INVENTÁRIO DE FILMES BRASILEIROS
Arlindo Barreto e José de Abreu em "A Intrusa" |
A
produção cinematográfica brasileira resiste frente ao desafio de fazer
filmes num país que valoriza em primeiro lugar o cinema estrangeiro.
Desacreditado por muitos e aplaudido por outros, o nosso cinema passou
por chanchadas escapistas, a ambição da Vera Cruz, dramas de conotação
social, comédias eróticas debochadas e adaptações literárias nem sempre
refinadas. Homenageando-o carinhosamente, assinalo quinze momentos
preciosos injustamente soterrados pelo tempo. São longas talentosos,
importantes e esquecidos, raramente reprisados. Trata-se de uma
redescoberta merecida. Fica a sugestão, e palmas para o CINEMA BRASILEIRO, que ele merece.
NA GARGANTA DO DIABO
(1960)
de Walter Hugo Khouri
Com Edla Van Steen, Odete Lara e Luigi Picchi
Quarta
realização do sensível Khouri, tachado durante muito tempo como mero
imitador do sueco Ingmar Bergman. Obteve êxito de crítica e razoável
bilheteria. A ação se passa em plena guerra do Paraguai. Quatro desertores invadem uma fazenda onde vivem duas mulheres (a musa Odete Lara e a futura escritora Edla Van Steen), seu pai e um índio mudo. Melhor Argumento no Festival Internacional de Mar Del Plata. Prêmio Governador do Estado de São Paulo de Melhor Atriz (Steen).
PORTO DAS CAIXAS
(1962)
de Paulo César Saraceni
Com Irma Alvarez e Reginaldo Faria
Após
realizar dois filmes de curta-metragem, Saraceni – um dos líderes do
Cinema Novo – estreia no longa-metragem com este drama influenciado pelo
neo-realismo italiano. Inspirado em fato real, conta como uma mulher
paupérrima, maltratada por um marido ignorante e bruto, resolve
assassiná-lo, e utiliza para isso seus encantos femininos, buscando o
cumpridor da proeza. Roteiro do escritor mineiro Lúcio Cardoso e lírica
trilha-sonora de Antônio Carlos Jobim.
A HORA E A VEZ DE AUGUSTO MATRAGA
(1966)
de Roberto Santos
Com Leonardo Vilar, Jofre Soares e Maria Ribeiro
Adaptação do conto de Guimarães Rosa
Considerado
o melhor filme do diretor, triunfo de crítica e de público. A
personagem-pivô é um homem violento do sertão de Minas Gerais.
Abandonado pela mulher e ferido numa emboscada por inimigos, sofre uma
transformação mística e prepara sua vingança. Vilar (“O Pagador de
Promessas”, 1962) apresenta seu melhor desempenho no cinema. Melhor Direção e Melhor Ator no Festival de Brasília.
O CASO DOS IRMÃOS NAVES
(1966)
de Luís Sérgio Person
Com Anselmo Duarte, Raul Cortez,
Juca de Oliveira e Lélia Abramo
Um
homem desaparece com grande quantidade de dinheiro. Seus sócios,
acusados pela opinião pública, são torturados e condenados à prisão.
Quinze anos mais tarde, reaparece o verdadeiro ladrão. Baseado em fato
verdadeiro, elogiado pela crítica, conta com excelentes atuações de todo
elenco. Melhor Atriz Coadjuvante (Abramo) no Festival de Brasília; Coruja de Ouro de Melhor Fotografia.
O MENINO E O VENTO
(1967)
de Carlos Hugo Christensen
Com Ênio Gonçalves e Luís Fernando Ianelli
Adaptação do conto de Aníbal Machado
Engenheiro
passa férias numa cidade provinciana, conhecendo um belo garoto. Surge
uma ligação intensa entre os dois. Quando o garoto desaparece, ele é
acusado de sua morte. De enorme beleza plástica, dentro de um clima
sensual e dúbio, a obra é inusitada e reveladora. Com adaptação e
diálogos de Millôr Fernandes, talvez seja o primeiro filme nacional onde
a homossexualidade está em primeiro plano.
AZYLLO MUITO LOUCO
(1970)
de Nelson Pereira dos Santos
Com Nildo Parente, Isabel Ribeiro, Leila Diniz,
Arduíno Colassanti, Irene Stefânia
e Ana Maria Magalhães
Adaptação do conto de Machado de Assis
Ganhou
aplausos da crítica e indiferença do público. Numa província à
beira-mar, um padre preocupado com a saúde mental de seus fiéis constrói
um abrigo para loucos, mesmo contra a vontade dos poderosos do local.
Fotografia do mestre Dib Lutfi e inspirados figurinos e cenografia de
Luís Carlos Ripper.
A CASA ASSASSINADA
(1971)
de Paulo César Saraceni
Com Norma Bengell, Tetê Medina e Carlos Kroeber
Adaptação do romance de Lúcio Cardoso
Aborda
a destruição sistemática de uma tradicional família mineira que habita
uma decadente mansão. Com fotografia expressionista de Mário Carneiro,
esse drama intimista complexo conta com vibrantes atuações de Kroeber,
Bengell e Medina. Como Timóteo, um gay exagerado que vive trancado em um dos cômodos da casa, Kroeber rouba a cena: triunfal, a boca pintada, roupas e jóias do guarda-roupas da falecida mãe. Melhor Filme, Melhor Diretor e Melhor Ator no Festival de Brasília; Melhor Ator no Festival de Gramado; Prêmio Air France de Cinema de Melhor Ator; Melhor
Diretor, Melhor Ator, Melhor Atriz, Melhor Atriz Coadjuvante e Melhor
Fotografia da Associação Paulista dos Críticos de Arte.
SÃO BERNARDO
(1971)
de Leon Hirszman
Com Othon Bastos, Isabel Ribeiro,
Vanda Lacerda e Jofre Soares
Adaptação do romance de Graciliano Ramos
Homem
ambicioso consegue ser um grande proprietário de terras mas, roído pelo
ciúme, leva a esposa ao suicídio e abraça a solidão como companheira.
Simples, humano e de profunda reflexão pessoal, destaca dois intérpretes
perfeitos, Othon e Isabel, possivelmente os melhores atores da história
do cinema nacional. Trilha sonora de Caetano Veloso. Coruja de Ouro de Melhor Diretor e Melhor Atriz; Prêmios Air France de Cinema de Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Ator e Melhor Atriz.
OS CONDENADOS
(1973)
de Zelito Viana
Com Isabel Ribeiro e Cláudio Marzo
Adaptação do romance
de Oswald de Andrade
de Oswald de Andrade
O
melhor filme da carreira de Viana, que fala de amores infelizes e
conturbações sociais na São Paulo dos anos 20. Amada por tímido
telegrafista, mulher é seduzida por cafetão que a abandona grávida,
restando a prostituição. Coruja de Ouro de Melhor Direção, Melhor Atriz e Melhor Fotografia.
A ESTRELA SOBE
(1974)
de Bruno Barreto
Com Betty Faria, Carlos Eduardo Dolabella, Odete Lara,
Vanda Lacerda e Paulo César Pereio
Adaptação do romance de Marques Rebelo
Uma
veterana da música popular brasileira recorda sua trajetória, passando
por sexo por encomenda, lesbianismo, aborto, solidão e a fuga da
genitora que se enoja da filha. Um dos melhores momentos do sofrível
Bruno Barreto, com uma ótima Odete Lara num dos seus últimos papéis no
cinema: a cantora lésbica Dulce Veiga. Coruja de Ouro de Melhor Atriz Coadjuvante (Lara); Prêmio Air France de Cinema de Melhor Atriz.
MARÍLIA E MARINA
(1976)
de Luís Fernando Goulart
Com Kátia D’Angelo, Denise Bandeira,
Fernanda Montenegro e Nelson Xavier
Adaptação do poema de Vinicius de Morais
Retrato
realista da classe média carioca e um dos mais belos filmes dos anos
70, conta a história de duas irmãs, de temperamento e vidas distintas,
criadas pela mãe super-protetora e controladora (Fernanda Montenegro),
desde que a morte do pai, dez anos antes, representou o começo da
decadência econômica da família. Sucesso de público, lírico e
desesperado, com primorosas atuações das protagonistas e uma direção
sensível e inventiva.
CHUVAS DE VERÃO
(1977)
de Carlos Diegues
Com Jofre Soares, Miriam Pires
Cristina Aché e Paulo César Pereio
Como
os Barreto, Diegues nunca aprendeu a fazer cinema, mas tem uma
trajetória respeitável e dois ou três filmes delicados. Este é o melhor
deles. Um aposentado passa a perceber fatos inusitados no seu cotidiano,
relacionando-se amorosamente com uma vizinha setentona. Grandes
atuações de Jofre Soares e Miriam Pires. Melhor Ator Coajuvante (Pereio) e Melhor Atriz Coadjuvante (Pires) no Festival de Brasília; Prêmio Air France de Cinema de Melhor Ator.
A LIRA DO DELÍRIO
(1977)
de Walter Lima Júnior
Com Anecy Rocha, Cláudio Marzo e Paulo César Pereio
Um
dos melhores filmes de Lima Júnior, com uma sensacional atuação de
Anecy Rocha, irmã de Glauber e esposa do diretor na vida real. Garota de
cabaré, ela é vitima de um amante ciumento, que a acusa de tráfico de
drogas e sequestra seu bebê em pleno carnaval. Participação especial da
cantora Nara Leão. Melhor Direção, Melhor Atriz, Melhor Ator Coadjuvante (Pereio) e Melhor Fotografia no Festival de Brasília.
A INTRUSA
(1980)
de Carlos Hugo Christensen
Com José de Abreu, Arlindo Barreto
e Maria Zilda
e Maria Zilda
Adaptação de um conto de Jorge Luís Borges
O
talentoso argentino Christensen merece ser revisado. Este é o seu
melhor filme, um drama que mistura incesto e homossexualismo nos pampas
gaúchos. Dois irmãos agressivos e brigões defendem sua ligação afetiva
inusitada numa fazenda solitária. Quando o mais velho traz uma bela
criada para viver com eles, a discórdia se instala. Melhor Direção, Melhor Ator (Abreu) e Melhor Fotografia no Festival de Gramado.
SARGENTO GETÚLIO
(1983)
de Hermano Penna
Com Lima Duarte e Orlando Viera
Adaptação do romance de João Ubaldo Ribeiro
Exaltado
por crítica e público, tardou cinco anos para ser concluído. Um
sargento rude leva um preso político através do sertão. Acontece uma
reviravolta na política nacional e deve soltar o preso, mas ele não
aceita a contra-ordem, lutando contra tudo e contra todos. Lima Duarte
encarna com paixão o protagonista. Melhor Ator e Melhor Ator Coadjuvante (Vieira) no Festival de Gramado.
(Fontes: site Cinemateca Brasileira e “História Ilustrada dos Filmes Brasileiros: 1929-1988”, de Salvyano Cavalcanti de Paiva)