua respiração.
As músicas vem e vão e cada uma delas me leva a um ponto de minha vida. Eis que ele estende sua mão e eu consigo tocá-la. Rápido, uma fração de segundo, mas que na minha cabeça, no meu delírio, dura horas.
Vejo algumas pessoas me fotografarem, não ligo. O que importa é que eu estive ali.
Em Let Me Kiss You, ele arranca sua camisa e atira em minha direção.
Foi instinto animal. Pulei e agarrei um dos braços, infelizmente não fui o único e tive que dividir aquele troféu com outros desesperados assim como eu.
Não importava.
Ali estava eu, realizando o sonho de uma vida. May (uma amiga de fila) disse algo que fazia todo sentido: ali era justamente o único lugar do mundo em que eu queria estar.
O show acabou e lá se foi o cara, com um singelo goodbye, levando consigo sua voz para bem longe de nossos ouvidos. Poderia ficar dias ali, sem sentir fome, sede, ou calor, apenas ouvindo cada uma de suas canções, mas como diz o lugar comum, tudo o que é bom, dura nada.
A depressão pós-show já nos acometia furiosamente. Mas fazer o que, o show não pode parar. Pelo menos ficarão as lembranças...
Estas, seguirão comigo pelo resto da vida.
Fotos: Mayara Duarte de Moraes
Texto: Gabriel Matos
Texto: Gabriel Matos