Bhagavan Sri Râmana Mahârshi (30 de
dezembrode1878—14 de abrilde1950), mestre deAdvaita
Vedantae homem santo do sul
daÍndia.
Considerado um dos maiores sábios de todos os tempos, tornou-se conhecido no
Ocidente especialmente através do livro “A Índia Secreta”, do jornalista e
escritor inglêsPaul
Brunton, que retratou os ensinamentos de Ramana, transmitidos, na maioria
das vezes, em silêncio absoluto aos seus discípulos. Outro autor famoso que deu
destaque à Ramana Maharshi foiParamahansa Yogananda, naAutobiografia de um Iogue, ao visitá-lo
durante seu regresso à India em1935. Outro famoso
espiritualista que foi ao ashrama receber o darshan de Ramana foi Mahatma
Ghandi, em busca de apoio para seu movimento de libertação da Índia.
Shri Ramana Maharshi
foi o grande representante da sabedoria milenar da Índia no século XX. Isso não
significa que ele foi um acadêmico que sabia de cor e salteado os textos
sagrados da religião, mas sim que viveu e mesmo personificou à perfeição tal
sabedoria. Na verdade, ele não escreveu nenhum livro. Ensinava o jnâna, ‘via do
conhecimento espiritual’ mais puro. Ao mesmo tempo, ressaltava que as outras
duas outras grandes vias espirituais, a do karma (das ações) e da bhakti (devoção)
estavam contidas no jnâna.
Na Índia, buscar a
companhia de sábios e santos é algo muito importante, para aprender com os
preceitos e exemplos concretos, e para obter suas bênçãos. Tal atividade se
chama satsanga (literalmente, ‘associação com a verdade’). Outro conceito
importante é o de darshan, que é a bênção conferida pela mera visão de um
santo, como explicaWilliam
Stoddartna sua excelente
introdução ao tema, “O Hinduísmo” (Ibrasa, 2005), o melhor livro sobre o
assunto publicado em português até o momento.
VIDA
Sri Râmana Maharshi
nasceu na região do Tamil Nadu, sul da Índia. Aos 16 anos, após a morte do pai,
passou por uma vívida experiência relacionada à morte e, por seu intermédio,
despertou para o estado que transcende, origina, constitui e engloba os campos
físico, emocional e intelectual, passando a viver permanentemente nesse estado,
por alguns denominado realização espiritual. Depois de algum tempo, abandonou
sua casa e família e partiu como sadhu (peregrino ou eremita) para a cidade de
Tiruvannamalai (190 km ao sul de Madras), onde passou o restante da vida na
montanha de Arunachala, considerada por ele como uma montanha sagrada. A
princípio, viveu no grande templo de Arunachaleswara, permanecendo absorto em
meditação, no saguão conhecido como o de “mil pilares”, de onde teve de se
mudar, em razão das pedras que lhe eram atiradas por um bando de meninos que o
viam imóvel no local. Passou então a viver em um escuro vão no sub-solo do
templo, mas os moleques cedo o descobriram, e continuaram a atirar-lhe pedras.
Teve de se mudar muitas vezes e passou a residir em vários outros santuários e
locais adjacentes ao templo, como jardins, bosques e pomares. Pouco a pouco foi
subindo a montanha de Arunachala, onde viveu em diferentes cavernas e passou a
ser conhecido como o “Maharshi” (grande sábio ou vidente), e “Bhagavan”, o
Senhor. Lenta e gradualmente, discípulos foram se reunindo à sua volta. Vinte e
sete anos após a sua chegada a Tiruvannamalai, um “ashram” ou comunidade
espiritual foi construído ao redor do túmulo de sua mãe, aos pés da Montanha
Sagrada de Arunachala, onde passou a residir até o fim de seus dias. Essa
comunidade, chamada “Ramanashram”, tornou-se um local mundialmente conhecido,
para onde se dirigiam ( e ainda se dirigem, em número crescente) buscadores
espirituais de diversas origens religiosas.
Seus ensinamentos,
magistralmente simples, profundos e lúcidos, estão registrados em grande número
de livros. Diversos autores escreveram sobre ele; entre outros,Arthur Osborne, em “Ramana
Maharshi e o Caminho do Autoconhecimento”,Mouni Sadhuem “Dias de Grande Paz”,Carl Jung,
a pedido deHeinrich
Zimmer,Somerset
Maugham, em “O Fio da Navalha”,William
Stoddart, em “O Hinduísmo”,Mateus Soares de Azevedoem “Ye shall know the truth:
Christianity and the Perennial Philosophy” (EUA, 2005), David Godman, Sadhu Om,
H.l Poonja, Maha Krishna Swami. Em 25 de dezembro de 2007, quando da
comemoração do seu nascimento (data móvel, dependente da posição das estrelas),
uma nova biografia em língua inglesa, com 4.135 páginas distribuídas em oito
volumes, contendo 400 fotografias, foi lançada.
Sua presença, que
irradiava uma grande paz, tornando fácil e natural a convivência na comunidade,
inclusive com os animais selvagens que habitavam a montanha, atraiu milhares de
pessoas a Arunachala. A essência dos seus ensinamentos é o
“Vichara”(self-enquiry), ou investigação direta, interior, por meio dos
questionamentos: “Quem sou eu?” e “De onde surge o pensamento ‘eu’?”, para a
descoberta da “Verdade, Paz ou Bem-Aventurança, a nossa real natureza”.
“Descoberta” no sentido literal de “retirar o que cobre”, os conceitos. Em
vários momentos, Ramana nos alerta que não se trata de mero questionamento
verbal, mecânico, mas de trazer sempre ao foco da atenção, por meio desse
questionamento, a sensação do “eu sou”, que é a única coisa real, visto que
todas as outras coisas mudam e passam, são transitórias, enquanto esta
consciência do eu permanece. Tal questionamento faz com que a atenção se volte para
o estado natural que ultrapassa o conhecimento, levando à percepção da
inevitável limitação de todos os conceitos, o que faz com que, gradualmente,
definhem e percam sua tirania sobre a mente, deixando de se sobrepor “àquilo
que verdadeiramente é”. Para o ocidente, tal sobreposição é o verdadeiro
conhecimento ["episteme", epi (sobre) + histanai (por, colocar):
sobrepor]. Para a Vedanta, tanto a opinião quanto a “episteme” impedem o
descobrimento “daquilo que é”. A alegoria da caverna, baseada no estudo hindu
da “maya” (literalmente “medir”, “avaliar”), se refere a essa limitação: a
idéia é diferente daquilo que verdadeiramente “é”. É preciso ultrapassar a
limitação dos conceitos, das idéias, das imagens, das representações. Sair da
prisão da ignorância, representada pela caverna, para o espaço infinito da
bem-aventurança. A própria alegoria não é bem compreendida no suposto “mundo
ocidental”. Tomar o resultado da avaliação como verdade é tomar as sombras pela
coisa em si, e, por conseguinte, viver na ilusão. A ignorância basilar é a que
existe com relação ao “eu”. Julgo conhecer-me por meio de uma representação.
Desconhecendo quem é o conhecedor, busco conhecer o universo, os seres vivos,
os objetos. Deles também construo representações. A representação que construo
a respeito de mim mesmo, que é sempre incompleta, e com a qual me identifico,
busca, em vão, completar-se por meio de conhecimentos, sensações, posses,
prestígio. Nessa busca, ela tem continuidade, com a inseparável sensação de
incompletude e, portanto, de sofrimento. Quem sou eu? Uma vez que a
representação que crio a respeito de mim mesmo não sou eu – quem sou eu? Quem
está fazendo essa pergunta? A resposta não pode ser mental, intelectual, pois
constituir-se-ia em uma outra representação. Para a Vedanta pois – sem a
negação da óbvia necessidade, em seu campo próprio, do conhecimento relativo –
o verdadeiro conhecimento implica a não interferência dos conceitos, das
teorias, seja a respeito do mundo e das coisas, seja a respeito de si mesmo, do
estado que ultrapassa o pensamento. Havendo um grande descontentamento em
relação a tudo o que é incompleto, havendo a necessidade e a urgência da
descoberta, o próprio exame e compreensão de todo o quadro, a investigação
sobre o “eu” e a origem do “eu”, levam à não-interferência dos conceitos –
porque se compreende sua limitação, o que provoca o seu definhar – e à quietude
mental. A própria investigação sobre o ‘eu’ e sua origem, ao final, mergulham
na quietude. “Aquieta-te e sabe que Eu Sou Deus”. “Eu Sou esse Eu Sou”. Nesse
estado de silêncio vivo, desperto, o conhecedor, o conhecimento e o objeto do
conhecimento, qualquer que seja ele, são um só. Só há separação no mundo das
representações, das construções mentais, no mundo “daquilo que não é”. Nesse sentido,
conhecer a verdade acerca de si mesmo é conhecer a verdade acerca de todos os
seres e de todas as coisas. Conhecer a verdade acerca de si mesmo é ser essa
verdade, já que não somos dois, um para conhecer o outro. Cada um é a própria
Verdade absoluta; ou Deus, para usar uma outra palavra.
A expressão
“auto-realização”, nos diz Ramana Maharshi, é apenas um eufemismo para “remoção
da ignorância”. Nada há para ser adquirido; há, apenas, ignorância a ser
removida. Somos a própria vida, o Ser Infinito, a fonte de todas as coisas.
Afirma-se que, no
momento em que Sri Ramana faleceu, um magnífico astro, majestosa e lentamente,
cruzou os céus da Índia, sendo visto em grande parte do país por inúmeras
pessoas, que espontaneamente compreenderam o evento que ele anunciava.