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16 de dez. de 2010

Sou um pássaro solitário!...


Sou um pássaro sobrevivente,
o exilado da minha sensibilidade
entre o ruído estranho            
de uma estranha cidade.       

Moro na praça arborizada   
que o trânsito poupou.        


Vejo crianças brincando a pisar nos canteiros
indigentes sentando a miséria nos bancos,
chafarizes jogando serpentinas no ar,         
ouço as juras de amor dos namorados             
converso com as hermas dos poetas , anacrônicas.
Os homens expulsaram as matas e as florestas
e elas correram para o alto das montanhas 
até encontrar as pedras.                               

No terreno estrumado de cimento a pedra,  
os homens plantaram as sementes de uma floresta estranha:
os arranha-céus.                                            
E eles brotaram a cresceram prodigiosamente
numa incessante ascensão,                             
andaimes trepando nos ombros de andaimes
no espetáculo malabarístico da civilização.

E as árvores que correm para as encostas das montanhas
assistem atônitas e assustadas,                       
a subida do progresso empurrando com as mãos negras do asfalto
o rolo das estradas.                                          

E a cidade vai escalando, a pouco e pouco as montanhas,
derramando-se pelos baixios                             
correndo à beira das praias,                              
e os homens lançando novas sementes de aço dos arranha-céus
espantam as aves e as folhas.                             

Sobre as fitas negras, reluzentes, das ruas esticadas
como réguas no chão                                             
a vida da cidade circula como sangue                 
na sístole - diástole de imenso coração.                
E cada arranha-céu é um brônquio respirando  
e cada homem um glóbulo em circulação!             

O espaço se encheu de outros pássaros estranhos
pássaros mecânicos que não cantam                   
e sobre o mormaço civilizado que pesa sobre tudo
como uma olheira cansada,                                  
cresce a zoeira da cidade, como um jazz  tocando  
o prelúdio sinfônico da loucura.                           

Sou o pássaro sobrevivente                                     
que mora nas árvores empoeiradas de uma praça
asfixiada pelo arranha-céu .                               

Entre o ruído estridente dos veículos e das buzinas
o zumbido surdo dos motores                                 
e esse vago rumor que é a voz da cidade,             
meu canto se perde...                                             

Apesar de tudo hei de sempre existir                         
como as praças, as crianças, os indigentes e os namorados,
e é para eles que escrevo, e é para eles que eu canto!