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2 de jul. de 2011

De volta pra casa

Projeto vai trazer para o Brasil dados de plantas coletadas por naturalistas no país entre os séculos 18 e 20 e depositadas em instituições na Inglaterra e França. Os exemplares serão digitalizados e disponibilizados em um herbário virtual com outras espécies da flora brasileira.


De volta pra casa
Detalhe de uma ilustração da Amazônia feita no século 19 pelo naturalista alemão Carl von Martius, que levou para a Europa diversos espécimes da flora brasileira.
“Nada aqui lembra a cansativa monotonia de nossas florestas de carvalhos e pinheiros.” A frase dita pelo naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853) em uma de suas expedições ao Brasil, ao comparar as florestas nativas cariocas e mineiras com as da Europa, ilustra o encantamento dos europeus pela nossa flora. Diante de tamanha biodiversidade, muitos exemplares foram recolhidos para estudo.
O projeto pretende digitalizar e trazer para o país as amostras e os dados coletados por Saint-Hilaire e outros tantos naturalistas
Duzentos anos depois, o projeto Plantas do Brasil: Resgate Histórico e Herbário Virtual para o Conhecimento e Conservação da Flora Brasileira (Reflora) pretende digitalizar e trazer para o país as amostras e os dados coletados por Saint-Hilaire e outros tantos naturalistas que percorreram o Brasil durante os séculos 18, 19 e 20.
Andando quilômetros a pé, no lombo de burros ou em canoas, botânicos como Saint-Hilaire, o francês Auguste François Glaziou (1833-1906) e o alemão Carl von Martius (1794-1868) retornavam aos seus países de origem com extensos cadernos de campo e espécimes da flora brasileira, que eram doados ou vendidos a instituições europeias.
Jacaranda caroba
Um exemplar de ‘Jacaranda caroba’ coletado por Auguste Saint-Hilaire e depositado no Museu de História Natural de Paris será disponibilizado virtualmente, junto com anotações do naturalista sobre a planta. (foto: Maria das Graças Lins Brandão)
“Os naturalistas desejavam fazer uma grande enciclopédia, um inventário da natureza como um todo”, diz uma das pesquisadoras envolvidas no projeto, a historiadora Lorelai Kury, da Casa de Oswaldo Cruz.
“Eles tinham conhecimentos não apenas botânicos, mas de zoologia, geologia e outras áreas, de modo que seus cadernos e relatos de viagem nos dão, além de uma descrição mais apurada da planta, uma referência do contexto e do local em que foi coletada.”
Duas das instituições que receberam plantas brasileiras, o Jardim Botânico de Kew, na Inglaterra, e o Museu de História Natural de Paris, na França, são o foco do Reflora. “Elas foram escolhidas por guardarem o maior acervo de amostras coletadas no Brasil nesse período”, conta a taxonomista Rafaela Campostrini Forzza, curadora do herbário do Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ).
“Mas outros locais também guardam importantes coleções, como os herbários de Bruxelas [Bélgica] e Munique [Alemanha], nos quais está depositada a coleta de von Martius, autor da Flora Brasiliensis”, complementa.

Grande herbário virtual

O projeto, que começou suas atividades há poucos meses, é ambicioso e conta com diversas frentes de pesquisa e atuação em 28 instituições de todo o país. Uma delas prevê a construção, em três anos, de um herbário virtual com cerca de um milhão de exemplares – metade deles oriunda das coleções de Kew e Paris e a outra metade do herbário do JBRJ.
A taxonomista ressalta que muitas das amostras guardadas em herbários europeus serviram de modelo para a descrição primária das espécies, o que reforça a importância de torná-las disponíveis para consulta.
A digitalização das amostras está sendo feita em um scanner especial, para preservar a integridade das plantas. “Já foram digitados dados de 400 mil exemplares do nosso herbário e escaneadas imagens de 25 mil amostras”, afirma Forzza.
Digitalização de planta
Usando um ‘scanner’ especial que preserva a integridade das plantas, os pesquisadores do projeto Reflora já digitalizaram 25 mil amostras do herbário do Jardim Botânico do Rio de Janeiro. (foto: Gabriela Reznik)
A pesquisadora diz que a iniciativa será mais do que uma base de dados, pois os usuários poderão colaborar com informações mediante cadastro pessoal. Os especialistas poderão reidentificar as amostras e comparar os exemplares das três coleções ao mesmo tempo. “Isso irá facilitar muito a pesquisa e a identificação dos espécimes. Antigamente, tínhamos que viajar pelos herbários europeus contando apenas com a memória e anotações.”
Saint-Hilaire, coletor de cerca de 15 mil espécimes de plantas entre 1816 e 1822, tanto enalteceu as matas brasileiras que virou tema central de dois subprojetos do Reflora. Um deles contará com o trabalho de historiadores, como Lorelai Kury, que se debruçarão sobre cartas, documentos, livros e cadernos de campo para compreender as concepções botânicas do naturalista e compará-las às dos botânicos de hoje.
Seguir as pegadas do francês pelos caminhos da Estrada Real, localizada em Minas Gerais e percorrida quando ele era membro da comitiva da então arquiduquesa da Áustria Maria Leopoldina (1797-1826), tem sido o objetivo de pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A iniciativa agora será ampliada com o projeto Reflora.
O projeto Reflora traduz um esforço que virou prioridade para os botânicos: catalogar a biodiversidade brasileira
“Pretendemos saber qual a situação das plantas hoje em dia”, diz a especialista em plantas medicinais Maria das Graças Lins Brandão, coordenadora do banco de dados de plantas úteis (Dataplamt) da UFMG.
O projeto Reflora traduz um esforço que virou prioridade para os botânicos: catalogar a biodiversidade brasileira. Hoje esse trabalho carece de suporte técnico e de mão-de-obra especializada e a quantidade de amostras que precisam de identificação é crescente.
Rafaela Forzza ressalta a importância de identificar e depositar amostras da flora brasileira em coleções, pois só assim existirá uma prova de sua existência. E enfatiza: “As coleções precisam ter maior visibilidade, porque, mais do que dados digitalizados, são a preservação da história da nossa ciência.”

Gabriela Reznik
Ciência Hoje On-line