Ao lembrarmos dos principais jornais de uma cidade ou região, é de se
esperar que a cobertura das notícias do local seja bem atendida por
esses jornais. Um veículo de outro estado, ainda que conte com uma
sucursal, teoricamente sempre vai estar um passo atrás daqueles que já
se estabeleceram e conhecem bem o terreno e as pessoas.
Todo o parágrafo acima se aplica caso estejamos falando apenas no
aspecto técnico. Quando os cenários político e econômico entram em cena,
a coisa muda um pouco de figura. É o que está acontecendo no Rio de
Janeiro. Atualmente, aos cidadãos do estado e da capital estão sendo
sonegadas informações importantes que envolvem seus dirigentes,
principalmente o governador Sergio Cabral, mas sem excluir seu aliado
“de placenta”, Eduardo Paes.
Não sejamos inocentes. As Organizações Globo, de DNA fluminense com sede
carioca, estão muito interessadas em que os grandes eventos como Copa e
Olimpíadas sejam um sucesso inquestionável (e o adjetivo é esse mesmo).
Afinal, a audiência da população local e global está em jogo, bem como
todos os lucros publicitários e de imagem advindos das ocasiões. Assim
sendo, o que o consumidor local de informações tem recebido são
extensões do Diário Oficial do estado e do município em formato de
telejornais, jornais impressos, sites de notícia etc... Cada “feito” dos
governos é anunciado sem nenhuma crítica, e com toda a pompa e
circunstância. O recente anúncio do Veículo Leve sobre Trilhos publicado no Globo é uma bela peça de release institucional.
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Homens iluminados
Além disso, as denúncias de irregularidades no governo do estado e na
prefeitura recebem uma cobertura jornalística com delay: enquanto o fato
já explodiu na internet e na boca do cidadão, aparecendo em veículos de
fora do estado ou outras emissoras, ele ainda demoooora para passar na
Globo. Isso aconteceu no episódio dos guardanapos de Paris de Cabral e
com os protestos pela construção de um hotel na Praia da Reserva
(promessa de campanha quebrada por Eduardo Paes).
Pior do que o delay é sonegar informações. Na extensa cobertura sobre a
passeata pelos royalties do petróleo, só na Folha de S.Paulo saiu a repressão com spray de pimenta aos que protestavam contra o governador.
Ironicamente, os jovens estavam fazendo um protesto político público
(mesma essência da passeata) e haviam chamado Cabral de... ditador. A
escolha por uma cobertura “diferenciada” é nítida se assistirmos ao RJ
TV. Enquanto seus repórteres encurralam prefeitos da Baixada Fluminense
por não atenderem às demandas da população, Eduardo Paes se sente à
vontade nos estúdios do programa. Sergio Cabral só costuma aparecer para
anunciar alguma decisão, sem contrapontos ou inquirições. Não foi uma
nem duas vezes que isso aconteceu.
Se o cidadão do Rio de Janeiro ignorar outras fontes de informação,
privilegiando apenas a TV Globo e os jornais O Globo e Extra (bem como
seus sites e perfis em redes sociais), vai pensar que os governantes do
estado e da cidade são homens iluminados. Que não podem ser questionados
e cujos erros de suas administrações nunca serão culpa deles, mas de
outrem, mesmo que de seu próprio escalão. Mas não deles.
O jornalismo e o cidadão
Não à toa, quando alguma repercussão nem mesmo as Organizações Globo
podem ignorar e precisam, ainda que constrangidas, levantar determinadas
questões delicadas junto aos líderes, recebem respostas de crianças mimadas quando contrariadas (no caso de Paes) ou autoritárias (no caso de Cabral. Veja vídeo abaixo).
Considerando que ambos foram reeleitos no primeiro turno, ou a população
não se importa com as decisões que seus governantes tomam, ou o
jornalismo do Rio de Janeiro torna-se cada vez mais irrelevante para
defender o cidadão.
Marcos André Lessa é jornalista, Rio de Janeiro, RJ