Congresso deve resistir às sugestões de Dilma para plebiscito
Como parte do projeto de reforma
política, o Executivo propõe que a população seja consultada a respeito de
cinco pontos. Eles são: o financiamento de campanhas (que pode ser público,
privado ou misto, como atualmente); o sistema eleitoral (manutenção do voto
proporcional ou adoção do sistema distrital e suas variações); o fim da
existência do cargo de suplente para o Senado; a manutenção ou não das
coligações partidárias e o fim do voto secreto nas votações do Congresso.
Apesar do detalhamento das propostas,
no entanto, o plebiscito sobre a reforma política tem um longo caminho pela
frente.
Congresso
A presidente Dilma deixou claro que
gostaria de ver a reforma em vigor já nas eleições do ano que vem. O Tribunal
Superior Eleitoral anunciou que o plebiscito pode ser realizado a partir de 8
de setembro. Porém, a convocação do pleito e a formulação das perguntas cabe ao
Congresso, onde o governo pode enfrentar alguns obstáculos.
De acordo com relatos publicados no
jornal Folha de S. Paulo, setores do PMDB na Câmara já teriam se
colocado contra a proposta de realização de um plebiscito e defenderiam a
apresentação pelo Congresso de um projeto de reforma que possa ser submetido a
um referendo.
"O Congresso tem toda a liberdade
de convocar o plebiscito ou não e tem toda a liberdade de confeccionar a
redação das perguntas para irem para o plebiscito", afirma o cientista
político David Fleischer, professor emérito da Universidade de Brasília (UnB).
Para Fleischer, o fato de as relações
de Dilma com o Congresso serem no mínimo distantes e a expressiva queda na
popularidade da presidente, apontada pela última pesquisa Datafolha, podem
dificultar ainda mais o caminho das propostas de Dilma no Parlamento.
"Não há nenhum indicativo de que o
Congresso vai seguir as sugestões da Dilma. Porque as relações de Dilma com o
Congresso têm piorado muito nos últimos tempos e pioraram mais ainda com a
queda nas pesquisas", diz o professor. Segundo ele, o Congresso pode até
acatar algumas sugestões da presidente, mas também pode adicionar outras que
não são do interesse do governo, como por exemplo o fim da reeleição.
Na avaliação de Fleischer, a melhor
maneira de se fazer a reforma política seria que ela fosse proposta e aprovada
pelo próprio Congresso, onde já existem projetos sobre o tema em tramitação.
"Eu acho que essa é a maneira mais eficaz de fazer, mas eu não sei se o
Congresso tem capacidade ou cabeça para fazer uma coisa dessas", diz.
Pressa
O professor e pesquisador do Programa
de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUC-Rio, Ricardo Ismael, afirma ser
improvável que o Congresso rejeite completamente a ideia de se fazer um
plebiscito sobre a reforma política. Mas, ele diz que pode haver dificuldades
para que os membros do Congresso cheguem a um acordo a respeito das perguntas à
população que constarão nas urnas.
"A questão toda vai ser essa, como
é que eles vão conseguir chegar a um conjunto de perguntas que, de uma maneira
ou de outra, a maioria tenha aprovado. (...) A Dilma vai passar a bola para o
Congresso e o Congresso vai tentar chegar a um acordo, mas não sei se chega,
porque os interesses dos partidos são muito diferentes. (...) O problema é essa
definição das perguntas. Não se sabe que direção isso vai ter", diz
Ismael.
O cientista político ainda coloca em
questão a possibilidade de que toda a tramitação para a reforma política por
meio do plebiscito seja finalizada até o início de outubro - prazo máximo para
que as medidas estejam em vigor já nas eleições de 2014.
Ismael critica o que ele chama de "pressa"
para aprovar o projeto, já que seria necessário mais tempo para informar os
eleitores a respeito do conteúdo e das consequências da reforma.
"Há um risco de isso ser feito de
maneira muito apressada (...) Eu não sei se vai ter tempo das pessoas votarem
conhecendo as consequências de cada proposta. Então há o risco de ter uma
proposta aprovada que seja um pouco 'maluca'. Você pode aprovar uma coisa que
aponta para um lado e outra que aponta para outro", diz.
O professor ainda lembra que a reforma
política não estava entre as principais bandeiras daqueles que participaram das
manifestações e questiona até que ponto a população vai se "empolgar"
com o plebiscito sobre o tema.
"(O plebiscito) vai depender de
muitas variáveis: de que as pessoas possam ter tempo de entender e queiram
realmente prestar atenção a isso. Porque as pessoas podem simplesmente desligar
a televisão no horário eleitoral gratuito. (...) É muito pouco provável que a
população troque questões claras, como a melhoria do transporte, a questão da
passagem, a questão de mais dinheiro para a educação, para a saúde, por essas
discussões", diz
"A gente está indo para uma
direção que não se sabe o que vai acontecer. Pode ser que até piore o sistema
que a gente tem hoje se a gente não tomar cuidado".
Oportunidade
Na avaliação de Marcelo Simas,
professor do instituto IUPERJ, da Universidade Cândido Mendes, no entanto, a
realização de um plebiscito após as grandes manifestações que tomaram as ruas
do Brasil pode ser a oportunidade para que uma reforma política seja finalmente
aprovada – depois de anos de discussões.
"No Brasil e no mundo, toda vez
que a gente vê uma reforma política mais ou menos significativa, ela acontece
por alguma forma de pressão externa, manifestações populares, revoluções.... O
plebiscito talvez seja a única coisa realmente nova nessa velha discussão sobre
reforma política", diz Simas. Segundo ele, interesses eleitorais e a
distribuição de forças acabam por dificultar a aprovação de uma reforma pelo
Congresso.
Para o cientista político, as recentes
manifestações criaram uma grande pressão sobre políticos das diversas esferas
de poder. Elas refletiram, afirma, nas pesquisas de opinião que mostram quedas
nos níveis de aprovação de prefeitos, governadores e da presidente.
Na avaliação de Simas, esse cenário –
somado à aproximação das eleições de 2014 – pode fazer com que o Congresso
contribua para que o plebiscito sobre a reforma política venha a ter efeito.
"Eu diria que as recentes quedas
de popularidade dos principais mandatários estão disparando um sinal de alarme,
particularmente para o governo. (...) A questão é até que ponto a atual
coligação de governo no Congresso vai estar preocupada com essa mensagem das
ruas e o que ela vai fazer", diz.
"Se eu puder apostar, eu acho que
nesse momento há uma boa chance de alguma proposta de reforma política se
consolidar entre os partidos da coalizão de governo. Simplesmente por isso,
porque a próxima eleição começa a ficar muito indeterminada".
Manifestações pelo Brasil
Paz Brasil