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29 de jul. de 2011

Fóssil na cueca

Os cientistas batizaram a época geológica em que vivemos de Holoceno (algo como "totalmente recente" em grego). Mas, ao menos no Brasil, ainda estamos na Era do Fóssil Contrabandeado na Cueca.

Evidência recente do nosso atraso jurássico nesse campo é a reportagem de Giuliana Miranda nesta Folha ("Site dos EUA vende fóssil brasileiro por R$ 25,6 mil", Ciência, 20/ 6). O título é autoexplicativo, o problema é crônico.
Há décadas que a biodiversidade do passado brasileiro vai parar no exterior, adornando coleções particulares e respeitados museus da Europa, dos EUA e do Japão. Os exemplares mais belos e bem preservados são, de longe, os pterossauros (répteis voadores) da chapada do Araripe, no Ceará e em Pernambuco.

Não por acaso, é do Araripe a asa de R$ 25,6 mil oferecida pelo site americano e um crânio leiloado em outubro passado pela Sotheby's, em Paris.
Embora os EUA e outros países desenvolvidos permitam que fósseis sejam vendidos como mercadoria, o que supostamente vale no Brasil é um decreto-lei de 1942, determinando que paleobichos (e paleoplantas) são da União.

Os comerciantes estrangeiros costumam argumentar que só vendem exemplares que teriam deixado o país antes de 1942 legalmente, portanto. Em certos casos, o argumento é desonesto, já que a rocha na qual o fóssil está incrustado veio de uma camada do Araripe que só passou a ser explorada após os anos 1940.
De qualquer maneira, a checagem e a fiscalização estão muito aquém da limitada capacidade do DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral), responsável por zelar pelo patrimônio fóssil.

O leitor talvez se pergunte por qual razão deveria se preocupar com bicho morto há milhões de anos só porque o dito cujo, por acaso, esticou as canelas em território nacional.
Bem, em primeiro lugar, porque o (pouco) dinheiro que chega às mãos de paleontólogos e biólogos evolutivos tupiniquins vem do bolso desse mesmo leitor, e esse pessoal fica obrigado a consultar seu objeto de estudo no exterior, quando poderia fazê-lo na sala ao lado na faculdade.

Mas os verdadeiros prejudicados são dois grupos bem mais desassistidos. A molecada que perde a chance de ver, num museu brasileiro com acervo decente, a história da evolução se desenrolando diante de seus olhos; e os pobres "peixeiros" do Araripe (assim chamados devido à abundância de peixes fossilizados por lá), vendendo sua riqueza a preço de banana para atravessadores criminosos.
Em vez de ser a meca dos apaixonados pela vida extinta e ganhar dinheiro honesto com isso, o Araripe continua o lar de sertanejos pobres. É outro microcosmo da natureza essencialmente autopredatória do jeitinho brasileiro de explorar a própria riqueza.