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17 de abr. de 2011

É de cortar o coração

É de cortar o coração



Foi com dor no coração
que eu deixei o meu lugar (*)

José de Sousa Dantas, em 18/03/2003

No dia que eu fui sair
de casa pra outro canto,
saí derramando pranto,
na hora quis desistir;
mas tinha que prosseguir,
sem chance de me livrar,
comecei logo a chorar
na cruel situação.
Foi com dor no coração
que eu deixei o meu lugar.

Um colega da cidade
saiu cedo pra fazenda,
quando chegou na vivenda,
falou com sinceridade;
não era fatalidade,
disse assim: vim lhe buscar!
prepare-se pra viajar
arrume seu “matolão”.
Foi com dor no coração
que eu deixei o meu lugar.

Tive que arrumar a mala,
sem saber o que levasse,
fiquei logo num impasse,
da cozinha para a sala;
bem depressa como bala,
mas o coração no ar,
todo instante a palpitar
dizendo: não saia não!
Foi com dor no coração
que eu deixei o meu lugar.

Foi num dia bem cedinho,
que eu recebia a notícia,
sem ser nada de malícia
pra sair do meu cantinho;
eu chorava bem baixinho,
sem querer me afastar,
fui na marra viajar,
sentido o peso do chão.
Foi com dor no coração
que eu deixei o meu lugar.

Foi no mês de fevereiro,
do ano 72,
não podia ser depois,
tinha que seguir o roteiro,
houve tanto desespero,
vinha gente me ajudar,
procurando consolar,
uns faziam saudação.
Foi com dor no coração
que eu deixei o meu lugar.

Na hora da despedida,
era choro e agonia,
não me esqueço desse dia,
que deixei mamãe querida;
papai naquela guarida,
quase sem acreditar,
tristonho a se lastimar,
com a mana e meu irmão.
Foi com dor no coração
que eu deixei o meu lugar.

Cada hora era um tormento
a distância ia aumentando,
eu por dentro soluçando,
sem esquecer um só momento
era grande o sofrimento,
comecei a variar,
co’um banzo a massacrar,
perdido sem direção.
Foi com dor no coração
que eu deixei o meu lugar.

Na estrada imaginava,
Ou meu Deus! Ou que sofrer!
como é que eu vou fazer!
nem sequer me conformava,
todo pranto derramava,
já sentindo um mal-estar,
solitário sem falar
tamanha decepção.
Foi com dor no coração
que eu deixei o meu lugar.

Eu fui pego de surpresa
pra morar com minha tia,
procurando melhoria,
na capital Fortaleza;
no começo foi tristeza,
mas tinha que ir estudar
pra fazer vestibular
e obter aprovação.
Foi com dor no coração
que eu deixei o meu lugar.

No começo foi penoso,
enfrentei dificuldade,
por falta de habilidade,
eu ficava desgostoso,
tímido e receoso,
não tinha com quem falar,
só depois fui desarnar,
aprendi muita lição.
Foi com dor no coração
que eu deixei o meu lugar.

Não estava acostumado
com vida na capital,
no começo passei mal
e fiquei desanimado;
fui até prejudicado,
sem querer continuar,
com vontade de voltar,
pra sair da solidão.
Foi com dor no coração
que eu deixei o meu lugar.

A distância me impedia
de ficar acompanhando,
o que estava se passando
lá na minha moradia;
me dava melancolia,
sem poder me contentar,
vez em quando ia sondar
notícia do meu sertão.
Foi com dor no coração
que eu deixei o meu lugar.

Era um canto diferente,
só tinha desconhecido,
eu ficava constrangido,
sozinho no ambiente;
com muito tempo somente,
foi que veio melhorar,
comecei a me entrosar
com gente da região.
Foi com dor no coração
que eu deixei o meu lugar.

Tentava me divertir,
pra sair da solidão,
só na festa de São João,
comecei a evoluir;
às tertúlias pude ir,
num meio familiar,
procurava conquistar
as garotas do salão.
Foi com dor no coração
que eu deixei o meu lugar.

Somente em fim de semana
eu tinha oportunidade,
procurava na cidade,
uma festa mediana;
me entrosava com cigana,
chamava para dançar,
ia até o sol raiar,
no “Clube Patinação”.
Foi com dor no coração
que eu deixei o meu lugar.

Estudava pra valer,
revendo toda matéria,
a rotina era mais séria,
não faltava o que fazer;
hora certa pra comer,
pra dormir, ler, estudar,
ouvir, falar, revisar,
vendo com “Napoleão”.
Foi com dor no coração
que eu deixei o meu lugar.

Foi na minha mocidade
que esse fato aconteceu,
quando fui para o LICEU,
estudar pra faculdade;
é uma realidade,
que ninguém pode apagar,
por isso eu vou registrar,
pra nossa recordação.
Foi com dor no coração
que eu deixei o meu lugar.

Inda guardo na memória
essa viagem tirana,
quando saí da cabana,
seguir noutra trajetória,
e o caso virou história
comprida para contar,
pra ninguém me ignorar,
vou dizer: não passe não!
Foi com dor no coração
que eu deixei o meu lugar.

Essa história é mais comprida,
mas dá pra compreender,
ela pode acontecer
em qualquer fase da vida;
comigo foi na medida,
só eu posso decifrar,
quem quiser me procurar,
faço toda a descrição.
Foi com dor no coração
que eu deixei o meu lugar.

Fiz tudo pra não chorar,
no fim terminei chorando,
quando estava viajando,
sem saber onde parar;
é emocionante contar
e não é uma ficção,
é um filme de emoção,
que é preciso revelar.
Pois saí do meu lugar
co’uma dor no coração.

(*) Mote telúrico, bucólico e apaixonante,
do poeta Rubênio Marcelo. 


José de Souza Dantas