O
enforcamento dos conspiradores da morte de Abraham Lincoln
"Por favor, não me deixe
cair." Essas foram as últimas palavras ditas por Mary Surratt. Foi um
apelo desesperado antes que ela, de fato, caísse para a morte do cadafalso de
uma forca. A morte de Surratt e de três outros conspiradores condenados pelo
assassinato do presidente Abraham Lincoln, marcou o fim de um julgamento e de
uma execução que permanecem controversos até hoje, quase 150 anos depois.
Os corpos dos executados balançam enquanto que os espectadores
começam a sair.
Foto: Alexandre Gardner |
Fez bastante calor em 7 de julho de
1865, o dia em que os quatro presos foram levados para a forca. Naquela manhã,
os condenado Mary Surratt, Lewis Powell (ou Payne), David Herold e George
Atzerodt, ouviam nervosamente os sons da forca sendo testada. O barulho
das armadilhas se abrindo abaixo dos laços deve ter lembrado a eles, que
aquelas eram as últimas horas de suas vidas.
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A ordem para as execuções veio apenas
um dia antes, em 6 de julho, com a notícia sendo dada aos prisioneiros em
envelopes lacrados. Podemos apenas imaginar o alarme que os quatro
conspiradores condenados devem ter sentido ao descobrir que eles seriam executados,
e que, daquele momento em diante, só lhes restariam 24 horas de vida. Muitos
ainda esperavam que Surratt, pelo menos, tivesse sua pena reduzida, os esforços
de sua filha e de outros para garantir a clemência continuaram até o último
momento. Cinco dos nove juízes envolvidos recomendaram clemência à Surrat, para
o novo presidente Andrew Johnson, mas a ordem nunca foi assinada.
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Acusada de cumplicidade, bem como
ocultar, abrigar e aconselhar os outros réus, Surratt acabaria por ser
considerada culpada de conspiração, traição e por ter arquitetado o assassinato
de Lincoln. Os outros foram também condenados por suas participações na
conspiração: Powell por sua tentativa fracassada de assassinar o secretário de
Estado Seward, Herold por ajudar Powell e por ajudar na fuga de Booth e
Atzerodt por ter planejado assassinar o Vice-Presidente.
Os advogados de Surratt alegaram que
ela era inocente e não tinha sido ligada à trama de forma alguma – um argumento
que muitos ainda consideram válido até hoje. A defesa de Powell, por sua vez,
alegou que ele foi impulsionado pela insanidade; a de Herold, argumentou que
ele era fraco de espírito e insignificante; a defesa de Atzerodt tentou provar
que ele era muito covarde para ter desempenhado um papel tão importante na
conspiração. Todos esses argumentos, no entanto, foram rejeitados. Os acusados foram
considerados culpados e condenados à morte.
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Precisamente às 01:02 em 7 de julho,
Surratt, Powell, Herold e Atzerodt foram levados para o pátio da Old Arsenal
Penitentiary, onde foram detidos em frente dos caixões e das sepulturas
recém-cavadas que os aguardavam. É difícil saber o que teria inspirado mais
medo nos quatro conspiradores condenados: as sepulturas recém-abertas ou a
forca recentemente testada.
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Os caixões e sepulturas abertas
aguardam os corpos dos condenados. Foto: Alexandre Gardner
A procissão dos condenados foi liderada
por Surratt, que teve a dúbia distinção de ser a primeira mulher a ser
executada pelo governo federal dos Estados Unidos. Fraca pelo choro e por
severas dores de estômago, e, sem dúvida, aleijada pelo medo; Surratt
precisou do apoio de soldados e sacerdotes para conduzí-la através do
pátio.
Powell, que tinha tentado o suicídio
durante o julgamento, não precisava de tal ajuda. Embora ele, como os outros
dois homens, usassem algemas, ele se comportou ao longo do caminho para a
morte "como um rei para ser coroado", conforme descrito por um jornalista.
Os outros dois presos, Herold e Atzerodt, não pareciam tão entusiasmados
com suas mortes iminentes e cambaleavam enquanto a forca se aproximava mais e
mais.
Mary Surratt, a primeira mulher a ser executada
pelo governo federal dos
EUA
Foto: Brady National
Photographic Art Gallery
As expressões nos rostos da multidão
reunida naquele dia provavelmente variavam da satisfação à sombria e
mórbida curiosidade. Mais de mil pessoas testemunharam a execução, incluindo
funcionários do governo, militares, jornalistas, testemunhas, amigos e
familiares dos condenados.
Entre a multidão estavam também,
cerca de 200 espectadores ávidos por sangue, que conseguiram
ingressos para a execução. O enforcamento dos conspiradores do
assassinato do presidente foi um grande evento, e a procura por ingressos foi
enorme.
Alexandre Gardner
O cheiro de madeira do
andaime apressadamente construído, impregnava o ar quando os quatro
prisioneiros condenados subiram os degraus para abraçar a morte. No topo eles
receberam cadeiras para sentar, os seus braços foram atados a seus corpos e as
pernas amarrados com um pano. A mulher condenada refletia uma figura tétrica,
vestida como se fosse para um funeral (o que em certo sentido, era verdade),
inteiramente em preto: capote, vestido e véu.
Uma vez que tinham sido amarrados de
forma segura, foi lhes dado um tempo para falar com os clérigos, depois,
os condenados foram obrigados a ficar de pé novamente, para
que os laços fossem presos em volta de seus pescoços. Os retoques finais
foram os capuzes brancos, colocados sobre suas cabeças. Do andaime, Powell
falou para Surratt, proclamando sua inocência e acrescentando: "Ela não
merece morrer com o resto de nós." No entanto, naquele momento, nada
poderia ser feito para impedir a execução .
David E. Herold. Em sua defesa, alegou-se que ele
tinha a mente de uma criança de 11 anos de idade.
Foto: Alexandre Garner
Diz-se que, enquanto ajustava a corda
em torno do pescoço de Powell, o carrasco sussurrou no ouvido do prisioneiro,
"Eu quero que você morra rápido" (que é provavelmente o melhor que
você pode desejar a alguém que está prestes a ser enforcado). "Faça o seu
melhor", respondeu Powell. No entanto, uma morte rápida não era para ser
seu destino.
Surratt reclamou da rigidez das algemas
em torno de seu pulso, então, o carrasco, num tom de gracejo e crueldade,
respondeu: "Bem, não vai doer por muito tempo." Os quatro foram
conduzidos para as armadilhas que se abririam abaixo deles, e foi então, que
Surratt, em prantos, suplicou : "Por favor, não me deixe cair."
George Atzerodt, cujos conhecidos o
descreveram no
julgamento como um "covarde notório"
Os prisioneiros condenados ficaram lá
por alguns momentos, sob o sol escaldante, e as centenas de espectadores devem
ter prendido a respiração. Então, as 1:26, o carrasco bateu palmas - o
sinal para os soldados abrirem o cadafalso. Atzerodt gritou: "Que
todos se encontrem em outro mundo. Deus vai me levar agora ".
Mary Surratt pareceu ser a que
morreu mais rápido, seu corpo rígido, no final da corda, ficou balançando para
lá e para cá. David Herold também estremeceu brevemente, antes de seu corpo
ficar imóvel. George Atzerodt e Lewis Powell, no entanto, continuaram a se
movimentar freneticamente como se eles fossem lentamente estrangulados pelas
cordas, lutando por vários minutos ou mais. Powell pode ter levado mais de
cinco minutos para morrer, e por duas vezes, agitou as pernas antes de
finalmente sucumbir à morte.
O
presidente Abraham Lincoln, que foi baleado em 14 de abril de 1865 e morreu na
manhã
seguinte.
Foto: Henry F. Warren
Os corpos foram examinados por um médico para garantir que a morte
havia levado os quatro condenados, cerca de meia hora depois do enforcamento,
as cordas foram cortadas. Eles foram enterrados em covas rasas próximas à
forca, com os capuzes ainda na cabeça. No entanto, mais tarde, algumas
modificações na prisão fizeram com que os corpos fossem retirados de onde
estavam.
O corpo de Surrat foi devolvido à sua família e enterrado no
Cemitério de Mount Olive em Washington, DC. Os restos mortais de Herold
foram enterrados no cemitério do Congresso, também em Washington,
DC. Atzerodt foi sepultado no Cemitério Luterano de São Paulo, em
Baltimore. Misteriosamente, em 1992, o crânio de Powell apareceu no
Departamento de Antropologia do Museu Smithsonian, sendo então enterrado no
Cemitério de Genebra, na Flórida, ao lado de sua mãe.
O camarote presidencial no Teatro Ford, onde
Lincoln foi assassinado.
Até hoje, há estudiosos do caso,
que acreditam que o julgamentos e as subsequentes execuções foram
injustos. Tais observadores apontam para os níveis questionáveis das
provas, o pouco tempo dado a defesa para se preparar e a retenção de
provas importantes, dentre outras questões. Os críticos são particularmente
enfáticos sobre o enforcamento de Mary Surratt, que segundo eles, não poderia
comprovadamente ser ligada à conspiração.
John Wilkes Booth, o assassino do presidente
Lincoln, até então conhecido como um ator de teatro famoso
Como acontece com qualquer grande
evento desta natureza, há, naturalmente várias teorias conspiratórias
mirabolantes, incluindo aquelas que envolvem o Papa e o vice-presidente Andrew
Johnson. No entanto, até agora, nenhuma delas foi levada muito a sério.
O exterior do teatro Ford, coberto com fitas de crepe preto
Talvez nunca saberemos completamente a verdadeira história por
trás do assassinato e os papéis exatos de uma viúva católica devota (Surratt),
um reparador de carruagens (Atzerodt), um assistente de médico
(Herold), e um homem que , apesar do crime violento do qual foi acusado,
em sua juventude era conhecido por sua bondade para com os animais (Powell).
Nós, no entanto, temos um registro de suas mortes nas fotografias de Alexander
Gardner, o único fotógrafo que teve permissão para assistir à execução.