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18 de dez. de 2012

Quando a imprensa local é alienígena



Ao lembrarmos dos principais jornais de uma cidade ou região, é de se esperar que a cobertura das notícias do local seja bem atendida por esses jornais. Um veículo de outro estado, ainda que conte com uma sucursal, teoricamente sempre vai estar um passo atrás daqueles que já se estabeleceram e conhecem bem o terreno e as pessoas.

Todo o parágrafo acima se aplica caso estejamos falando apenas no aspecto técnico. Quando os cenários político e econômico entram em cena, a coisa muda um pouco de figura. É o que está acontecendo no Rio de Janeiro. Atualmente, aos cidadãos do estado e da capital estão sendo sonegadas informações importantes que envolvem seus dirigentes, principalmente o governador Sergio Cabral, mas sem excluir seu aliado “de placenta”, Eduardo Paes.

Não sejamos inocentes. As Organizações Globo, de DNA fluminense com sede carioca, estão muito interessadas em que os grandes eventos como Copa e Olimpíadas sejam um sucesso inquestionável (e o adjetivo é esse mesmo). Afinal, a audiência da população local e global está em jogo, bem como todos os lucros publicitários e de imagem advindos das ocasiões. Assim sendo, o que o consumidor local de informações tem recebido são extensões do Diário Oficial do estado e do município em formato de telejornais, jornais impressos, sites de notícia etc... Cada “feito” dos governos é anunciado sem nenhuma crítica, e com toda a pompa e circunstância. O recente anúncio do Veículo Leve sobre Trilhos publicado no Globo é uma bela peça de release institucional.
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Homens iluminados

Além disso, as denúncias de irregularidades no governo do estado e na prefeitura recebem uma cobertura jornalística com delay: enquanto o fato já explodiu na internet e na boca do cidadão, aparecendo em veículos de fora do estado ou outras emissoras, ele ainda demoooora para passar na Globo. Isso aconteceu no episódio dos guardanapos de Paris de Cabral e com os protestos pela construção de um hotel na Praia da Reserva (promessa de campanha quebrada por Eduardo Paes).

Pior do que o delay é sonegar informações. Na extensa cobertura sobre a passeata pelos royalties do petróleo, só na Folha de S.Paulo saiu a repressão com spray de pimenta aos que protestavam contra o governador. Ironicamente, os jovens estavam fazendo um protesto político público (mesma essência da passeata) e haviam chamado Cabral de... ditador. A escolha por uma cobertura “diferenciada” é nítida se assistirmos ao RJ TV. Enquanto seus repórteres encurralam prefeitos da Baixada Fluminense por não atenderem às demandas da população, Eduardo Paes se sente à vontade nos estúdios do programa. Sergio Cabral só costuma aparecer para anunciar alguma decisão, sem contrapontos ou inquirições. Não foi uma nem duas vezes que isso aconteceu.


Se o cidadão do Rio de Janeiro ignorar outras fontes de informação, privilegiando apenas a TV Globo e os jornais O Globo e Extra (bem como seus sites e perfis em redes sociais), vai pensar que os governantes do estado e da cidade são homens iluminados. Que não podem ser questionados e cujos erros de suas administrações nunca serão culpa deles, mas de outrem, mesmo que de seu próprio escalão. Mas não deles.


O jornalismo e o cidadão

Não à toa, quando alguma repercussão nem mesmo as Organizações Globo podem ignorar e precisam, ainda que constrangidas, levantar determinadas questões delicadas junto aos líderes, recebem respostas de crianças mimadas quando contrariadas (no caso de Paes) ou autoritárias (no caso de Cabral. Veja vídeo abaixo).

Considerando que ambos foram reeleitos no primeiro turno, ou a população não se importa com as decisões que seus governantes tomam, ou o jornalismo do Rio de Janeiro torna-se cada vez mais irrelevante para defender o cidadão.


Marcos André Lessa é jornalista, Rio de Janeiro, RJ